Correio Braziliense
A execução das penas
ultrapassa o alcance jurídico das sentenças: é um antídoto contra a cultura de
golpismo e impunidade que marcou a história republicana
A execução das penas impostas pelo Supremo
Tribunal Federal ao ex-presidente Jair Bolsonaro, a três generais de Exército,
a um almirante de esquadra, a um delegado da Polícia Federal e a um deputado
federal foragido representa um momento de ruptura na história política
brasileira. Pela primeira vez, a democracia impõe consequências reais a altas
autoridades civis e militares poderosas que tentaram subverter a ordem
constitucional.
Ao decretar o trânsito em julgado dos acusados de tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 e iniciar imediatamente o cumprimento das penas, o ministro Alexandre de Moraes, rompe o padrão de leniência com o golpismo de nossa história republicana. Consolida-se o entendimento de que Estado brasileiro não tolera aventuras golpistas como parte do jogo político. A prisão de generais de quatro estrelas e de um ex-presidente, algo antes inimaginável, estabelece precedente que protege o futuro democrático do país.
Bolsonaro continuará preso na Polícia Federal
(PF); os generais Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira ficarão no Comando
Militar do Planalto, em Brasília. O general Braga Netto, preso desde dezembro
de 2024, permanece no Comando da 1ª Divisão de Exército, no Rio de Janeiro. Já
Anderson Torres ficará preso no 19º Batalhão da Polícia Militar do Distrito
Federal, no Complexo Penitenciário da Papuda, conhecido como Papudinha.
A execução das penas ultrapassa o alcance
jurídico das sentenças: historicamente, é um antídoto contra a cultura de
golpismo e impunidade que marcou as transições políticas brasileiras desde
1930, passando por 1945, 1964, 1979 e 1985. O Supremo demonstra que o uso da
força e da manipulação institucional para anular eleições é intolerável.
Entretanto, a reação dos aliados do
ex-presidente Bolsonaro está sendo não reconhecer a derrota. Cresce no
Congresso a ofensiva por uma anistia ampla, que visa não à pacificação, mas à
reversão política das condenações. Governadores, deputados e lideranças da
extrema direita tentam reconstruir a narrativa de que não houve tentativa de
golpe, de que Bolsonaro seria perseguido e de que o STF age politicamente.
Essa proposta de anistia fere a democracia e
encoraja novas aventuras. O artigo 5º da Constituição de 1988 torna
imprescritíveis crimes contra o Estado Democrático de Direito. O precedente da
anulação do indulto de Daniel Silveira indica que o Supremo não acolheria o
perdão a quem ataca a própria Constituição.
Hierarquia e disciplina
Destaca-se, nesse aspecto, o comportamento
dos comandantes das Forças Armadas, que não interferiram no julgamento. O foco
da caserna se deslocou, porém, para o Superior Tribunal Militar (STM). A
Constituição determina que oficiais condenados a mais de dois anos de prisão podem
perder posto e patente após julgamento do STM, provocado pelo Ministério
Público Militar. O STF condena; o STM decide se o militar é digno de permanecer
no oficialato. Esse julgamento está previsto para o começo de 2026.
Nos bastidores do STM, a divisão entre
“legalistas” e “corporativistas” é profunda. Entre os quatro ministros civis,
três tendem a votar pela perda de patentes; o quarto deve acompanhar o bloco
corporativista. Entre os dez ministros militares, inicialmente apenas três ou
quatro votariam pela cassação. Com a aposentadoria dos generais Marco Antônio
de Farias e Odilson Sampaio Benzi, votos certos contra a perda de patente, e a
chegada de dois novos ministros, os generais Flavio Marcus Lancia Barbosa e
Anísio David de Oliveira Júnior, no início de 2026, o cenário se tornou
incerto.
Dependendo do perfil dos novos integrantes,
os votos legalistas podem chegar a cinco, sobretudo nos casos de Bolsonaro e
Braga Netto. Entretanto, a maioria dos ministros militares mantém a lógica de
que “um erro não apaga décadas de serviços prestados”. Para esse grupo, a
tentativa de golpe não configuraria traição institucional, mas desvio de
julgamento. Para eles, cassar patentes de generais de quatro estrelas abriria
precedente “desestabilizador”.
Os legalistas, por sua vez, sustentam que a
participação dos generais em um plano golpista que previa medidas de exceção e
violência rompeu a honra e a camaradagem no Alto Comando. Avaliam que o general
Braga Neto, que fomentou ataques aos antigos colegas de Alto Comando e seus
familiares, com a tentativa de golpe, cometeu transgressão absoluta da
hierarquia militar e, portanto, suficiente para declarar sua indignidade.
Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira podem ser poupados; Garnier divide a
Corte.
Um eventual placar de 7 a 7 não pode ser
descartado no julgamento. Em caso de empate, a presidente do STM, ministra
Maria Elizabeth Rocha, seria obrigada, pelo regimento interno, a proferir voto
de minerva a favor dos réus. Nos bastidores, o Alto Comando do Exército e do
Almirantado da Marinha podem influenciar o julgamento. Os novos ministros são
duas incógnitas.
O processo transcende o destino dos réus,
refletirá o posicionamento institucional das Forças Armadas. A execução das
penas pelo STF, a tentativa de anistia no Congresso e o futuro julgamento no
STM são a tríade que definirá o caminho do país. Se prevalecer a
responsabilização, o Brasil romperá com a quebra de hierarquia e disciplina nas
Forças Armadas que sempre alimentou novos ciclos golpistas. Se prosperar a
anistia ou o STM optar pelo corporativismo, a democracia será relevada por
conveniência eleitoral e “espírito de caserna”. O país vive um momento
histórico.

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