sexta-feira, 28 de novembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Operação contra Refit revela que unir esforços é essencial

Por O Globo

Ação contra criminosos envolveu Receita, Procuradoria da Fazenda, MPs, polícias e secretarias estaduais

Foi oportuna a megaoperação deflagrada nesta quinta-feira para desarticular um esquema de sonegação fiscal em cinco estados e no Distrito Federal. A operação cumpriu mandados de busca e apreensão contra 190 alvos ligados a empresas de combustíveis e ao grupo Refit, dono da antiga Refinaria de Manguinhos. Batizada Poço de Lobato, a ação reuniu mais de 600 agentes e envolveu Receita Federal, Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, polícias, Ministérios Públicos e secretarias de São Paulo e outros estados — mostra de que a cooperação entre diferentes instituições é fundamental para combater atividades criminosas.

Comandado pelo empresário Ricardo Magro, que mora em Miami, o Refit é acusado de ser o maior devedor de ICMS no estado de São Paulo e um dos maiores devedores da União. Segundo o MP paulista, o esquema de fraude fiscal causou prejuízos a estados e ao governo federal estimados em mais de R$ 26 bilhões. Autoridades informaram ter bloqueado R$ 10,2 bilhões em bens dos acusados.

As apurações mostraram que as empresas investigadas ignoravam obrigações fiscais de forma reincidente, criando novas estratégias de fraude para não recolher tributos. O grupo usava uma rede de colaboradores para blindar os reais beneficiários. Para isso, recorriam a fundos de investimento, empresas de fachada e offshores. Além de dificultar o rastreamento, garantiam a continuidade das atividades ilegais e se expandiam pela cadeia de produção e distribuição de combustíveis. Os recursos obtidos eram lavados por meio de investimentos noutros negócios, como compra de propriedades.

A Receita descobriu que uma grande operadora financeira atuava como sócia de instituições que prestavam serviços ao Refit, com movimentação de R$ 72 bilhões em apenas um ano. Foram detectados também 50 fundos vinculados ao Refit. Apenas 17 somam R$ 8 bilhões.

Em agosto, a megaoperação Carbono Oculto, deflagrada por autoridades federais e paulistas contra o Primeiro Comando da Capital (PCC), revelou a infiltração preocupante do crime organizado no mercado formal de combustíveis. As investigações evidenciaram que o PCC controlava das usinas às bombas. Os criminosos lançavam mão de empresas e instituições financeiras aparentemente insuspeitas para lavar o dinheiro do crime.

É estarrecedora a sofisticação do crime, aproveitando brechas da lei, a leniência regulatória e falhas na fiscalização para praticar atividades ilegais. O setor de combustíveis tornou-se um dos focos prediletos das quadrilhas. Segundo levantamento do Instituto Combustível Legal (ICL) em parceria com a Fundação Getulio Vargas, as atividades ilegais no setor causam prejuízo de R$ 30 bilhões por ano à economia (R$ 14 bilhões só em sonegação).

Operações como a Carbono Oculto e a Poço de Lobato apontam um caminho promissor num momento de crise na segurança pública. Investigações consistentes e sistemáticas, mirando o flanco financeiro das quadrilhas, com base em inteligência, são capazes de deter — ou ao menos de enfraquecer — os grupos criminosos. Para obter bons resultados, é preciso reunir as habilidades de diferentes instituições nos três níveis de governo. Criminosos sempre criam estratégias engenhosas para dificultar o trabalho das autoridades. Somente com união de esforços é possível pegá-los.

Aprovação da vacina do Butantan traz boa perspectiva contra dengue

Por O Globo 

Impacto não será imediato, mas é auspicioso dispor de meio eficaz de controlar doença que ameaça o país

É auspicioso que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tenha aprovado a vacina do Instituto Butantan contra a dengue, a Butantan-DV, primeira do mundo em dose única. Na quarta-feira, Anvisa e Butantan assinaram um Termo de Compromisso para estudá-la e monitorá-la. A expectativa é que o registro definitivo seja concedido em breve. Desenvolvida a partir de uma parceria com os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos, a vacina cumpriu todos os critérios de segurança, eficácia e qualidade. Embora ela não represente solução imediata, uma vez que dependerá de produção em larga escala, não há dúvida de que a decisão abre boas perspectivas de controlar uma doença que há décadas desafia o Brasil.

