Correio Braziliense
Apesar de ser mais necessária do que nunca, a
esquerda está perdendo por ter se tornado obsoleta ao não apresentar propostas
para o futuro: em tempos digitais, manteve-se analógica
Nunca a política necessitou tanto de propostas progressistas para enfrentar os problemas de cada país e da humanidade inteira — limites ao crescimento, mudanças climáticas, desemprego estrutural, concentração de renda, manipulação de informações, poder transnacional das big techs, inteligência artificial, crime organizado, migração em massa. Apesar disso, as forças de esquerda, que deveriam ser portadoras de utopias para o futuro, estão sendo preteridas em eleições. A direita, que só chegava ao poder por meio de golpes militares, é eleita democraticamente. Apesar de necessária, a esquerda perde porque se esgotou ao não compreender o tamanho das crises e não oferecer soluções novas para os dilemas contemporâneos, em sintonia com a vontade dos eleitores.
Por décadas, as esquerdas se beneficiaram
eleitoralmente da Era da Abundância, criada pelo capitalismo graças ao avanço
técnico, à disponibilidade de recursos fiscais, ao crescimento econômico sem
limites e ao Estado capaz de definir soberanamente políticas econômicas
nacionais. Mas a esquerda não se adaptou à Era da Escassez provocada por razões
ecológicas, por desemprego estrutural, pela inversão da pirâmide etária, pelo
esgotamento das finanças públicas, pelo enfraquecimento das fronteiras
nacionais, pela facilidade técnica à migração, pela ineficiência e corrupção do
Estado, pela concentração de renda e pelo apartheid social.
Também não compreendeu a mudança da primazia
do capital industrial para o capital conhecimento, nem o divórcio entre o
humanismo planetário e a democracia nacional. Não se preparou para oferecer
utopias capazes de enfrentar os novos dilemas contando com apoio eleitoral:
como convencer o eleitor a reduzir o consumo imediato para salvar o equilíbrio
ecológico; como aceitar o aumento do preço da energia para evitar a elevação do
nível do mar; como ser receptivo ao imigrante que ameaça o bem-estar e a
cultura da população nacional; como lidar com trabalhadores assalariados que se
tornam desnecessários, fragilizados politicamente e movidos por interesses
individualistas sem consciência de classe; como enfrentar a violência e o crime
sem ferir direitos humanos; como passar dos direitos humanos individuais aos
direitos coletivos da humanidade; como olhar a educação pela ótica das crianças
e da formação do capital conhecimento, e não pelos interesses corporativos de
professores e de teóricos da pedagogia; como sacrificar privilégios para
ampliar direitos; como tratar a disputa política entre consumidores atuais e os
excluídos do consumo no presente ou no futuro, e não mais entre capitalistas e
trabalhadores em busca da propriedade; como ajustar as contas públicas aos
limites fiscais, abandonando a fantasia de que o Tesouro é ilimitado e todos os
benefícios sociais seriam viáveis; como admitir que "estatal" não é
sinônimo de "público" e, que muitas vezes, o Estado tem servido mais
para assegurar privilégios do que para promover direitos; como manter, para
jovens sem filhos, conquistas previdenciárias que foram viáveis para seus avós
com imensas proles; como retomar o vigor reformista em vez do comodismo
assistencialista; como defender valores morais modernos que se chocam com as
crenças tradicionais; como tomar decisões nacionais no tempo em que o país é um
pedaço do mundo; como abandonar a autossuficiência de certezas que já não
correspondem à realidade, reconhecendo erros, insuficiências e falta de
sintonia eleitoral; como sair do negacionismo que explica a realidade atual com
modelos de eras passadas.
Apesar de ser mais necessária do que nunca, a
esquerda está perdendo por ter se tornado obsoleta ao não apresentar propostas
para o futuro: em tempos digitais, manteve-se analógica. Esgotou-se por não se
renovar diante da realidade que exige ideias tão progressistas que redefinam o
próprio conceito de progresso e sejam capazes de atrair os eleitores para um
novo tipo de desenvolvimento — harmônico entre os seres humanos e destes com a
natureza. A direita tem mais votos porque é mais confiável no discurso anti-humanista
e conservador contra imigrantes, meio ambiente e direitos humanos.
A direita vence por estar sintonizada com o
passado; a esquerda perde por não estar sintonizada com o futuro. Não sabe como
ser humanista e democrática para convencer o eleitor a buscar bem-estar dentro
dos limites da Era da Escassez.

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