Valor Econômico
O momento é mesmo de incertezas
O início da execução da sentença de 27 anos e
3 meses de prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro, em uma cela da Polícia
Federal (PF), deu uma chacoalhada na oposição, que reagiu.
Na mesma data escolhida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para rufar os tambores com a isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil mensais, a direita providenciou um palco para o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), mandar recados.
Compartilhando os holofotes de quarta-feira (26) com Lula, que comemorou o trunfo eleitoral para 2026, Tarcísio tentou acalmar apoiadores, atordoados com a notícia da prisão e o futuro incerto, diante de uma direita acéfala e fragmentada. “Não tenham ansiedade”, recomendou, durante o fórum UBS WM Latin America Summit, observando que a candidatura da direita poderá ser anunciada até março.
A novidade é que Tarcísio foi transparente
como nunca a respeito de sua possível candidatura à Presidência da República,
ao sugerir que poderá atuar na sucessão como cabo eleitoral. “Quero cumprir bem
a missão, não importa em que papel”, declarou. “Não preciso ser protagonista”,
ressaltou.
Aliados que orbitam o entorno mais próximo do
governador insistem que ele continua empenhado na reeleição para o Palácio dos
Bandeirantes, embora sinta-se confortável no papel de candidato favorito da
direita.
“Tarcísio é cartesiano”, diz um político
experiente, que conhece o governador de longa data. A percepção desta fonte é
de que o mandatário paulista é racional demais para trocar o certo pelo
duvidoso. Contudo, se Lula perder fôlego nas pesquisas e o cavalo arriado
passar na frente, ele não hesitará em saltar à sela, ajustar a embocadura e
redirecionar as rédeas rumo ao Palácio do Planalto.
Tarcísio ainda alertou, no mesmo evento, que
a unidade da direita implica o respeito à liderança de Bolsonaro, que ainda
concentra o capital político da oposição. “Essa liderança será importante para
pacificar algumas arestas, e não tenho dúvida de que ele vai ter um papel
importante”.
Em resumo, Tarcísio deu as coordenadas da
direita a partir da reclusão de Bolsonaro na Polícia Federal, onde o acesso ao
ex-presidente não será interditado, mas, ficará mais difícil. Em primeiro
lugar, o governador destacou que março não será tarde demais para anunciar o
adversário do PT, se possível, unificando o campo da direita. Esse “deadline”
coincide com o prazo de desincompatibilização, se o titular vai concorrer a um
cargo diferente do atual.
Em segundo, confirmou que terá um papel na
sucessão presidencial, que poderá não ser o de candidato a presidente. E
reafirmou que a escolha do candidato dependerá, sim, da concordância de
Bolsonaro.
Um político do núcleo próximo de Tarcísio
ponderou à coluna que enxerga a liderança de Bolsonaro fragilizada, após a
tentativa de fuga e o constrangedor episódio da tornozeleira. Essa avaliação é
contestada por outros quadros da direita. Mas na conjuntura atual, esta fonte
acredita que ficou para trás o audaz fundador do bolsonarismo, e que em tal
circunstância, o caminho prudente para Tarcísio seria disputar a reeleição, a
fim de consolidar uma liderança nacional, com autonomia em relação ao clã
Bolsonaro.
Em outra frente, lideranças do PT não temem
eventual candidatura de Tarcísio à Presidência, mesmo ante o imponderável, ou
seja, o impacto ainda nebuloso de se ter uma novidade como antagonista de Lula.
A coluna já ouviu de um petista influente que
o “melhor adversário” para Lula seria Tarcísio porque “ele erra demais”. Para
embasar a provocação, citou dois episódios em que o mandatário teve de fazer
ajustes de rumo.
Em julho, quando o presidente Donald Trump
anunciou a tarifa de 50% sobre as exportações brasileiras aos Estados Unidos, a
primeira reação de Tarcísio foi alinhada com o bolsonarismo. Escreveu nas redes
sociais que a responsabilidade pelo tarifaço era “de quem governa” e que “Lula
colocou sua ideologia acima da economia, e esse é o resultado”. Dois dias
depois, após um bombardeio de críticas, mudou o tom. Afirmou que o tarifaço era
“complicado” para o Brasil, para a indústria e para o agronegócio, e fez um
apelo à “união de esforços”. “A gente precisa estar de mãos dadas agora, deixar
a questão política de lado”, exortou.
Em um segundo episódio, em outubro, o
governador deu uma declaração infeliz sobre os casos de intoxicação da
população por bebidas adulteradas com metanol, principalmente, destilados. “No
dia que começarem a falsificar Coca-Cola, eu vou me preocupar”, afirmou. Horas
depois, foi a público se desculpar. Em vídeo, admitiu que a piada era
inapropriada. “Peço perdão às famílias que sofrem por terem perdido entes queridos,
aos comerciantes que estão vendo seus negócios sofrerem e ao público que quer
uma ação firme do Estado”, justificou-se.
A se confirmar a avaliação deste aliado de
Tarcísio, para quem o capital político de Bolsonaro esvaziou-se, uma liderança
de centro diz que o capital de Lula também já não seria o mesmo. Cita pesquisa
Quaest de 13 de novembro, segundo a qual 59% da população acredita que o
petista não deveria tentar a reeleição. Esse percentual chegou a 66% em maio,
caiu para 56% em outubro, e voltou a subir neste mês. O momento é mesmo de
incertezas.

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