sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Coalizão de predadores derruba vetos e instaura vale-tudo ambiental no Brasil, por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Narrativa de que o Congresso apenas “moderniza o país” esconde a captura legislativa por interesses que rejeitam o consenso científico sobre a necessidade de licenciamento rigoroso

O Congresso Nacional derrubou, ontem, grande parte dos vetos presidenciais à Lei Geral do Licenciamento Ambiental, chamada por ambientalistas de “PL da Devastação”. Na Câmara, o placar foi de 295 votos pela derrubada e 167 pela manutenção dos vetos. No Senado, 52 votos a 15. Com isso, o Palácio do Planalto, cientistas, entidades da sociedade civil e ambientalistas sofreram a maior derrota da história na legislação ambiental, considerada, até então, referência para o mundo.

Entre os trechos que devem ser retomados, está a autorização para que atividades e empreendimentos considerados de baixo e pequeno porte — ou com baixo e pequeno potencial poluidor — obtenham licenças por um processo de adesão e compromisso (LAC), mais simples do que o procedimento regular. Ou seja, uma porta aberta para o vale-tudo ambiental, sobretudo na Mata Atlântica, no Cerrado e na Amazônia.

A derrubada dos vetos presidenciais à Lei Geral do Licenciamento Ambiental explicita a força de uma coalizão de predadores ambientais que opera dentro do Congresso Nacional. Não foi apenas uma derrota governamental, mas a consagração de uma agenda que combina negacionismo climático, captura institucional pelo agronegócio e desmonte calculado das salvaguardas socioambientais do país.

O conceito de negacionismo, sistematizado aqui no Brasil pelo Instituto Butantan, define uma recusa deliberada de fatos científicos e evidências históricas. Vivemos dramaticamente as suas consequências, por exemplo, na saúde pública, durante a pandemia e, ainda hoje, pela recusa à vacinação contra todo e qualquer tipo de doença. No campo climático, trata-se da rejeição do consenso consolidado de que o aquecimento global é causado por ações humanas. Esse negacionismo é minoritário, mas persistente: cerca de 97% dos cientistas concordam sobre a origem antrópica das mudanças climáticas.

Pesquisas mostram que entre 5% e 8% das populações de países anglófonos contestam esse consenso, mas esse número no Brasil chega a 15%, segundo o Datafolha. Essa minoria é muito poderosa e se articula a setores econômicos que veem a proteção ambiental como entrave. Ontem, o Congresso materializou essa convergência entre negacionistas e predadores: grupos organizados que buscam erodir, de forma sistemática, os instrumentos de proteção ambiental para ampliar margens de lucro e acelerar obras sem estudos de impacto.

O veto derrubado mais danoso é o que não permitia o uso do sistema de Licença por Adesão e Compromisso (LAC) para atividades de médio potencial poluidor. Essa é a face mais perigosa, pois dispensa estudos de impacto ambiental e exige apenas um relatório simplificado, cuja análise pelos órgãos ambientais passa a ser facultativa. Isso favorece atividades com alto potencial de dano, como barragens de rejeito, que agora podem escapar do escrutínio técnico que teria evitado tragédias como Mariana e Brumadinho.

Guerra ambiental

Quando parlamentares predadores dizem que isso “destrava o desenvolvimento”, rejeitam o acúmulo de conhecimento científico sobre riscos geotécnicos e impactos acumulados. Outro retrocesso estrutural é a regionalização dos critérios de licenciamento, também restaurada com a derrubada dos vetos. Ao delegar a estados e municípios o poder de definir o que é “alto” ou “baixo” impacto, o Congresso promove uma corrida entre entes federativos, pressionados a flexibilizar normas para atrair empreendimento, numa verdadeira guerra ambiental.

Ambientalistas alertam que isso incentiva o chamado “turismo do impacto”: empreendedores migram para localidades com legislações permissivas, resultando em destruição ambiental desordenada. A União, cuja competência constitucional inclui editar normas gerais de proteção, fica esvaziada. A situação é grave no caso da Mata Atlântica, bioma reduzido a menos de 12% da cobertura original.

O veto que mantinha a proteção federal contra supressão irregular de vegetação foi derrubado, permitindo que avaliações fragmentadas substituam o controle centralizado e técnico da União. Essa mudança abre espaço para um novo ciclo de desmatamento, difícil de reverter e ainda mais difícil de monitorar.

Ainda mais simbólica é a derrubada do veto sobre povos indígenas e quilombolas. O Congresso decidiu que apenas territórios já homologados devem ser consultados, quando a maior parte das terras indígenas ainda não concluiu seu processo administrativo. Na prática, autoriza empreendimentos destrutivos em áreas tradicionais sem ouvir quem vive ali.

A votação também confirmou a crise política entre o Planalto e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, articulador das forças que defenderam as flexibilizações. Sua narrativa de que o Congresso apenas “moderniza o país” esconde a captura legislativa por interesses que rejeitam o consenso científico sobre a necessidade de licenciamento rigoroso. Essa coalizão atuou com disciplina: bancada do agronegócio, parlamentares de regiões de fronteira agrícola, grupos empresariais e operadores políticos descontentes com o governo.

Enquanto o país discursava na COP30, em Belém, sobre transição energética, economia verde e preservação, o Congresso preparava esse ataque frontal ao Conama, à política nacional de meio ambiente e aos direitos socioambientais. Fragmentos de biomas ameaçados, áreas urbanas sujeitas a enchentes e deslizamentos, reservas hídricas em risco, territórios indígenas pressionados, licenciamento enfraquecido formam uma tempestade perfeita. Ao derrubar os vetos, o Congresso normalizou a lógica do vale-tudo ambiental.

 

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