O Butantan afirma ter 1 milhão de doses já prontas, mas elas só poderão ser usadas depois da assinatura de contrato com o Ministério da Saúde. O governo estima que as primeiras já poderão ser aplicadas em dezembro. A vacina protege contra os quatro tipos de dengue e, por ser em dose única, facilita a adesão e a logística. Segundo os desenvolvedores, ela apresenta eficácia geral de 79,6%. Contra a dengue grave e com sinais de alarme, chega a 91,6%.

A dengue ainda assusta. Em 2024, a doença bateu todos os recordes, com 6,6 milhões de casos e 6,3 mil mortes. Foi o quinto ano consecutivo com mais de 1 milhão de notificações. Embora neste ano a situação tenha melhorado, o país já registrou 1,63 milhão de casos e 1.730 mortes. A expectativa para a próxima temporada, que começa no fim do ano e vai até outubro de 2026, não é boa, com previsão de 1,8 milhão de casos, de acordo com projeção de um consórcio de cientistas.

Desde o início de 2024, o Brasil usa a vacina Qdenga, da farmacêutica japonesa Takeda. Ela oferece proteção contra os quatro tipos da doença e é aplicada em duas doses. Mas a capacidade de produção é limitada. Por isso o Ministério da Saúde restringiu a aplicação ao público de 10 a 14 anos — que apresenta maior vulnerabilidade ao vírus — nos municípios onde há maior incidência da doença. Na prática, a iniciativa não altera o cenário epidemiológico.

A dengue poderia ser evitada se as autoridades e a população combatessem de forma consistente os focos do mosquito Aedes aegypti, transmissor da doença. Não chega a ser tarefa complexa eliminar a água acumulada em vasilhames, pneus ou vasos de planta. Mas o país tem falhado sistematicamente nas ações de prevenção. Os governos deveriam adotar mecanismos eficazes para conscientizar os cidadãos.

A vacina do Butantan pode representar uma virada no histórico de derrotas para o Aedes aegypti. Ainda levará tempo até que possa ser usada em larga escala — o Brasil precisaria de 140 milhões de doses para vacinar a população-alvo. O Butantan fechou parceria com uma empresa chinesa para acelerar a produção, mas avalia que só no segundo semestre de 2026 deverá ampliar os estoques. A previsão é que apenas em 2027 a vacina tenha impacto significativo. De todo modo, saber que o país poderá produzir uma vacina de dose única contra a dengue é ótima notícia.

Governo Lula vive em negacionismo fiscal

Por Folha de S. Paulo

Até segundo escalão da gestão petista age como se não houvesse déficit orçamentário e escalada da dívida

Número 2 da Fazenda diz que haverá superávit primário em 2026, resultado do maior ajuste em três décadas. Seria ótimo se fosse verdade

Na segunda-feira (24), durante encontro promovido pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, discursou sobre supostas conquistas da administração petista no campo orçamentário.

Disse que neste ano o governo atingiu os melhores resultados das contas públicas em uma década e projetou para 2026 o primeiro superávit primário (sem contar gastos com juros) em vários anos, resultado de um rigoroso ajuste fiscal em curso —o maior das últimas três décadas, com aumento de receitas tributárias e contenção das despesas.

Seria ótimo —se fosse verdade.

Se observada a série histórica de estatísticas do Tesouro Nacional, constata-se que a maior recuperação do período recente se deu no período de vigência do teto de gastos inscrito na Constituição a partir de 2016.

Houve melhora de mais de R$ 400 bilhões em valores anualizados e corrigidos pela inflação, com pico de superávit primário de R$ 130 bilhões verificado em julho de 2022.

De lá para cá, mediu-se piora de mais de R$ 160 bilhões nos resultados anuais, começando pela ofensiva de Jair Bolsonaro (PL) pela reeleição e culminando na gastança gestada por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) desde antes do início de seu terceiro mandato.

Se considerado o resultado nominal, ou seja, incluindo os encargos da dívida pública, a derrocada é ainda mais aguda. Saímos de um déficit equivalente a 4,4% do Produto Interno Bruto (PIB) para um de 7,7%, o que significa uma conta adicional de aproximadamente R$ 400 bilhões anuais.

É preciso haver clareza quanto a esses problemas gravíssimos, pois para resolve-los a primeira coisa a ser feita é aceitá-los.

O governo Lula prefere o negacionismo, sustentado por regras casuísticas que abrem exceções em série nas despesas contabilizadas para o cumprimento das metas oficiais. São elas que embasam o autoengano exposto pelo secretário-executivo da Fazenda.

