quarta-feira, 26 de novembro de 2025

Bolsonaro preso. Novo fim ou recomeço? Por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Pena para líderes e militares do golpe é novidade neste país de autoritários e golpistas

Democracia corre perigo ao menos de degradação profunda, pois falta reforma renovadora

Um ex-presidente, Jair Bolsonaro, foi devidamente processado e condenado por tentativa de golpe; cumpre pena. Dois ex-comandantes de Força Armada, um do Exército, outro da Marinha, também, entre outros militares. É inédito. Seria um recomeço para a democracia? Ou é um novo fim de outra onda de ataque reacionário, vitória provisória?

A condenação e a prisão de comandantes militares é novidade no sentido forte da palavra "histórica" neste país de golpes impunes (todos). É ainda atrasadíssimo acerto de contas institucional, ao menos na aparência. Isto é, pareceria agora estabelecido que militares são servidores do Estado sem prerrogativa política alguma.

Mas o afastamento das Forças Armadas da política também parecia estabelecido, mal e mal, desde o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Bastou aparecer um trem com destino à autocracia, puxado pelo vagão Bolsonaro, e o partido militar pegou carona para voltar ao poder, sob liderança dos ressentidos, dos filhotes e dos netos da ditadura, que não estava morta, junto de grupos socioeconômicos que queriam enfim mandar diretamente.

Um artigo da Constituição inspirava golpistas. A educação e o regulamento dos militares não foram reformados. Continuavam as comemorações anuais do golpe de 1964. Bolsonaro fez agitação em quarteis. Mauro Cid, o delator, e colegas estudavam como legitimar golpe militar na escola de pós-graduação do Exército.

Condenações e prisões vão mudar a instituição militar, por si só? Talvez. Mas não há reforma à vista. O clima é de nova acomodação, até porque parte relevante do Congresso e dos governadores, por exemplo, é golpista, simpatizante, bolsonarista, de ultradireita ou de bancadas da bala.

Tivemos vários fins sem recomeço desde 2013, quando entrou em estado terminal o sistema político que se desenvolveu a partir de 1988. Da Constituição a 2013, o país viveu o melhor da sua única democracia que mereceu o nome, apesar de defeitos terríveis, arranjos elitistas e opressões.

Em 2014 a oposição derrotada começou a fazer propaganda contra a legitimidade das eleições. Uma conspiração judicial-processual degradou a descoberta de imensa corrupção em um projeto político, a Lava Jato. A reação à Lava Jato resultou em impeachment oportunista, de parte de bandidos e derrotados na política democrática, quase todos os mesmos que se juntaram a Bolsonaro a partir de 2017, dispostos a qualquer artimanha para derrotar qualquer esquerda.

Houve degradação institucional do Supremo, cada vez mais político politiqueiro e, muito pior, do Congresso, que depreda o Orçamento com usurpação parcial de poderes, pois sem responsabilidade pela destinação (ou desvio) de dinheiro público. Parte grande do Parlamento se tornou corporação de defesa de dinheiros e feudos eleitorais e, em parte, coadjuvante de golpismo e da proteção da criminalidade política. Há grande desconfiança popular na democracia. A militância ultradireitista pelas redes é adepta da autocracia, contra certos direitos civis, no mínimo, e inimiga do Estado laico.

O otimista dirá que começa o refluxo de todos esses ataques à ideia de República democrática. Talvez ao menos murche o desejo de golpe. Dadas as linhas de força da economia e da política mundiais e a política dominante no país, não parece haver reforma maior no horizonte, a não ser que se invente ou brote nova onda popular de revolta, agora pela democracia.

 

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