O Estado de S. Paulo
Episódio deveria servir para que o poder público repensasse as normas atuais, endurecendo-as
Ocaso do Banco Master está sendo amplamente
discutido, graças ao bom trabalho do jornalismo brasileiro, a partir de
veículos sérios, com profissionais aptos ao exercício do ofício. É hora de
refletir e de agir sobre as brechas regulatórias; elas ainda permitem o
surgimento de monstrengos perigosos, como se vê.
A atuação firme do Banco Central é motivo de orgulho. A autonomia da instituição é essencial para a boa condução da política monetária e igualmente importante para garantir a solvência, a organização e o funcionamento do sistema financeiro. O recente episódio noticiado a respeito das pressões de parlamentares para alterar a legislação e avançar sobre diretores do Banco Central não pode ser esquecido.
Cada vez mais moderno, o mercado de
investimentos evolui a toque de caixa e precisa ser acompanhado, no mesmo
ritmo, pela capacidade do Estado de exercer seu papel regulador, fiscalizador e
sancionatório.
Para ter claro, o caso do Banco Master não
tem efeitos diminutos. Ao contrário, representa uma situação complexa e com
diversos desdobramentos. Os jornalistas Gabriel Baldocchi, Alvaro Gribel e
Juliana Garçon, do Estadão, escreveram uma excelente matéria a esse respeito na
quarta-feira.
O caso dos produtos do tipo Certificados de
Depósito Bancário (CDB) emitidos pelo Master, detidos por 1,6 milhão de
credores, segundo o próprio Fundo Garantidor de Crédito (FGC), é gravíssimo. Os
investimentos, limitados a R$ 250 mil, serão cobertos pelo FGC, conforme regras
atuais. Os valores a superar essa marca, por sua vez, entrarão na fila.
Para essa tarefa inicial, o fundo vai
precisar se descapitalizar em prováveis mais de R$ 40 bilhões. O volume é, em
termos absolutos, expressivo, e representa cerca de 30% do saldo atual.
A prudência das instituições financeiras e de
seus diretores deveria bastar para evitar que clientes mergulhassem em ativos
de alto risco, como os tais certificados do Master. Na Warren Investimentos,
por exemplo, alertamos os clientes, desde agosto de 2023, e cortamos qualquer
tipo de recomendação ou inserção desse produto em nossas carteiras. Mas o mesmo
não ocorreu com outros atores.
Evidentemente, avançamos muito em matéria de modernização do sistema financeiro nacional. Desde o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, o Brasil mantém um sistema sólido, que é referência. Mas novas práticas, inclusive para o mal, acabam, por vezes, andando mais rápido; elas deixam o Estado comendo poeira.
O caso do Banco Master deveria servir para
que o poder público repensasse as normas atuais, endurecendo-as. Vale dizer,
não basta a regra clara, o incentivo adequado. Será preciso, também, ampliar os
mecanismos de fiscalização, a fim de fechar o cerco sobre instituições que
eventualmente mantenham práticas agressivas e irresponsáveis (para evitar
adjetivos piores) junto a seus clientes.
Em outra frente, como mostraram os
jornalistas citados na matéria do Estadão, outros problemas podem ter sido
despertados, notadamente, no caso dos fundos de pensão. Segundo a reportagem, o
Ministério Público mostrou que 17 fundos dessa natureza – cujo objetivo é
aplicar os recursos arrecadados dos servidores e, no futuro, guarnecer suas
aposentadorias – escolheram investir em letras financeiras emitidas pelo
Master, que não têm cobertura do FGC.
As decisões podem ter suas razões técnicas e
econômicas, possivelmente, explicitadas à época de cada alocação. Fato é que
estamos falando em quase R$ 2 bilhões, que podem acabar virando precatórios e,
assim, engordar a polpuda conta de sentenças judiciais a cargo da viúva de
sempre, a União.
A cobertura do FGC é a maior da história. As
instituições financeiras são chamadas a capitalizar o fundo. Vamonos entender:
tudo isso é consequência das operações de um único banco. A atuação das áreas
técnicas e dos diretores responsáveis do Banco Central deve ser exaltada. Mas o
que teria sido necessário, quais os instrumentos para uma atuação preventiva
mais firme ou, no limite, em momento em que se pudesse ter identificado o
início dos movimentos agora escancarados? A discussão sobre as atuais normas e
regras do jogo, como disse, é o caminho para aprimorarmos nossas instituições.
Em outra frente, essa estranha relação do
Master com o BRB – o banco estatal estadual do Distrito Federal – precisa ser
olhada com lupa. A tentativa de compra do primeiro pelo segundo, mais ainda.
O Brasil deve orgulhar-se de seu arcabouço
institucional e da capacidade de manter a liquidez e a confiança na moeda e no
sistema financeiro. Essa capacidade não foi forjada da noite para o dia. Da
mesma forma, não pode ignorar o ritmo frenético do surgimento de práticas
lesivas ao interesse público.
No nosso país, onde a cultura da poupança, da
reserva financeira e do investimento é incipiente, prover segurança jurídica é
tarefa primordial do Estado. Essa é uma das lições desse lamentável episódio.
Esperase que, respeitado o devido processo, as punições aos protagonistas
venham à altura. •

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