Olhando para frente, o cenário não é nada animador, principalmente com a proximidade do período eleitoral. Dentre as medidas já contratadas, há grande potencial de aumento de dispêndio.

Nesse rol estão isenções e descontos no Imposto de Renda das pessoas físicas, que somam cerca de R$ 30 bilhões em 2026. Mesmo que o montante seja compensado com a tributação dos mais ricos, há impacto na atividade que dificulta a queda dos juros.

Somam-se a isso novas regras para precatórios (R$ 13 bilhões), Pé-de-Meia (R$ 12 bilhões) e Gás do Povo (R$ 5 bilhões), além de crédito para a reforma de casas populares (R$ 40 bilhões) e investimentos das Forças Armadas fora do limite fiscal (R$ 5 bilhões).

Em vez de estar pensando em como conter a disparada da dívida pública, Lula e sua equipe estudam novas benesses, como a gratuidade do transporte coletivo. Por aí se vê o grau de distanciamento da realidade dessa gestão.

Teatro Baccarelli transforma periferia em centro

Por Folha de S. Paulo

Inauguração de sala de espetáculos na segunda favela mais populosa de São Paulo constitui marco para a cidade

Rompe-se com um traço da desigualdade brasileira que toma centro como sinônimo de avanço, e periferia, de atraso

Fazia um tempo que os jovens da Orquestra Sinfônica Heliópolis experimentavam um paradoxo: embora estudassem música na comunidade onde viviam, precisavam sair dali sempre que pretendiam se apresentar em um palco à altura de seus talentos artísticos.

A favela de Heliópolis, a segunda mais populosa de São Paulo, não dispunha de um único equipamento cultural capaz de receber concertos de música clássica. E nisso não estava sozinha, pois nenhuma favela do Brasil abrigava esse tipo de instalação —que, por sua natureza, costuma ser associado ao território das elites.

Mas isso mudou na última terça-feira (25), quando o Teatro Baccarelli, com 533 lugares disponíveis, abriu as portas pela primeira vez. Situado em Heliópolis, o local é a nova casa dos jovens músicos, que finalmente poderão se apresentar perto dos 55 mil moradores da comunidade.

Não faltou esmero à iniciativa histórica. Aos custo de R$ 48 milhões, dos quais R$ 32 milhões captados via bom exemplo de uso da Lei Rouanet, o teatro conta com instalações de primeira qualidade. Basta dizer que um dos arquitetos envolvidos desenvolveu a acústica da Sala São Paulo, uma das melhores do mundo.

À diferença das casas de espetáculos mais conhecidas, a plateia em Heliópolis é formada por poltronas coloridas, num toque inspirado nas ruas pintadas da favela. Perde-se em sobriedade, sem dúvida, mas pouco importa: ganha-se em alegria e jovialidade.

Características como essa são preciosas para um equipamento que não pretende se restringir ao erudito. Espera-se que o palco, com capacidade para até cem artistas, comporte tanto a música clássica quanto outros gêneros, como óperas, balés, funk, rap, peças e exibições de filmes.

Completa-se, de certa forma, o ciclo que o maestro Silvio Baccarelli (1931-2019) iniciou em 1996. Ao fundar o instituto que leva seu nome, ele criou uma organização que, hoje, ensina balé e música para 1.600 jovens de Heliópolis.

A orquestra sinfônica constituiu-se como um braço de excelência da iniciativa. Sob a batuta de Isaac Karabtchevsky, um dos mais importantes regentes da história do Brasil, seus músicos atingiram níveis que só podem ser definidos como de elite.

Assim, rompe-se com a noção que toma centro e periferias como oposições conceituais, mais que geográficas: o primeiro seria sinônimo de avanço, e as segundas, de atraso. O teatro gerido pelo Instituto Baccarelli e a Orquestra Sinfônica Heliópolis estão aí para desafiar esse traço da desigualdade brasileira.

Festival de mediocridades

Por O Estado de S. Paulo

Às vésperas do novo ciclo eleitoral, Brasília encena uma rinha institucional entre Legislativo e Executivo que nada tem a ver com o interesse público, e sim com a satisfação de ambições pessoais

A cerca de um ano das eleições gerais, Brasília encena uma deprimente rinha institucional. Enquanto o País enfrenta problemas reais que exigem cooperação total entre os Poderes, Congresso e Palácio do Planalto decidiram fazer das lides políticas, de resto legítimas, um duelo por interesses mesquinhos. Ainda que performático, o alardeado “rompimento” dos presidentes da Câmara, Hugo Motta, e do Senado, Davi Alcolumbre, com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não se pauta pela discussão de qualquer tópico de uma agenda virtuosa para o Brasil. O que há é uma guerrilha miúda entre autoridades que sobrepõem suas ambições privadas ao interesse público.

