sexta-feira, 7 de novembro de 2025

A dupla de craques em tempos de miséria política, por Andrea Jubé

Valor Econômico

Renan Calheiros e Eduardo Braga vêm tocando de ouvido, em uma parceria rara à política contemporânea

Vale redobrar a atenção para os recentes acontecimentos no Senado, que dialogam com tempos remotos, na era pré-Davi Alcolumbre (União-AP), em que o MDB era hegemônico, e dava as cartas na Casa Alta do Parlamento. Salta aos olhos a atuação de uma dupla de veteranos emedebistas, afinada como há tempos não se via na política nacional, cujas entregas têm feito o Palácio do Planalto e o Ministério da Fazenda sorrirem.

A afinidade da dupla de senadores evoca exemplos de pares citados na música de Adriana Calcanhoto, como “avião sem asa, fogueira sem brasa, Buchecha sem Claudinho, Piu-piu sem Frajola, futebol sem bola...” Evoca o entrosamento de craques da bola como Pelé e Coutinho no Santos nos anos 60. Uma sintonia improvável se o jogo fosse futebol e não política, já que um deles é Botafogo, e outro é Fluminense, dois rivais encarniçados.

Estamos falando do presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), Renan Calheiros (MDB-AL), e do líder do MDB e relator da reforma tributária, Eduardo Braga (AM), que vêm tocando de ouvido, em uma parceria rara à política contemporânea. Renan foi quatro vezes presidente do Senado, Braga foi governador do Amazonas e já reconduzido à liderança do MDB; Renan foi ministro da Justiça, Braga foi ministro de Minas e Energia. Uma dupla que soma experiência com estratégia, na era dos “influencers” políticos, em que nem sempre a astúcia e o traquejo vencem a truculência e o grito.

Uma parceria à lá Vinícius & Tom Jobim, Chitãozinho & Xororó, cujo resultado emblemático se deu em 24 de setembro, quando a CAE aprovou, em decisão terminativa, o projeto de lei de autoria de Braga isentando do Imposto de Renda (IR) os trabalhadores com renda até R$ 5 mil mensais. O relator foi Renan Calheiros, que dividiu os holofotes com seu adversário figadal, o deputado Arthur Lira (PP-AL), relator da mesma matéria na Câmara dos Deputados. O gesto da dupla ajudou o governo, ao pressionar pela retomada da tramitação do projeto original do Executivo na Casa vizinha. No dia da aprovação do PL de Braga, Renan cobrou a lentidão dos deputados, que gerava “expectativas negativas quanto à tramitação” da matéria, que era de “grande relevância para a correção de injustiças tributárias com as pessoas de menor renda”.

Enquanto o governo pisava em ovos com Lira, responsável pelo controle da cúpula da Caixa Econômica Federal, Renan dilatou-se. Julgava inaceitável a demora na votação da principal aposta eleitoral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O projeto, sem opositores, levou quase 7 meses para ser votado na Câmara, onde chegou em 18 de março, e só foi analisado pelo plenário em 1º de outubro, e aprovado à unanimidade dos votos.

No Senado, onde também teve Renan como relator, foi aprovado na CAE e no plenário nessa quarta-feira (5), e enviado à sanção presidencial. A matéria é tão relevante que Lula considera capitalizar o feito em pronunciamento em rádio e televisão, ainda não confirmado.

A sintonia fina Renan & Braga, à la Scorsese & De Niro já foi reeditada. Como presidente da CAE, Renan nomeou Braga para relatar o projeto de sua autoria que aumenta a tributação de “bets” e fintechs. O texto propõe dobrar a taxação das plataformas de jogos online para 24%, e aumentar a alíquota de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) das fintechs de 9% para 15%, ou de 15% para 20%. O projeto busca compensar a renúncia fiscal provocada pela isenção do IR da pessoa física. A votação está prevista para a segunda quinzena de novembro.

A digital da dupla também se reflete no esforço para levar o debate da tributação das “bets” para a Medida Provisória (MP) 1309, relativa ao programa Brasil Soberano, conforme informou o Valor. O presidente da Comissão Mista da medida provisória, deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP), defendeu a elevação dos impostos sobre as “bets”, e que o tema entre no relatório da MP, que irá à votação no dia 11. O relator da proposta é o senador Fernando Farias (MDB-AL), aliado de Renan.

Em outro exemplo da parceria à la Butch Cassidy & Sundance Kid, Braga foi o autor da denúncia das “contas-bolsão” ou “contas-ônibus”, utilizadas por fintechs junto a instituições bancárias, por meios das quais o crime organizado consegue lavar dinheiro. Na CAE, Braga citou relatório da Receita Federal, mostrando que R$ 50 bilhões teriam sido manipulados por fintechs de forma ilegal. “Esse dinheiro não está no espaço sideral, esse dinheiro está alocado dentro dos bancos e ele é movimentado através de Pix”, cobrou o senador. O presidente do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo, e o chefe do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Ricardo Saadi, foram convidados para comparecer à CAE no dia 25 para tratar do problema.

Mais um exemplo da parceria Frank Sinatra & Nelson Riddle foi a oposição à emenda constitucional (PEC) da Blindagem, aprovada pelos deputados e enviada ao Senado. No dia 17 de setembro, Renan afirmou que votaria contra a matéria, porque se fosse chancelada, “os criminosos do PCC vão disputar mandatos em todo Brasil para vir buscar impunidade no Congresso”. Um dia depois, como líder da bancada, Braga conseguiu fechar questão no MDB. São dois artistas em tempos em que a mediocridade e o amadorismo grassam na política.

 

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