segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Como chegamos na COP30? Por Clarissa Lins

Valor Econômico

Os compromissos assumidos pelos países ainda estão muito distantes para limitar o aumento global da temperatura em 1,5°C

ACOP30 terá iniciado quando este artigo for publicado e proponho aqui uma reflexão sobre como estamos chegando na Conferência, no contexto da temática da energia.

Os compromissos assumidos anteriormente, na COP28 de Dubai, deram a direção da jornada: aumentar a escala e a competitividade das soluções energéticas de baixo carbono, à medida que os países se afastam de combustíveis fósseis, além de melhorar de forma significativa a eficiência energética. De maneira complementar, a indústria global de óleo e gás também assumiu compromissos de descarbonizar suas operações: por meio de iniciativa setorial, 55 empresas representando 45% da produção global estabeleceram metas de zerar as emissões de metano e encerrar flaring de rotina até 2030, além de zerar emissões operacionais até 2050.

Embora as NDCs dos países estejam na direção correta, seguem muito aquém do necessário para reduzir as emissões

Desde 2023, todavia, o mundo mudou, tornando a implementação dos compromissos assumidos mais desafiadora. Diversos governos reorientaram suas políticas e seus orçamentos para áreas como defesa e segurança energética. Adicionalmente, o multilateralismo sofreu as consequências da nova postura dos EUA, tanto por meio da atual política tarifária, quanto pela pressão exercida para a não adoção de políticas de mitigação e adaptação climática.

O cenário energético que já vinha abalado pelas consequências da guerra entre Rússia e Ucrânia passou a enfrentar sinais ainda mais dissonantes. O consumo por combustíveis fósseis atingiu recorde histórico em 2024, em um mundo ávido por todas as formas de energia. A demanda por eletricidade (4,3%) cresceu a taxas superiores às do PIB (3,2%) e da própria energia (2,2%), sinalizando uma tendência global à maior eletrificação das economias - seja para transporte, indústria, refrigeração, ou mesmo para novas demandas de data centers.

Em termos de emissões de GEE, recém-divulgado relatório da ONU aponta para um nível absoluto de 57,7 gigatoneladas de CO2 equivalentes em 2024, 2,3% acima de 2023, sendo em grande medida (73%) explicado pela utilização de fontes fósseis. Estamos, assim, continuando uma trajetória que sabemos ser incompatível com o estabelecido no Acordo de Paris há 10 anos atrás.

Considerando as novas metas climáticas anunciadas pelos países às vésperas da Conferência, as notícias são preocupantes. Com efeito, as 64 novas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) apresentadas formalmente até setembro, as quais cobrem apenas 30% das emissões, apontam para uma redução global de 10% até 2035 (vs 2019). Embora a direção esteja correta, sua dimensão está aquém dos 60% necessários para o mesmo período. Respeitadas determinadas condições - tais como mercados de carbono robustos, financiamento climático - as NDCs podem levar a um aumento de temperatura de 2,3°C ao longo do século, comparado a 2,8°C com as políticas públicas atuais. Ainda há, portanto, uma distância expressiva para ficarmos no limite de 1,5°C.

Neste contexto de maior incerteza geopolítica, fragmentação e disrupção na ordem global vigente, como ter esperança nos resultados da COP30?

O primeiro fator de esperança vem da maior maturidade e consistência dos compromissos agora apresentados, bem como do reconhecimento honesto dos desafios existentes. Neste momento, é preciso ter a coragem de identificar as barreiras à implementação, até para poder trabalhar para mitigá-las. Por outro lado, é também urgente integrar compromissos climáticos à agenda de desenvolvimento econômico de cada país, o que vem sendo feito. Não se trata apenas de uma pauta climática, mas sim de uma agenda econômica e social, calcada em dados, ciência e tecnologia.

O segundo fator de esperança é a ênfase dada pela Presidência da COP à agenda voltada para a ação. Já não há mais espaço para grandes anúncios, os quais cedem espaço para que os diferentes atores mostrem claramente o que está sendo feito na prática. A chamada Agenda de Ação, com seus 30 eixos prioritários, é um legado desta COP. Trata-se de uma inovação, evidenciando a relevância e a importância dos atores à frente da implantação de diversas iniciativas, tais como cidades, empresas, sociedade civil e academia.

O terceiro fator de esperança advém dos avanços obtidos na transição energética. Como já escrevi nesta coluna, estimativas da Agência Internacional de Energia apontam para investimentos globais em energia de US$ 3,3 trilhões em 2025, com as tecnologias de baixo carbono atraindo o dobro do montante das fontes fósseis. Hoje, a energia solar consolidou-se como a principal fonte global de energia elétrica, superando o carvão. Quando combinada com baterias, a geração renovável representa uma solução de baixo carbono segura, confiável e competitiva, capaz de ancorar investimentos adicionais.

Não apenas a geração de eletricidade a partir de fontes renováveis ganha escala e competitividade, mas tecnologias que dela dependem também avançam em diferentes áreas. É o caso, por exemplo, da eletrificação da mobilidade: em 2025, um de cada 4 veículos vendidos globalmente será elétrico ou híbrido. Onde a eletrificação ainda não consegue ser viável comercial ou tecnicamente, os combustíveis sustentáveis cumprem um papel crescente. E aqui cabe novamente ilustrar o papel inovador do Brasil ao consolidar a relevância destes combustíveis na descarbonização de setores intensivos em energia. Sob o mote Belém 4x, espera-se o anúncio do compromisso global de quadruplicar a produção global de combustíveis sustentáveis, incluindo biocombustíveis.

O “mutirão” proposto pela Presidência da COP30 deve continuar para além da Conferência. Tal espírito de contribuição pode beneficiar-se de uma nova governança energética e climática, voltada à implementação e consciente da importância de engajar, além de produtores e consumidores, atores como ministros das Finanças, instituições financeiras e entes subnacionais.

Assim, termino este artigo com um sentimento de esperança realista. Esperança em nossa capacidade de criar espaços de diálogos, de reafirmar nosso compromisso na busca conjunta de soluções, abrigando características regionais distintas, múltiplas tecnologias e horizontes temporais compatíveis com a ciência e a realidade de cada país. Realista por entender que a jornada é complexa e repleta de obstáculos, mas que, com base em ciência, diálogo honesto e esforço coletivo, é possível superá-los. Manter a consistência no rumo certo é necessário, lembrando que não há tempestade que dure para sempre - vamos em frente!

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