Para começo de conversa, Lula fomentou o conflito que agora ameaça paralisar seu governo. Neste terceiro mandato, o presidente claramente abdicou da articulação com os parlamentares e a colocou nas mãos de amadores. O resultado aí está. Não se trata de inabilidade política, algo de que o petista jamais poderá ser acusado, mas de um projeto consciente de deslocar a política para fora de seu locus apropriado, o Congresso. Lula escolheu “governar”, por assim dizer, com o Supremo Tribunal Federal (STF), como se o eventual apoio da Corte a questões caras ao Executivo tivesse o condão de suplantar o diálogo com deputados e senadores.

A cada derrota política, o governo recorre ao STF para tentar reverter decisões tomadas legitimamente pelos representantes eleitos. Para piorar, ainda apela às redes sociais para atacar o Parlamento. A hashtag #CongressoInimigoDoPovo, amplificada por alguns dos governistas mais estridentes nas redes, como os deputados Lindbergh Farias e Erika Hilton, além do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Guilherme Boulos, não apenas degradou o ambiente de cooperação institucional, como alimentou uma retórica tão simplista quanto falaciosa segundo a qual oposição a Lula significa sabotagem contra os pobres.

O Congresso, porém, está longe de ser vítima. A súbita “ruptura” de Motta e Alcolumbre com o governo não se escora na defesa de prerrogativas constitucionais nem de princípios republicanos, mas na ampliação dos mecanismos de poder engendrados pelo Legislativo nos últimos anos, particularmente o controle sobre as verbas discricionárias do Orçamento. Ao fim e ao cabo, é do manejo de recursos públicos sem controle que se trata quando os presidentes das Casas Legislativas afetam indignação contra o governo, visto como parceiro do STF no combate ao orçamento secreto.

A coroar essa atitude indigna das altas posições que ambos ocupam na República, Motta e Alcolumbre decidiram faltar à cerimônia de sanção da lei de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais – uma medida amplamente aprovada pelo Congresso e que de resto beneficia a esmagadora maioria dos trabalhadores brasileiros. Pura picuinha. Pura politicagem rasteira.

A postura de Alcolumbre, em particular, sintetiza esse ambiente beligerante no qual o interesse nacional não chega a ser nem sequer uma miragem. Seu rompante ao declarar que será um “novo Davi”, após Lula frustrar sua expectativa de indicar um ministro para o STF, escancarou o problema: o Senado, que deveria ser o fiador da estabilidade institucional, foi transformado por seu presidente em um balcão de barganhas pessoais. A indicação de Jorge Messias para o STF contrariou interesses internos da Casa. Mas, em vez de lidar com a questão nos termos da Constituição, Alcolumbre destila ressentimento e distribui ameaças por não exercer uma prerrogativa que jamais foi sua.

Hugo Motta, por sua vez, tenta demonstrar força explorando o conflito, amparado por lideranças que tratam a Câmara como instrumento de chantagem: ora travam pautas do Executivo para pressionar a liberação de emendas, ora agitam o espectro de derrota política, como no caso da anistia aos golpistas, para extrair novas vantagens. Nada disso constrói políticas públicas duradouras e aptas a melhorar a vida dos brasileiros.

E assim assistimos a um festival de mediocridades. O resultado é um país à deriva, sem projetos estruturantes, sem reformas e sem um líder digno do nome e à altura destes tempos desafiadores.

O Supremo não é um clube

Por O Estado de S. Paulo

Interferência de alguns ministros no processo de escolha do próximo integrante do STF alimenta a percepção de que o tribunal é uma confraria onde só entra quem for aprovado pelos demais sócios

É de estarrecer até o mais ingênuo dos republicanos a revelação de que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) têm atuado direta e explicitamente para interferir no desfecho da indicação do advogado-geral da União, Jorge Messias, para a Corte – seja para apoiá-lo, seja para rejeitá-lo. Esse comportamento, mais uma vez, expõe uma degeneração institucional que, por mais que seja corriqueira, jamais pode ser normalizada.

