O Globo
Se o mundo ampliar as renováveis sem
substituir petróleo e carvão, não enfrentará a causa central do aquecimento
global
O presidente Lula falou de um mapa do caminho para o abandono dos combustíveis fósseis, o que foi comemorado pela ala ambiental do governo. O mesmo presidente que celebrou a licença para o início da exploração de petróleo na Margem Equatorial, estava em Belém, na quinta-feira, discursando sobre honrar o legado das últimas duas COPs. Um dos marcos da COP de Dubai foi incluir no comunicado a necessidade de eliminação dos combustíveis fósseis. Os defensores do petróleo afirmam que o combustível vai financiar a transição. O que significaria que mais produção levaria à sua eliminação. Não faz sentido. O melhor resultado a esperar é que saia do Pará um mandato para construir o caminho para o fim gradual da principal causa de tudo o que temos vivido.
O Brasil teve uma vitória pontual na Cúpula
dos Líderes, já que o fundo para remunerar países florestais que preservam suas
matas teve adesão de 53 países, ainda que um número muito pequeno tenha se
comprometido com recursos. A Noruega, como sempre, fez o maior aporte, quase
US$ 3 bilhões, mas impôs condicionantes. A liberação será gradual e limitada a
20% do total contribuído pelos outros países. O fundo tem uma engenharia
financeira inovadora, mas diferente do pensado inicialmente, em que receberia
recursos de uma espécie de imposto sobre a produção de petróleo.
O TFFF vai se capitalizar inicialmente com
doações de países, depois lançará títulos que vão engordá-lo, mas que
precisarão dar rendimentos. Pagarão juros baixos, porque é uma aplicação triplo
A, de baixo risco. Com isso, o mecanismo gerido pelo Banco Mundial vai
emprestar a juros maiores. A diferença da rentabilidade que pagará aos seus
financiadores e os juros que vai cobrar dos seus devedores (o spread) será
usado para transferir recursos para os países que mantiverem a floresta em pé e
também para as comunidades locais fundamentais para essa missão. Os defensores
dizem que com mecanismos de mercado, a iniciativa será mais eficiente,
duradoura e sustentável do que se fosse apenas formado por doações. Sem dúvida,
será fundamental para estimular a preservação das florestas tropicais.
Lula terá que decidir, em plena COP, se veta
a prorrogação do subsídio ao carvão. O Brasil não se escandalizou, mas deveria,
pelo que aconteceu na MP que modifica as normas para o setor de energia. O
projeto, aprovado pelo Congresso, inclui a prorrogação até 2040 do subsídio às
usinas de carvão e obriga o governo a comprar energia dessa fonte.
Os consumidores pagarão, em todo o período de
vigência do incentivo, à mais suja das fontes de energia, uma conta que pode
chegar a R$ 107 bilhões, segundo cálculos do Instituto Arayara para o blog. O
planejamento energético brasileiro era para que as usinas de carvão saíssem da
matriz em 2027. Em 2022, o governo Bolsonaro prorrogou a contratação de
térmicas a carvão de Santa Catarina até 2040. Agora, o Congresso expandiu a
regra às demais usinas pelo mesmo período. Esse caso é exemplar porque usinas
que seriam fechadas viraram grande negócio para quem as comprou. O grupo
J&F, por exemplo, comprou a usina de Candiota por preço baixo. É
inaceitável por todos os motivos, pelo custo para os consumidores, por ser estímulo
à pior das fontes e por ser em benefício de interesses privados. Mas assim foi
feito. Cabe a Lula dizer não.
Se o mundo aumentar muito as energias
renováveis, mas não usá-las para substituir o petróleo e o carvão, não se
enfrentará a principal causa do aquecimento global. Por isso, o
secretário-geral da ONU,
António Guterres, foi tão eloquente ao falar na abertura da cúpula sobre esse
terrível futuro se o mundo continuar prisioneiro do lobby fóssil.
Mudança climática é tema mais amplo do que se
considerava fora do grupo dos cientistas, ambientalistas e negociadores do
clima. Hoje é entendido como questão econômica, social e humana. Combater o
aquecimento global é forma de reduzir riscos econômicos e aumentar o nível de
atividade. É uma das maneiras de combater as desigualdades porque os mais
pobres são exatamente os mais expostos aos perigos dos eventos extremos. As
guerras são uma fonte de emissão, portanto a busca pela paz é importante também
por isso.
Quem não vê a emergência climática como
central neste momento, quem acha que se pode perder tempo com negacionismos a
esta altura, ou tem má-fé ou está muito desinformado. O que se discute em Belém
não é o futuro do planeta. Ele permanecerá aqui, belo como sempre. O que se
decide em Belém é o futuro da humanidade na Terra.

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