quarta-feira, 26 de novembro de 2025

Pastores ainda vestem a camisa bolsonarista, mas ela agora está desbotada, por Anna Virginia Balloussier

Folha de S. Paulo

Prisão reforçou certo desânimo de liderança evangélica com ex-presidente

Com lábia de pastor, Tarcísio empolga religiosos que um dia reverenciaram Bolsonaro

A cúpula evangélica do país continua a vestir a camisa bolsonarista, mas já admite que esse tecido esgarçou. O sentimento foi reforçado pela prisão de Jair Bolsonaro (PL), sucedida por momentos descritos como constrangedores por pastores, como o vídeo em que ele fala da tentativa de abrir uma tornozeleira com ferro de solda.

Os reveses judiciais, somados à sua derrota em 2022 para Lula (PT), após uma campanha com alta voltagem messiânica, têm desanimado boa parte dos líderes que lhe fizeram juras de amor no passado.

Aquele coro barulhento de púlpitos e lives hoje soa mais tímido, até omisso. A maioria dos pastores que faziam fila para ungir Bolsonaro já prefere o silêncio calculado.

Demonstrações públicas de afeto costumam vir de políticos evangélicos, como a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), que clamou pela "voz de um Brasil que ainda tem coragem".

Ou o deputado Marco Feliciano (PL-SP). Ele diz que evangélicos nunca abandonarão seu capitão. "Não bastasse a injusta prisão, para justificá-la, culparam a vigília de oração convocada por Flávio Bolsonaro. Isso, para nós, é inadmissível."

A bancada evangélica divulgou nota que é quase um exercício de caligrafia institucional: repete o mantra do "devido processo legal", manifesta solidariedade à família, fala em "elevada tensão" no Brasil —e para por aí. Não há qualquer tentativa de transformar Bolsonaro em mártir espiritual, como já se viu em outros tempos.

O texto parece escrito com luvas: evita adjetivos inflamados, não cita valores cristãos e se escora em termos jurídicos. A impressão é de que o bloco precisava se pronunciar, mas escolheu a zona neutra, quase no limite do protocolar. O grupo é liderado por um bolsonarista tido por pares como não radicalizado, Gilberto Nascimento (PSD-SP) —que tem, por sinal, Silas Malafaia como cabo eleitoral.

Há, claro, Malafaia, firme e forte como porta-voz do bolsonarismo nas igrejas, quase como quem prega no deserto. Seus vídeos inflamados contra o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, antes capazes de incendiar a opinião pública evangélica, agora têm efeito reduzido.

Nenhum outro líder de envergadura nacional, passadas mais de 72 horas após Moraes decretar a prisão preventiva de Bolsonaro, fez uma defesa apaixonada do ex-presidente. A Folha conversou com três deles, que subiam em palanques e púlpitos com Bolsonaro durante o último ciclo eleitoral.

Eles falam em "consternação" pela prisão daquele que tinham como presidente que mais se alinhou a seus valores. Mas já deu. "Ele deixou de ser unanimidade", diz um desses pastores, que prefere falar em anonimato. Menciona o "fator Malafaia", que inibiria muitos líderes de expor mais abertamente certa prostração com o bolsonarismo, com medo de serem atacados pelo pastor carioca.

O pastor, por sua vez, diz lamentar que a maioria dos líderes não tenha "muita coragem, muita convicção e muito argumento" para peitar Moraes. "Não é só pastor, não, minha filha. É a sociedade inteira. Nunca tivemos um povo com medo de postar coisas nas redes sociais como agora." A retração, segundo ele, é culpa de Moraes, a quem acusa de perseguir quem tem opiniões que o desagradem.

Fato é que, fora Malafaia, não há posicionamento mais combativo contra o destino judicial de Bolsonaro. De Estevam Hernandes (da Marcha para Jesus) a Renê Terra Nova (influente no Norte brasileiro), nem um pio.

Falas como a de César Augusto, à frente da igreja Fonte da Vida, sintetizam a disposição de defender o ex-presidente a esta altura do campeonato.

À Folha ele pede tratamento "humanitário" com "um senhor de 70 anos" de saúde fragilizada pelo atentado sofrido em 2018, diz. "Eu, como sacerdote, continuo em oração. Peço que Deus intervenha trazendo justiça e paz a nossa nação."

O tom se avizinha ao da nota emitida pela Frente Parlamentar Evangélica. Algo, inclusive, que "destoa da forma como Bolsonaro se apresenta", repara o cientista político Vinicius do Valle. "Ele tinha isso de ser uma pessoa comum e ao mesmo tempo mostrar força: ‘Sou imbrochável, incomível, imorrível'."

A imagem do governante que emula tanto um homem do povo, gente como a gente, quanto um super-homem aparece agora comprometida. Parte do apelo de Bolsonaro com a base evangélica residia justamente aí.

Ele tentou vestir a fantasia do líder viril típico de certas leituras bíblicas —o guerreiro destemido, à imagem de um Davi que enfrenta gigantes ou de um Josué que conquista territórios com respaldo divino. Esse imaginário masculino foi mobilizado para vender a ideia de um comandante ungido.

Sem perspectiva de retorno imediato ao jogo institucional e com processos se acumulando, Bolsonaro deixa de ser ativo eleitoral para virar risco reputacional.

A prisão não enterra o bolsonarismo entre evangélicos, mas a "solução Tarcísio de Freitas", uma chapa presidencial encabeçada pelo governador de São Paulo, encorpa a cada dia que passa. Com lábia de pastor, o católico filho de missionária evangélica empolga muitos desses pastores que um dia reverenciaram Bolsonaro como resposta dos céus para o Palácio do Planalto.

 

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