O envolvimento dos ministros André Mendonça e Nunes Marques – ambos indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro – na articulação política com o Senado em favor de Messias é a antítese da institucionalidade que deveria marcar a atuação de ministros da mais alta instância do Judiciário. Os abraços, os telefonemas e as declarações não encerram “somente”, por assim dizer, um deslize de forma. É um vício de natureza, que compromete o decoro do cargo, rebaixa o Supremo como instituição e fere de morte o fundamento republicano da separação de Poderes. Não é prática banal nem tampouco tolerável.

A Constituição é cristalina: cabe ao presidente da República indicar os ministros do STF; ao Senado, sabatinar e aprovar ou rejeitar o nome; e ao Supremo, rigorosamente nada. A participação da Corte nesse processo é nenhuma – e assim deve ser. A ideia de que ministros podem atuar como cabos eleitorais de seus prováveis futuros pares afronta o espírito republicano e degrada o tribunal que, por definição, deveria pairar olimpicamente acima das disputas políticas e dos interesses circunstanciais.

No caso específico da indicação de Messias, o constrangimento chega a ser palpável. Um dia após a indicação do advogado-geral da União, Mendonça o recebeu em culto da Assembleia de Deus, em São Paulo, abraçou-o e reforçou publicamente seu endosso à escolha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, inclusive nas redes sociais. Ao mesmo tempo, Mendonça e Nunes Marques iniciaram um corpo a corpo junto a senadores de oposição ao governo para defender a aprovação de Messias. Nada disso é digno de um ministro do Supremo. Muito ao contrário: cada gesto, cada telefonema, cada declaração pública expõe a Corte a mais um desgaste.

Mas seria injusto deixar de registrar que Mendonça e Nunes Marques não inauguraram essa prática nefasta. Quando já se cogitava da aposentadoria precoce de Luís Roberto Barroso, o decano Gilmar Mendes afirmou à Folha de S.Paulo que o Supremo é um “jogo para adultos” e manifestou preferência explícita pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). “A Corte precisa de pessoas corajosas e preparadas juridicamente”, disse o ministro, “e o senador Pacheco é o nosso candidato”. Para piorar, o emprego do pronome possessivo expôs uma distorção ainda mais grave: o Supremo seria uma espécie de confraria na qual só entra quem for aprovado pelos seus sócios.

A falta de decoro não se encerrou aí. Uma vez confirmada a indicação de Messias, Gilmar Mendes foi às redes para elogiar o indicado, exaltando seu “diálogo institucional” com a Corte e sua “firme defesa da democracia”. Trata-se, outra vez, de um gesto que ultrapassa a linha tênue entre a manifestação protocolar e o engajamento político. Quando ministros do STF comentam, celebram ou criticam publicamente indicados à Corte – ou fazem campanha contra eles, como se atribui a Alexandre de Moraes –, deixam de ser juízes para se tornar partes de um processo que não lhes diz respeito.

Tudo isso pode parecer trivial, mas não é. O dano institucional é profundo. O Supremo não pode nem sequer parecer ser um Poder que interfere na definição de seus próprios quadros. Isso compromete a legitimidade das indicações do presidente da República, contamina o processo constitucional da sabatina e reforça na sociedade a impressão de que a Corte opera por afinidades pessoais ou alinhamentos ideológicos. Se Suas Excelências têm suas predileções, mandam a institucionalidade e o decoro que as mantenham no foro íntimo, pois a discrição não é mera formalidade, é a garantia pública de que o próprio Supremo tem o cuidado de se autopreservar.

A lucrativa máfia do PCC

Por O Estado de S. Paulo

Diversificação dos negócios do grupo criminoso demanda ações específicas antimáfia

O promotor de Justiça Lincoln Gakiya participou recentemente de uma reunião no Senado Federal para colocar os congressistas a par da real dimensão econômica do Primeiro Comando da Capital (PCC), no Brasil e no mundo. Aos senadores da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Crime Organizado, Gakiya apresentou a sua mais recente estimativa de faturamento da facção criminosa.

Segundo ele, o volume de dinheiro movimentado pelo PCC saltou de R$ 10 milhões em 2010 para nada menos do que US$ 2 bilhões, ou “por volta” de R$ 10 bilhões a R$ 12 bilhões por ano – um crescimento de no mínimo 100.000%. Nada deu tanto dinheiro em tão pouco tempo no Brasil.

Como afirmou Gakiya aos parlamentares que em breve se debruçarão sobre o Projeto de Lei (PL) Antifacção, que foi aprovado há pouco na Câmara, trata-se de um crescimento “exponencial” e “assustador”, que tornou essa organização criminosa “extremamente capitalizada” e ainda deixou o Estado “à deriva”.

