O Globo
Empresas e instituições financeiras públicas
são geridas conforme múltiplos interesses políticos
Está no documento da Polícia Federal que levou à liquidação do Banco Master: as letras financeiras (LFs) dessa instituição “não eram atrativas a investidores privados”. O Master oferecia aos compradores dessas letras uma rentabilidade de encher os olhos: 130% do CDI (Certificado de Depósito Interbancário). E qualquer pessoa mais ou menos informada sobre o mercado financeiro sabe como é difícil bater o CDI. Por que então esse tipo de papel era rejeitado por investidores privados? Três motivos: o prazo excessivo, dez anos; a falta de credibilidade do emissor; e a falta de cobertura do Fundo Garantidor de Créditos (FGC).
Fazia anos que, no mercado financeiro, se
sabia da insustentabilidade das operações do Master. Havia pelo menos um caso
exemplar, tornado público pela colunista Malu Gaspar, em
seu blog no GLOBO, em 12/7/24. O blog contava que a Caixa havia desistido
de aplicar R$ 500 milhões em letras financeiras do Master. Dizia:
— Em parecer sigiloso de 19 páginas obtido
pela equipe da coluna, a área de renda fixa da Caixa Asset, o braço de gestão
de ativos do banco estatal, desaconselhou enfaticamente a operação, considerada
“atípica” e “arriscada”.
A Caixa, seu dono — o governo federal — e os
clientes se livraram de um mau negócio, mas os técnicos que desaconselharam a
operação pagaram um preço: perderam seus cargos, segundo informava Malu Gaspar.
A direção da Caixa, controlada pelo Centrão, pretendia mesmo comprar as tais
letras. É o que se deduz do afastamento dos gerentes que condenaram a operação.
De todo modo, fica aí demonstrado que as LFs do Master não deveriam ser
“atrativas” nem para o investidor público.
Entretanto, entre 2023 e 2024, o Master
conseguiu colocar LFs no valor de R$ 2,3 bilhões. Desse total, três fundos
previdenciários estaduais e 15 municipais compraram R$ 1,87 bilhão, ou 81% do
total. O Rioprevidência, fundo de 230 mil servidores civis e militares, foi o
maior comprador: R$ 970 milhões, ou 42% dessa carteira do Master.
O segundo nessa lista é o Amapá Previdência
(Amprev), que alocou R$ 400 milhões. Esse fundo, como quase tudo no Amapá, está
sob o guarda-chuva do presidente do Senado, Davi Alcolumbre. Houve protestos de
conselheiros do Amprev, ignorados pelo presidente do fundo, Jocildo Lemos,
indicado por Alcolumbre.
A direção do BRB, o banco estatal do governo
do Distrito Federal, sabia de tudo quando se meteu em negócios com o Master.
Operações sobre as quais a Polícia Federal aponta suspeitas de fraudes
estimadas em espantosos R$ 12,2 bilhões.
Como investimentos rejeitados pelo investidor
privado tornaram-se tão atraentes para o investidor público? É porque, nesse
caso, trata-se de outro tipo de negócio, com outro tipo de rendimento, em
benefício de políticos. Negócio sem risco — pelo menos até o momento em que
aparece a Polícia Federal. Está aí, aliás, o motivo que leva muitos
parlamentares a tentar reduzir a capacidade de ação dessa PF, que tem estado
muito ocupada.
Parte do setor privado também não sai sem
manchas dessa história do Master. Plataformas de investimentos distribuíram
durante anos os CDBs do Master, anunciando os fabulosos rendimentos de até 140%
do CDI. Não corriam risco algum. Essas plataformas não adquiriam os papéis,
apenas faziam a corretagem, pela qual ganhavam gordas comissões.
Esses CDBs até o valor de R$ 250 mil serão
resgatados pelo Fundo Garantidor de Créditos, formado basicamente com dinheiro
dos maiores bancos. O cliente final desse produto não perderá, mas fica a
mancha para parte do mercado — oferecer papéis podres, jogando o risco para o
FGC. Esse FGC não foi criado para facilitar lucros com papéis podres, mas para
garantir a estabilidade do setor financeiro.
A principal lição do episódio está aqui:
empresas e instituições financeiras públicas são geridas conforme múltiplos
interesses políticos, muito distantes do interesse público. Não é de hoje, mas
parece que agora perderam qualquer pudor. E medo. Pegaram até dinheiro dos
aposentados do INSS.

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