Folha de S. Paulo
Pena para líderes e militares do golpe é
novidade neste país de autoritários e golpistas
Democracia corre perigo ao menos de
degradação profunda, pois falta reforma renovadora
Um ex-presidente, Jair
Bolsonaro, foi devidamente processado e condenado
por tentativa de golpe; cumpre pena. Dois ex-comandantes de Força Armada,
um do Exército, outro da Marinha, também, entre outros militares. É inédito.
Seria um recomeço para a democracia? Ou é um novo fim de outra onda de ataque
reacionário, vitória provisória?
A condenação e a prisão de comandantes militares é novidade no sentido forte da palavra "histórica" neste país de golpes impunes (todos). É ainda atrasadíssimo acerto de contas institucional, ao menos na aparência. Isto é, pareceria agora estabelecido que militares são servidores do Estado sem prerrogativa política alguma.
Mas o afastamento das Forças Armadas da
política também parecia estabelecido, mal e mal, desde o governo de Fernando
Henrique Cardoso (1995-2002). Bastou aparecer um trem com destino à
autocracia, puxado pelo vagão Bolsonaro, e o partido militar pegou carona para
voltar ao poder, sob liderança dos ressentidos, dos filhotes e dos netos da
ditadura, que não estava morta, junto de grupos socioeconômicos que queriam enfim
mandar diretamente.
Um artigo da Constituição inspirava
golpistas. A educação e o regulamento dos militares não foram reformados.
Continuavam as comemorações anuais do golpe de 1964. Bolsonaro
fez agitação em quarteis. Mauro Cid, o delator, e colegas estudavam
como legitimar golpe militar na escola de pós-graduação do Exército.
Condenações e prisões vão mudar a instituição
militar, por si só? Talvez. Mas não há reforma à vista. O clima é de nova
acomodação, até porque parte relevante do Congresso e dos governadores, por
exemplo, é golpista, simpatizante, bolsonarista, de ultradireita ou de bancadas
da bala.
Tivemos vários fins sem recomeço desde 2013,
quando entrou em estado terminal o sistema político que se desenvolveu a partir
de 1988. Da Constituição a 2013, o país viveu o melhor da sua única democracia
que mereceu o nome, apesar de defeitos terríveis, arranjos elitistas e
opressões.
Em 2014 a oposição derrotada começou a fazer
propaganda contra a legitimidade das eleições. Uma conspiração
judicial-processual degradou a descoberta de imensa corrupção em um projeto
político, a
Lava Jato. A reação à Lava Jato resultou em impeachment oportunista, de
parte de bandidos e derrotados na política democrática, quase todos os mesmos
que se juntaram a Bolsonaro a partir de 2017, dispostos a qualquer artimanha
para derrotar qualquer esquerda.
Houve degradação institucional do Supremo,
cada vez mais político politiqueiro e, muito pior, do Congresso, que
depreda o Orçamento com usurpação parcial de poderes, pois sem
responsabilidade pela destinação (ou desvio) de dinheiro público. Parte grande
do Parlamento se tornou corporação de defesa de dinheiros e feudos eleitorais
e, em parte, coadjuvante de golpismo e da proteção da criminalidade política.
Há grande desconfiança popular na democracia. A militância
ultradireitista pelas redes é adepta da autocracia, contra certos
direitos civis, no mínimo, e inimiga do Estado laico.
O otimista dirá que começa o refluxo de todos
esses ataques à ideia de República democrática. Talvez ao menos murche o desejo
de golpe. Dadas as linhas de força da economia e da política mundiais e a
política dominante no país, não parece haver reforma maior no horizonte, a não
ser que se invente ou brote nova onda popular de revolta, agora pela
democracia.
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