Tudo isso só ocorreu porque o PCC passou a investir pesado no tráfico internacional para mercados lucrativos, como o europeu e o asiático, e a fechar parcerias com máfias mundo afora como a ‘Ndrangheta, na Itália, e a dos Bálcãs. Mas não só isso: esse bando nascido nos anos 1990 no sistema carcerário paulista hoje está presente em 28 países, na economia formal do Brasil e até no sistema financeiro na Avenida Faria Lima, conforme mostrou recentemente a Operação Carbono Oculto.

São atividades lícitas e ilícitas em postos de gasolina, concessionárias de carro, ferros-velhos, empresas de transporte público, hotéis, entre outros, para lavar o dinheiro do crime. Essa diversificação de negócios elevou, por óbvio, a facção a um outro patamar. Como bem afirmou Gakiya, hoje o PCC alcançou “o estágio de organização criminosa mafiosa”, o que demanda das autoridades públicas respostas adequadas a essa característica.

É por tudo isso que, com razão, o promotor insiste na aprovação de uma legislação que facilite a integração e a cooperação dos órgãos de investigação e das forças de segurança brasileiras e até estrangeiras. A começar pela proposta de criação de uma agência antimáfia no Brasil com autonomia investigativa, como a existente na Itália, para atacar de forma inteligente e coordenada o PCC como de fato o que ele é: uma máfia.

A ideia da agência, infelizmente, foi abandonada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, para evitar um suposto mal-estar com a Polícia Federal, e não entrou no projeto relatado pelo deputado federal Guilherme Derrite (PP-SP). Apesar disso, não restam dúvidas de que esse tipo de organização mafiosa precisa receber um tratamento bem mais rigoroso e enfrentar ferramentas processuais específicas.

O diagnóstico traçado por Gakiya na CPI do Crime Organizado ajuda a lançar luz sobre esse debate no Senado, que, sem açodamento e diálogo, poderá aprimorar o PL Antifacção. Por isso tudo, espera-se que os senadores tenham prestado bastante atenção no que lhes foi relatado por um promotor que há décadas está no encalço do PCC.

Produtividade baixa marca atraso do Brasil e da AL

Por Valor Econômico

Na raiz do problema estão a desorganização produtiva, deficiências em tecnologia e a qualidade do capital humano

A região de América Latina e Caribe está ficando para trás em relação ao resto do mundo em produtividade. O Brasil não escapa dessa constatação, detalhada no novo relatório sobre as perspectivas econômicas da região, feito pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Não é algo novo: desde 1991 até 2024, ela cresceu 0,9% ao ano, em comparação com o 1,2% registrado pelos países da OCDE. O ritmo é insuficiente para atingir a almejada convergência com as economias avançadas.

Segundo o relatório, a produtividade do trabalho na América Latina e no Caribe equivale a 40% da registrada nos países da OCDE, e está abaixo até mesmo do nível de quase dez anos atrás. O Brasil consegue ficar abaixo da média da região, com 38%, taxa estagnada em relação a 2016. A Costa Rica está na frente, com 64%; Guatemala e Peru no outro extremo, com 27% da média da OCDE.

Na raiz do problema estão a desorganização produtiva, deficiências em tecnologia e a qualidade do capital humano. Em 2023, 55,1% dos trabalhadores da região eram informais e apenas 2,1% tinham empregos de média ou alta intensidade tecnológica, abaixo da média de 7,7% da OCDE. Os números refletem economias excessivamente dependentes de exportações primárias, vulneráveis a choques climáticos e externos, com baixa diversificação produtiva, e muito dependentes do setor de serviços, que usualmente apresenta produtividade baixa, informalidade elevada e precarização da mão de obra.

Os produtos de alta tecnologia representavam só 8% dos manufaturados exportados pela América Latina e o Caribe em 2023, enquanto que, no Brasil, o percentual ficava próximo de 10%, abaixo dos 18% da OCDE. A falta de competências digitais e tecnológicas impede a inserção dos países da região nas cadeias globais de valor.

O relatório da OCDE apresenta também dados do Pisa, como indicativo da capacidade da mão de obra. O exame confere as habilidades dos estudantes de 15 anos em três campos principais — leitura, matemáticas e ciências —, buscando apurar como os alunos conseguem aplicar os conhecimentos em situações da vida real. Os estudantes da OCDE obtiveram nota de 485 pontos em ciências no último teste, enquanto os da América Latina e do Caribe ficaram em média com 408, e os brasileiros, com 403 pontos.

