Valor Econômico
Renan Calheiros e Eduardo Braga vêm tocando de ouvido, em uma parceria rara à política contemporânea
Vale redobrar a atenção para os recentes
acontecimentos no Senado, que dialogam com tempos remotos, na era pré-Davi
Alcolumbre (União-AP), em que o MDB era hegemônico, e dava as cartas na Casa
Alta do Parlamento. Salta aos olhos a atuação de uma dupla de veteranos
emedebistas, afinada como há tempos não se via na política nacional, cujas
entregas têm feito o Palácio do Planalto e o Ministério da Fazenda sorrirem.
A afinidade da dupla de senadores evoca exemplos de pares citados na música de Adriana Calcanhoto, como “avião sem asa, fogueira sem brasa, Buchecha sem Claudinho, Piu-piu sem Frajola, futebol sem bola...” Evoca o entrosamento de craques da bola como Pelé e Coutinho no Santos nos anos 60. Uma sintonia improvável se o jogo fosse futebol e não política, já que um deles é Botafogo, e outro é Fluminense, dois rivais encarniçados.
Estamos falando do presidente da Comissão de
Assuntos Econômicos (CAE), Renan Calheiros (MDB-AL), e do líder do MDB e
relator da reforma tributária, Eduardo Braga (AM), que vêm tocando de ouvido,
em uma parceria rara à política contemporânea. Renan foi quatro vezes presidente
do Senado, Braga foi governador do Amazonas e já reconduzido à liderança do
MDB; Renan foi ministro da Justiça, Braga foi ministro de Minas e Energia. Uma
dupla que soma experiência com estratégia, na era dos “influencers” políticos,
em que nem sempre a astúcia e o traquejo vencem a truculência e o grito.
Uma parceria à lá Vinícius & Tom Jobim,
Chitãozinho & Xororó, cujo resultado emblemático se deu em 24 de setembro,
quando a CAE aprovou, em decisão terminativa, o projeto de lei de autoria de
Braga isentando do Imposto de Renda (IR) os trabalhadores com renda até R$ 5
mil mensais. O relator foi Renan Calheiros, que dividiu os holofotes com seu
adversário figadal, o deputado Arthur Lira (PP-AL), relator da mesma matéria na
Câmara dos Deputados. O gesto da dupla ajudou o governo, ao pressionar pela
retomada da tramitação do projeto original do Executivo na Casa vizinha. No dia
da aprovação do PL de Braga, Renan cobrou a lentidão dos deputados, que gerava
“expectativas negativas quanto à tramitação” da matéria, que era de “grande
relevância para a correção de injustiças tributárias com as pessoas de menor
renda”.
Enquanto o governo pisava em ovos com Lira,
responsável pelo controle da cúpula da Caixa Econômica Federal, Renan
dilatou-se. Julgava inaceitável a demora na votação da principal aposta
eleitoral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O projeto, sem opositores,
levou quase 7 meses para ser votado na Câmara, onde chegou em 18 de março, e só
foi analisado pelo plenário em 1º de outubro, e aprovado à unanimidade dos
votos.
No Senado, onde também teve Renan como
relator, foi aprovado na CAE e no plenário nessa quarta-feira (5), e enviado à
sanção presidencial. A matéria é tão relevante que Lula considera capitalizar o
feito em pronunciamento em rádio e televisão, ainda não confirmado.
A sintonia fina Renan & Braga, à la
Scorsese & De Niro já foi reeditada. Como presidente da CAE, Renan nomeou
Braga para relatar o projeto de sua autoria que aumenta a tributação de “bets”
e fintechs. O texto propõe dobrar a taxação das plataformas de jogos online
para 24%, e aumentar a alíquota de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
(CSLL) das fintechs de 9% para 15%, ou de 15% para 20%. O projeto busca
compensar a renúncia fiscal provocada pela isenção do IR da pessoa física. A
votação está prevista para a segunda quinzena de novembro.
A digital da dupla também se reflete no
esforço para levar o debate da tributação das “bets” para a Medida Provisória
(MP) 1309, relativa ao programa Brasil Soberano, conforme informou o Valor. O presidente da Comissão
Mista da medida provisória, deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP), defendeu a
elevação dos impostos sobre as “bets”, e que o tema entre no relatório da MP,
que irá à votação no dia 11. O relator da proposta é o senador Fernando Farias
(MDB-AL), aliado de Renan.
Em outro exemplo da parceria à la Butch
Cassidy & Sundance Kid, Braga foi o autor da denúncia das “contas-bolsão”
ou “contas-ônibus”, utilizadas por fintechs junto a instituições bancárias, por
meios das quais o crime organizado consegue lavar dinheiro. Na CAE, Braga citou
relatório da Receita Federal, mostrando que R$ 50 bilhões teriam sido
manipulados por fintechs de forma ilegal. “Esse dinheiro não está no espaço
sideral, esse dinheiro está alocado dentro dos bancos e ele é movimentado
através de Pix”, cobrou o senador. O presidente do Banco Central (BC), Gabriel
Galípolo, e o chefe do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf),
Ricardo Saadi, foram convidados para comparecer à CAE no dia 25 para tratar do
problema.
Mais um exemplo da parceria Frank Sinatra
& Nelson Riddle foi a oposição à emenda constitucional (PEC) da Blindagem,
aprovada pelos deputados e enviada ao Senado. No dia 17 de setembro, Renan
afirmou que votaria contra a matéria, porque se fosse chancelada, “os
criminosos do PCC vão disputar mandatos em todo Brasil para vir buscar
impunidade no Congresso”. Um dia depois, como líder da bancada, Braga conseguiu
fechar questão no MDB. São dois artistas em tempos em que a mediocridade e o
amadorismo grassam na política.

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