Valor Econômico
Enquanto o mundo se reúne em Belém para
salvar o planeta do aquecimento global, governo brasileiro dá bilhões para
empresas fabricarem ar-condicionado em Manaus
Uma das metas do governo Lula na COP30 é
arrecadar pelo menos US$ 10 bilhões junto a países e ao setor privado para o
Fundo Florestas Tropicais para Sempre, instrumento para financiar projetos que
mantenham florestas em pé para combater o aquecimento global.
A iniciativa tem grandes méritos, não há
dúvidas. Mas a verdade é que o próprio governo brasileiro, todos os anos, abre
mão de um volume muito maior de recursos para que empresas mantenham, no
coração da Amazônia, um modelo de negócios poluente e - o que é pior - que
lucra com o aumento geral de temperatura.
A decisão de explorar petróleo na Margem Equatorial não é a única contradição na postura brasileira enquanto preside a COP30. A manutenção da Zona Franca de Manaus (ZFM), um pesado conjunto de incentivos tributários para a produção industrial na capital do Amazonas, não faz nenhum sentido do ponto de vista da sustentabilidade.
Criada por Juscelino Kubitschek em 1957 e
implantada efetivamente em 1967, já no governo do general Castello Branco, a
Zona Franca foi concebida com o objetivo de promover a ocupação amazônica por
meio da atração de fábricas para Manaus. Para tanto, o governo federal isenta
de impostos a importação e a aquisição de insumos e máquinas, reduz o imposto
de renda e premia com créditos presumidos e depreciação acelerada as empresas
que instalam unidades na região.
A Receita Federal estima em R$ 30,5 bilhões o
volume de incentivos para a ZFM em 2025. Porém, desde que a legislação passou a
exigir que as próprias empresas informem o volume de benefícios que usufruem,
descobrimos que o montante é muito superior. De acordo com os dados da
Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades de Natureza
Tributária (Dirbi), 2.826 pessoas jurídicas reconhecem terem recebido, entre
janeiro de 2024 e fevereiro de 2025, um total de R$ 72,12 bilhões em benesses
tributárias para produzirem na Zona Franca. De acordo com a cotação do dólar da
sexta-feira, 7, (R$ 5,35), isso representa US$ 13,5 bilhões - mais do que o
Brasil espera coletar para o fundo de florestas tropicais na COP.
Embora os incentivos da ZFM tenham sido capazes
de atrair grandes empresas brasileiras e multinacionais para produzir na região
amazônica, criando empregos e um ecossistema de pequenos e médios fornecedores,
certamente o retorno social poderia ser muito maior diante de seu custo
bilionário, inclusive em termos de sustentabilidade.
Concebida numa época em que o volume de
emissões não era (como ainda não é) um fator determinante na elaboração de
projetos produtivos, o modelo da Zona Franca é uma grande usina de geração de
gases poluentes. Por estar distante dos demais elos da cadeia produtiva, as
empresas instaladas nos distritos industriais de Manaus adquirem insumos e
peças provenientes de lugares distantes (inclusive do exterior) para serem
montados e depois remetidos para os centros consumidores, localizados
igualmente em regiões bastante afastadas de lá (a maior parte no Centro-Sul do
Brasil). Ou seja, o Estado brasileiro renuncia a dezenas de bilhões de reais
todos os anos para que empresas montem seus produtos em Manaus, com baixo valor
agregado localmente e elevados custos de transporte e emissões de carbono.
Quando se analisa o rol de empresas
beneficiadas pelos incentivos da ZFM, percebe-se também que elas não guardam
nenhuma consonância com os objetivos de desenvolvimento sustentável tão repetidos
nas COPs e nem com a vocação regional.
Analisando apenas os 12 CNPJs que deixaram de
pagar mais de R$ 1 bilhão em tributos em 2024 (ver infográfico), temos duas
fabricantes de motos (Honda e Yamaha), uma produtora de circuitos eletrônicos
(Foxconn) e uma indústria de concentrados para a Coca-Cola (Recofarma). As
outras empresas são produtoras de eletrodomésticos (Samsung, LG, Climazon,
Philco, Semp, Elgin, Gree e Electrolux), com destaque em seu portfólio para a
produção de aparelhos de ar-condicionado.
Pode parecer piada, mas o governo brasileiro,
que pretende liderar o mundo contra o aquecimento global, dá bilhões de
incentivos todos os anos para empresas produzirem equipamentos de refrigeração
em plena Amazônia.
Se o governo Lula está realmente preocupado
com a conservação da floresta em pé, poderia tomar a iniciativa de atualizar a
política da ZFM, dado que ela foi prorrogada até 2073.
Um bom compromisso unilateral a ser feito
após a COP30 poderia ser realizar um desmame gradual dos benefícios para a
velha indústria poluente instalada em Manaus e a sua conversão para atividades
sustentáveis que explorem a bioeconomia e as imensas potencialidades da
floresta na região amazônica.

Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.