Faltam boas políticas públicas de estímulo à produtividade, mas não por carência de burocratas. Segundo o relatório, nada menos do que 197 ministérios ou agências estão encarregados de promover a produtividade nos 33 países da região, sendo que dois terços deles distribuem a tarefa a cinco ou seis ministérios diferentes. O problema é a ausência de coordenação e de objetividade das diferentes políticas.

São escassos também os recursos para financiar as políticas de desenvolvimento da produtividade. As despesas correntes concentram em média 80,7% dos gastos públicos, deixando pouco espaço para investimentos estruturais. Já as receitas tributárias se caracterizam pela regressividade. Elas eram equivalentes a 21,3% do PIB em 2023, bem abaixo da média de 34% da OCDE. Esse é um dos raros pontos em que o Brasil, com receita tributária de 32% do PIB no mesmo ano, se aproxima do patamar da organização.

Diante disso, os países da América Latina e do Caribe destinaram menos de 0,5% do PIB em média entre 2021 e 2022 para pesquisa e desenvolvimento, em comparação com 3% na média dos países da OCDE. No Brasil, a título de comparação, o investimento em pesquisa e desenvolvimento foi de 1,1% do PIB em 2020, para 0,3% na América Latina e Caribe em 2022 e 2,1% na OCDE nesse mesmo ano.

A região ainda recorre a incentivos fiscais e renúncias de grande magnitude, de até 4% do PIB em 18 países, sendo que apenas os incentivos dados às empresas no imposto de renda representam 0,9% dos incentivos, que são ineficientes e não estimularam a produtividade.

O relatório da OCDE elogia alguns programas brasileiros, como o Estratégia Brasil 2050, pela visão de longo prazo e por englobar desafios como a adaptação climática e a transformação tecnológica, incluindo o Nova Indústria Brasil e o Plano Nacional de transição Energética. Menciona também o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), e agências como a Finep e a Embrapii.

No entanto, não exclui o Brasil das recomendações gerais de que os países da América Latina e do Caribe devem envolver o setor privado na promoção da produtividade e melhorar a coordenação das diversas agências governamentais, alinhando políticas horizontais de pesquisa e desenvolvimento com compras públicas, incentivos fiscais e apoio ao empreendedorismo, com as verticais voltadas a setores estratégicos, como energia renovável, agricultura sustentável e indústrias digitais, além de recorrer ao mercado de capitais e atrair investimentos estrangeiros diretos para colaborar no financiamento, aproveitando a demanda pelos títulos verdes.

As mudanças no IR e o desafio da desigualdade

Por Correio Braziliense

A nova legislação, que entrará em vigor a partir de janeiro de 2026, é um alívio bem-vindo para famílias pressionadas pela inflação e pela estagnação salarial dos últimos anos

A sanção da lei que isenta do Imposto de Renda pessoas com renda mensal de até R$ 5 mil, a partir de janeiro de 2026, é mais que o cumprimento de uma promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Trata-se de uma correção tardia em um sistema tributário que, há décadas, penaliza proporcionalmente os mais pobres. Estima-se que 15 milhões de contribuintes serão beneficiados nacionalmente — 1,2 milhão apenas em Minas Gerais e mais de 200 mil no Distrito Federal —, enquanto outros 5 milhões terão redução do imposto devido, a partir do novo mecanismo de desconto para quem ganha entre R$ 5.000,01 e R$ 7.350.

A medida avança sobre uma distorção histórica: no Brasil, a maior parte da carga tributária recai sobre o consumo, e não sobre a renda e o patrimônio. Dados da OCDE mostram que o país está entre aqueles que menos tributam renda e lucros e mais tributam bens e serviços, o que penaliza famílias de baixa renda. Não surpreende, portanto, que o governo tenha associado à desoneração das faixas inferiores uma ampliação da tributação sobre os chamados "super-ricos": cerca de 140 mil contribuintes com renda anual superior a R$ 600 mil, que passarão a pagar alíquotas de até 10% sobre determinados rendimentos.

Esse reequilíbrio é coerente com a desigualdade brasileira. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua/IBGE), os 10% da população com os maiores rendimentos recebem 13,4 vezes o que ganham os 40% da população com os menores rendimentos. Em 2024, a parcela dos mais ricos recebia, em média, R$ 8.034. Já os 40% no extremo oposto ganhavam, em média, R$ 601.

