Correio Braziliense
A conferência é estratégica
para a integração dos países da Bacia Amazônica: Brasil, Colômbia, Peru,
Bolívia, Equador, Venezuela, Guiana e Suriname. Essas nações abrigam 60% das
florestas tropicais do planeta
A ausência dos presidentes Donald Trump e Xi
Jinping na COP30, em Belém, destacou ainda mais o protagonismo do Brasil e da
Amazônia no debate climático global. A conferência reposiciona a floresta não
apenas como patrimônio natural, mas como ativo estratégico, essencial para a
estabilidade climática e a sobrevivência dos ecossistemas do planeta. Pela
primeira vez, a Amazônia ocupa o centro político de uma cúpula mundial não como
símbolo de vulnerabilidade, mas como valor ambiental e civilizatório.
A floresta amazônica concentra cerca de 20% da água doce superficial do planeta. É responsável por grande parte da reciclagem de chuvas na América do Sul e abriga uma das maiores reservas de biodiversidade da Terra. Ao transformar a Amazônia em tema central da COP30, o Brasil assume o papel de guardião de um bem comum global, redefinindo o equilíbrio entre soberania e responsabilidade planetária.
Não haveria melhor forma de uma inevitável
internacionalização da nossa “hileia”, para usar a expressão do alemão Alexander
von Humboldt, ao descrever a imensa floresta equatorial. Em fevereiro de 1800,
ao explorar o curso do Rio Orinoco, em viagem que durou quatro meses e cobriu
2.750 km de uma terra selvagem e inóspita, o geógrafo, polímata, naturalista,
explorador e filósofo romântico prussiano, partindo da Venezuela, descobriu a
existência de uma comunicação entre os sistemas hidrográficos do Orinoco e do
Rio Amazonas — o canal Casiquiare.
A COP30 é estratégica para a integração dos
países da Bacia Amazônica: Brasil, Colômbia, Peru, Bolívia, Equador, Venezuela,
Guiana e Suriname. Essas nações abrigam 60% das florestas tropicais do planeta.
A proposta brasileira de tratar a Amazônia como um bioma continental e um
sistema econômico integrado, com base em ciência, inovação e cooperação
transfronteiriça, representa uma nova agenda para o desenvolvimento sustentável
da região.
O Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF
em inglês), lançado na Cúpula de Líderes, simboliza essa virada. Com aportes
iniciais de Noruega (US$ 3 bilhões), Indonésia (US$ 1 bilhão), Brasil (US$ 1
bilhão) e adesões anunciadas de Alemanha, Portugal e Holanda, propõe um novo
paradigma: pagar pela floresta em pé, tratando a preservação como valor
econômico, e não custo. Essa é a base de uma “renda florestal global”, que
reconhece o papel dos países tropicais na regulação do clima e na absorção de
carbono.
O discurso do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, ao citar o mito ianomâmi de “sustentar o céu”, deu o tom simbólico e
épico à conferência, iniciada ontem. A metáfora, inspirada no livro A Queda do
Céu, de Davi Kopenawa e Bruce Albert, traduz a ideia de que a humanidade só sobreviverá
se sustentar o equilíbrio entre civilização e natureza. A referência a povos
originários e ribeirinhos recoloca o conhecimento tradicional como parte da
solução, e não como resquício do passado.
Sul Global
Para as populações amazônicas e comunidades
ribeirinhas, o novo fundo e os compromissos internacionais podem significar
remuneração por serviços ambientais, inclusão em cadeias produtivas
sustentáveis (açaí, pesca artesanal, biocosméticos, fármacos) e ampliação de
políticas públicas voltadas à educação ambiental, saúde e acesso à tecnologia.
O fortalecimento da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA),
articulado pela diplomacia brasileira, também pode ampliar o combate ao
desmatamento, investimentos em bioeconomia e preservação dos povos indígenas.
Os países amazônicos querem destacar em bloco o valor ambiental e social de
suas florestas junto às nações desenvolvidas.
As críticas dos presidentes Gabriel Boric
(Chile) e Gustavo Petro (Colômbia) à ausência de Trump, e ao negacionismo
climático dos Estados Unidos, destacaram a crise de liderança global. Lula
adotou um tom mais moderado, mas criticou o que classificou como “forças
extremistas” que estariam atuando contra o combate às mudanças climáticas.
Os EUA são o segundo maior emissor individual
de gases de efeito estufa. Apesar disso, Trump anunciou, em janeiro deste ano,
que os EUA deixariam de fazer parte do Acordo de Paris, firmado em 2015 e
considerado a espinha dorsal do regime de combate às mudanças climáticas em
escala global.
A saída dos EUA do acordo tem sido vista como
um elemento que enfraquece a capacidade do planeta de implementar medidas para
reduzir as emissões de gases. Enquanto potências se retraem, países do Sul
Global, liderados pelo Brasil, assumem o protagonismo moral da transição
ecológica. A ausência de Xi Jinping também reforça a percepção de que as
soluções dependerão menos de acordos formais entre superpotências e mais da
ação coordenada entre economias emergentes e sociedades civis ativas.
A escolha de Belém para sediar a COP30 também
é um encontro do oficial com o real. Porta de entrada da Amazônia e berço de
culturas híbridas, a cidade pode ser o laboratório de um novo modelo de
desenvolvimento, onde bioeconomia, saber tradicional e inovação tecnológica se
encontram, com ampla participação da comunidade científica local e a cultura
milenar dos povos da floresta.
No coração da Amazônia, um mundo dividido
entre o ceticismo e a urgência climática busca novos consensos. A floresta
amazônica é um eixo civilizatório. O desafio, agora, é transformar compromissos
em ações permanentes.

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