Valor Econômico
Os compromissos assumidos pelos países ainda
estão muito distantes para limitar o aumento global da temperatura em 1,5°C
ACOP30 terá iniciado quando este artigo for
publicado e proponho aqui uma reflexão sobre como estamos chegando na
Conferência, no contexto da temática da energia.
Os compromissos assumidos anteriormente, na COP28 de Dubai, deram a direção da jornada: aumentar a escala e a competitividade das soluções energéticas de baixo carbono, à medida que os países se afastam de combustíveis fósseis, além de melhorar de forma significativa a eficiência energética. De maneira complementar, a indústria global de óleo e gás também assumiu compromissos de descarbonizar suas operações: por meio de iniciativa setorial, 55 empresas representando 45% da produção global estabeleceram metas de zerar as emissões de metano e encerrar flaring de rotina até 2030, além de zerar emissões operacionais até 2050.
Embora as NDCs dos países estejam na direção
correta, seguem muito aquém do necessário para reduzir as emissões
Desde 2023, todavia, o mundo mudou, tornando
a implementação dos compromissos assumidos mais desafiadora. Diversos governos
reorientaram suas políticas e seus orçamentos para áreas como defesa e
segurança energética. Adicionalmente, o multilateralismo sofreu as
consequências da nova postura dos EUA, tanto por meio da atual política
tarifária, quanto pela pressão exercida para a não adoção de políticas de
mitigação e adaptação climática.
O cenário energético que já vinha abalado
pelas consequências da guerra entre Rússia e Ucrânia passou a enfrentar sinais
ainda mais dissonantes. O consumo por combustíveis fósseis atingiu recorde
histórico em 2024, em um mundo ávido por todas as formas de energia. A demanda
por eletricidade (4,3%) cresceu a taxas superiores às do PIB (3,2%) e da
própria energia (2,2%), sinalizando uma tendência global à maior eletrificação
das economias - seja para transporte, indústria, refrigeração, ou mesmo para
novas demandas de data centers.
Em termos de emissões de GEE, recém-divulgado
relatório da ONU aponta para um nível absoluto de 57,7 gigatoneladas de CO2
equivalentes em 2024, 2,3% acima de 2023, sendo em grande medida (73%)
explicado pela utilização de fontes fósseis. Estamos, assim, continuando uma
trajetória que sabemos ser incompatível com o estabelecido no Acordo de Paris
há 10 anos atrás.
Considerando as novas metas climáticas
anunciadas pelos países às vésperas da Conferência, as notícias são
preocupantes. Com efeito, as 64 novas Contribuições Nacionalmente Determinadas
(NDCs) apresentadas formalmente até setembro, as quais cobrem apenas 30% das
emissões, apontam para uma redução global de 10% até 2035 (vs 2019). Embora a
direção esteja correta, sua dimensão está aquém dos 60% necessários para o
mesmo período. Respeitadas determinadas condições - tais como mercados de
carbono robustos, financiamento climático - as NDCs podem levar a um aumento de
temperatura de 2,3°C ao longo do século, comparado a 2,8°C com as políticas
públicas atuais. Ainda há, portanto, uma distância expressiva para ficarmos no
limite de 1,5°C.
Neste contexto de maior incerteza
geopolítica, fragmentação e disrupção na ordem global vigente, como ter
esperança nos resultados da COP30?
O primeiro fator de esperança vem da maior
maturidade e consistência dos compromissos agora apresentados, bem como do
reconhecimento honesto dos desafios existentes. Neste momento, é preciso ter a
coragem de identificar as barreiras à implementação, até para poder trabalhar
para mitigá-las. Por outro lado, é também urgente integrar compromissos
climáticos à agenda de desenvolvimento econômico de cada país, o que vem sendo
feito. Não se trata apenas de uma pauta climática, mas sim de uma agenda
econômica e social, calcada em dados, ciência e tecnologia.
O segundo fator de esperança é a ênfase dada
pela Presidência da COP à agenda voltada para a ação. Já não há mais espaço
para grandes anúncios, os quais cedem espaço para que os diferentes atores
mostrem claramente o que está sendo feito na prática. A chamada Agenda de Ação,
com seus 30 eixos prioritários, é um legado desta COP. Trata-se de uma
inovação, evidenciando a relevância e a importância dos atores à frente da
implantação de diversas iniciativas, tais como cidades, empresas, sociedade
civil e academia.
O terceiro fator de esperança advém dos
avanços obtidos na transição energética. Como já escrevi nesta coluna,
estimativas da Agência Internacional de Energia apontam para investimentos
globais em energia de US$ 3,3 trilhões em 2025, com as tecnologias de baixo
carbono atraindo o dobro do montante das fontes fósseis. Hoje, a energia solar
consolidou-se como a principal fonte global de energia elétrica, superando o
carvão. Quando combinada com baterias, a geração renovável representa uma
solução de baixo carbono segura, confiável e competitiva, capaz de ancorar
investimentos adicionais.
Não apenas a geração de eletricidade a partir
de fontes renováveis ganha escala e competitividade, mas tecnologias que dela
dependem também avançam em diferentes áreas. É o caso, por exemplo, da eletrificação
da mobilidade: em 2025, um de cada 4 veículos vendidos globalmente será
elétrico ou híbrido. Onde a eletrificação ainda não consegue ser viável
comercial ou tecnicamente, os combustíveis sustentáveis cumprem um papel
crescente. E aqui cabe novamente ilustrar o papel inovador do Brasil ao
consolidar a relevância destes combustíveis na descarbonização de setores
intensivos em energia. Sob o mote Belém 4x, espera-se o anúncio do compromisso
global de quadruplicar a produção global de combustíveis sustentáveis,
incluindo biocombustíveis.
O “mutirão” proposto pela Presidência da
COP30 deve continuar para além da Conferência. Tal espírito de contribuição
pode beneficiar-se de uma nova governança energética e climática, voltada à
implementação e consciente da importância de engajar, além de produtores e
consumidores, atores como ministros das Finanças, instituições financeiras e
entes subnacionais.
Assim, termino este artigo com um sentimento de esperança realista. Esperança em nossa capacidade de criar espaços de diálogos, de reafirmar nosso compromisso na busca conjunta de soluções, abrigando características regionais distintas, múltiplas tecnologias e horizontes temporais compatíveis com a ciência e a realidade de cada país. Realista por entender que a jornada é complexa e repleta de obstáculos, mas que, com base em ciência, diálogo honesto e esforço coletivo, é possível superá-los. Manter a consistência no rumo certo é necessário, lembrando que não há tempestade que dure para sempre - vamos em frente!

Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.