Nesse contexto, a ampliação da isenção do IR é mais do que um gesto simbólico; é uma tentativa de devolver capacidade de consumo às famílias que sustentam o dinamismo econômico. O argumento do presidente Lula, de que "o consumo dos mais pobres impulsiona a economia", tem respaldo. Estudos do Ipea mostram que famílias de baixa renda destinam quase 90% de seus ganhos ao consumo imediato, enquanto a elite econômica tende a poupar ou investir valores que não necessariamente retornam rapidamente à economia real. 

Diante desse quadro, o ajuste da tabela do Imposto de Renda se torna uma das ferramentas para atenuar essas diferenças. A disputa política que emergiu nos bastidores da aprovação da nova lei — marcada pela ausência dos presidentes da Câmara, Hugo Motta, e do Senado, Davi Alcolumbre —  revela que o debate tributário continua submetido a tensões conjunturais que pouco dialogam com seu impacto social de longo prazo.

As mudanças, que entrarão em vigor a partir de janeiro de 2026, são um alívio bem-vindo para famílias pressionadas pela inflação e pela estagnação salarial dos últimos anos. É o primeiro passo. O país só avançará rumo a uma verdadeira justiça fiscal quando encarar a necessidade de taxar grandes fortunas, lucros e dividendos com a mesma determinação com que tributa alimentos, serviços básicos e folha de pagamento.

O novo Imposto de Renda caminha na direção de um sistema mais progressivo. É necessário dar continuidade a uma agenda tributária que realmente combata a desigualdade. Adiar essa discussão custa caro: custa oportunidades, desenvolvimento e, sobretudo, dignidade para milhões de brasileiros. 

Plano Diretor é aprovado com atraso de seis anos

Por O Povo (CE)

A partir de agora, Fortaleza passa a dispor de um marco para guiar o desenvolvimento e a ocupação de seu território

Com atraso de seis anos, a Câmara Municipal de Fortaleza (CMFor) aprovou na quarta-feira o novo Plano Diretor Participativo e Sustentável (PDPS), com validade para os próximos 10 anos. Foram 36 votos a favor e seis contra. O projeto entrará em vigor em 180 dias, após a sanção do prefeito Evandro Leitão (PT).

A rigor, para cumprir a legislação do Estatuto da Cidade, o plano deveria ter sido renovado em 2019, uma década após o término do anterior, em 2009. Tamanho atraso não pode ser justificado apenas pela pandemia da Covid-19, sendo esse apenas um dos possíveis fatores para o atraso.

Como mostrou O POVO em reportagem na edição de 26/11/2025, o projeto transitou por duas outras administrações municipais antes de chegar à de Evandro Leitão. Na gestão do prefeito Roberto Cláudio (UB) foi realizada a primeira reunião sobre o assunto, quando o Ministério Público do Ceará (MPSP) pediu maior participação popular. Em seguida, iniciou-se a crise sanitária do coronavírus, interrompendo o processo.

Na administração de José Sarto (PSDB), a proposta foi retomada, quando aconteceram 11 reuniões sobre o assunto, mas nunca foi emitido um documento oficial desses encontros — e a proposta ficou parada.

Em relação ao projeto atual, o questionamento dos vereadores que votaram contra a proposta centrou-se nos chamados "emendões", que modificaram trechos do texto enviado pela Prefeitura de Fortaleza à Câmara Municipal. A proposição havia sido aprovada na Conferência da Cidade, ocorrida no fim do mês passado.

Essas alterações, segundo esse entendimento, facilitariam a mudança em diversas zonas ambientais, bloqueando a criação de dezenas de áreas verdes na cidade, o que favoreceria interesses privados em detrimento da preservação do meio ambiente. Alguns vereadores também se queixaram de não ter tido acesso completo ao conteúdo dos emendões.

Um Plano Diretor tem o propósito garantir que a cidade cumpra sua função social, buscando equilibrar fatores como desenvolvimento econômico, a justiça social e a preservação ambiental, uma questão crucial em tempos de aquecimento global.

Assim, é positivo o fato de a Câmara Municipal ter aprovado o Plano Diretor, ainda que existam questionamentos sobre alguns pontos. Porém, a partir de agora, a cidade passa a dispor de um marco para guiar o desenvolvimento e a ocupação de seu território.

A existência de um plano, com diretrizes definidas, vai ensejar fiscalização mais rigorosa, tanto dos órgão oficiais, quanto dos cidadãos e das entidades de defesa do meio ambiente, que devem se tornar cada vez mais atuantes.

 

 

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