domingo, 9 de novembro de 2025

Belém e o futuro da humanidade, por Míriam Leitão

O Globo

Se o mundo ampliar as renováveis sem substituir petróleo e carvão, não enfrentará a causa central do aquecimento global

O presidente Lula falou de um mapa do caminho para o abandono dos combustíveis fósseis, o que foi comemorado pela ala ambiental do governo. O mesmo presidente que celebrou a licença para o início da exploração de petróleo na Margem Equatorial, estava em Belém, na quinta-feira, discursando sobre honrar o legado das últimas duas COPs. Um dos marcos da COP de Dubai foi incluir no comunicado a necessidade de eliminação dos combustíveis fósseis. Os defensores do petróleo afirmam que o combustível vai financiar a transição. O que significaria que mais produção levaria à sua eliminação. Não faz sentido. O melhor resultado a esperar é que saia do Pará um mandato para construir o caminho para o fim gradual da principal causa de tudo o que temos vivido.

O Brasil teve uma vitória pontual na Cúpula dos Líderes, já que o fundo para remunerar países florestais que preservam suas matas teve adesão de 53 países, ainda que um número muito pequeno tenha se comprometido com recursos. A Noruega, como sempre, fez o maior aporte, quase US$ 3 bilhões, mas impôs condicionantes. A liberação será gradual e limitada a 20% do total contribuído pelos outros países. O fundo tem uma engenharia financeira inovadora, mas diferente do pensado inicialmente, em que receberia recursos de uma espécie de imposto sobre a produção de petróleo.

O TFFF vai se capitalizar inicialmente com doações de países, depois lançará títulos que vão engordá-lo, mas que precisarão dar rendimentos. Pagarão juros baixos, porque é uma aplicação triplo A, de baixo risco. Com isso, o mecanismo gerido pelo Banco Mundial vai emprestar a juros maiores. A diferença da rentabilidade que pagará aos seus financiadores e os juros que vai cobrar dos seus devedores (o spread) será usado para transferir recursos para os países que mantiverem a floresta em pé e também para as comunidades locais fundamentais para essa missão. Os defensores dizem que com mecanismos de mercado, a iniciativa será mais eficiente, duradoura e sustentável do que se fosse apenas formado por doações. Sem dúvida, será fundamental para estimular a preservação das florestas tropicais.

Lula terá que decidir, em plena COP, se veta a prorrogação do subsídio ao carvão. O Brasil não se escandalizou, mas deveria, pelo que aconteceu na MP que modifica as normas para o setor de energia. O projeto, aprovado pelo Congresso, inclui a prorrogação até 2040 do subsídio às usinas de carvão e obriga o governo a comprar energia dessa fonte.

Os consumidores pagarão, em todo o período de vigência do incentivo, à mais suja das fontes de energia, uma conta que pode chegar a R$ 107 bilhões, segundo cálculos do Instituto Arayara para o blog. O planejamento energético brasileiro era para que as usinas de carvão saíssem da matriz em 2027. Em 2022, o governo Bolsonaro prorrogou a contratação de térmicas a carvão de Santa Catarina até 2040. Agora, o Congresso expandiu a regra às demais usinas pelo mesmo período. Esse caso é exemplar porque usinas que seriam fechadas viraram grande negócio para quem as comprou. O grupo J&F, por exemplo, comprou a usina de Candiota por preço baixo. É inaceitável por todos os motivos, pelo custo para os consumidores, por ser estímulo à pior das fontes e por ser em benefício de interesses privados. Mas assim foi feito. Cabe a Lula dizer não.

Se o mundo aumentar muito as energias renováveis, mas não usá-las para substituir o petróleo e o carvão, não se enfrentará a principal causa do aquecimento global. Por isso, o secretário-geral da ONU, António Guterres, foi tão eloquente ao falar na abertura da cúpula sobre esse terrível futuro se o mundo continuar prisioneiro do lobby fóssil.

Mudança climática é tema mais amplo do que se considerava fora do grupo dos cientistas, ambientalistas e negociadores do clima. Hoje é entendido como questão econômica, social e humana. Combater o aquecimento global é forma de reduzir riscos econômicos e aumentar o nível de atividade. É uma das maneiras de combater as desigualdades porque os mais pobres são exatamente os mais expostos aos perigos dos eventos extremos. As guerras são uma fonte de emissão, portanto a busca pela paz é importante também por isso.

Quem não vê a emergência climática como central neste momento, quem acha que se pode perder tempo com negacionismos a esta altura, ou tem má-fé ou está muito desinformado. O que se discute em Belém não é o futuro do planeta. Ele permanecerá aqui, belo como sempre. O que se decide em Belém é o futuro da humanidade na Terra.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.