O Globo
Eles cobram mais empenho para o fim do uso
dos combustíveis fósseis e Lula entra na força- tarefa para destravar as
negociações
Uma grande tempestade despencou sobre Belém logo após os cientistas fazerem mais um de seus alertas, em tom bem duro: “Estamos numa encruzilhada planetária. A COP 30 tem uma escolha: proteger as pessoas e a vida, ou proteger a indústria do combustível fóssil”, escreveram. Naquele mesmo momento, em outro lado da Blue Zone, o presidente Lula estava recebendo o ministro do Meio Ambiente da Alemanha, Carsten Schneider. Ao sair, o alemão afirmou que apoia o mapa do caminho para sair dos combustíveis fósseis. Oitenta e dois países já fizeram isso, entre eles, Reino Unido, Noruega, França, México, Quênia, Portugal e Holanda.
O problema é que naquele momento, começo da
tarde de ontem, a negociação em torno desse assunto estava empacada. Como na
terça-feira houve o lançamento da aliança pelo fim dos combustíveis fósseis,
quarta-feira veio o contra-ataque. Os países a favor dos fósseis foram ao
presidente André Corrêa do Lago pressionar. A tese é que se não fazia parte da
agenda oficial, não deveria estar sendo discutido. O outro grupo argumenta que
se foi feita uma referência ao assunto no comunicado de Dubai, há sim a
possibilidade de discutir em Belém.
Os cientistas reagiram ao documento
preliminar divulgado com uma referência fraca demais ao tema. Eles chamaram de
“provocação”. E explicaram: “Um roteiro é um plano de trabalho real, que
precisa mostrar o caminho de onde estamos e para onde chegar, e como chegar
lá”. Disseram que o único objetivo correto é zerar as emissões em 2040, no
máximo em 2045. Segundo o climatologista Carlos Nobre, o Brasil tem todas as
condições de fazer isso em 2040. Os cientistas alertaram que o mundo não reduz
o uso dos combustíveis fósseis porque acredita que as florestas continuarão
eliminando gás carbônico da atmosfera. “Mas as florestas também são vulneráveis
e podem não ter a capacidade de sobreviver”.
Durante a tarde, depois de falar com várias
delegações de negociadores, o presidente Lula recebeu um grupo da sociedade
civil. Nessa leva foi o professor Carlos Nobre. Foi para dizer que não há mais
tempo a perder. Nobre entregou a Lula a carta dos cientistas. O
secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini, esteve na
reunião também. Ao sair contou que o presidente Lula foi muito afirmativo:
— Ele falou em mapa do caminho umas dez
vezes, pelo menos, e disse que defenderá a ideia em Belém, no G7, e no G20, e
que precisamos disso desenhado. Demonstrou que não vai largar o tema. Se vai
sair daqui não está sob o controle dele. O que está sob o controle dele é
permanecer na mesma posição que mostrou em seus discursos. Disse que já viu
poucas pessoas conseguirem grandes avanços porque insistiram.
Nem todo mundo está convencido no governo de
que o lançamento do mapa do caminho seja factível. Na diplomacia, teme-se a
reação dos países contrários à ideia, porque pode ser forte e bloquear
completamente a conferência.
— Nós temos que defender o multilateralismo —
me disse uma fonte.
A ministra Marina Silva defende
a ideia de propor que haja o começo do mapa do caminho. Acha que é o melhor que
pode acontecer nesta COP. A coletiva dada pelos países da aliança pelo fim dos
combustíveis fósseis foi realmente impressionante. Eles demonstraram
determinação. Disseram que seguem a proposta do presidente Lula, que entenderam
o sentido da palavra brasileira “mutirão” e estão praticando. O ministro inglês
Ed Miliband afirmou que o movimento representa a união do Norte Global e do Sul
Global. Eles pediram à conferência uma “palavra forte” nessa direção.
Passava das 20h de ontem quando o presidente
Lula chegou para fazer um pronunciamento à imprensa.
—Alguém tem que puxar, se não puxar não
acontece — disse ele, referindo-se a sua atitude de bater palmas para a
ministra Marina, mas que vale também para o esforço de destravar as
negociações.
A COP30 vai para os seus dois últimos dias
ainda cercada de dúvidas, repetindo um roteiro conhecido, em que se discute
muito e, no fim, há o risco do bloqueio dos grupos de veto. Como o processo
decisório exige consenso, o avanço se dá aos poucos, em um ritmo lento demais
para a realidade e para os cientistas. Lula
entregou seu recado antes de ir embora de Belém.
—Temos que aprender a viver sem combustível
fóssil e falo isso muito à vontade porque sou de um país que produz petróleo, e
que tem 87% da sua matriz limpa. Numa COP, a gente não impõe nada, tudo se
negocia porque é preciso consenso — disse Lula.

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