quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Crítica de Haddad ao Banco Central não ajuda nem o governo, por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Ministro da Fazenda agora prega corte de juros como qualquer político do governo

Selic não cai tão cedo e, se caísse agora, causaria tumulto ruim também para Lula 3

No Banco Central, o ministro Fernando Haddad (Fazenda), daria um talho da Selic, pois taxa real de juros de 10% ao ano "não se sustenta", afirmou nesta terça. Não se sustenta, é verdade. Dá em aumento ainda mais descontrolado da dívida pública, crescimento menor da economia, aumento ou estagnação da desigualdade de renda etc. É óbvio.

Supõe-se então que o ministro acredite no seguinte: se a direção do BC diminuir a taxa Selic nesta quarta, não haverá efeito colateral, prejuízo para a atividade econômica. Ou, então, tais efeitos seriam menores do que os custos de manter a Selic no nível em que está.

Mesmo que alguém pudesse acreditar nesse balanço positivo de perdas e ganhos, o problema nem é esse. Dados o nível de inflação, a inflação esperada para 2027 (3,8%, meta de 3%) e o descrédito dos credores no controle do tamanho da dívida e na moeda brasileira, BC não vai cortar a Selic. Nem mudar a meta de inflação, "na prática" —não agora.

Mas suponha-se que a direção do BC, submetida a lavagem cerebral, decidisse dar uma mãozinha eleitoral a Lula 3 e passasse a baixar a Selic. Ainda que não acontecesse mais nada depois de tal decisão, uma hipótese "tudo mais constante" desvairada, o corte da Selic pouco efeito teria no desempenho econômico do ano que vem. Não seria nem pragmático, assim como seria contraproducente elevar ainda mais o gasto.

Mas isso tudo é conversa doida. Na hipótese de lavagem cerebral bem-sucedida, essa dobradinha BC-governo teria como resultado alguma fuga do real, "alta do dólar", e um aumento de taxas de juros para todos os demais prazos (a Selic é uma taxa de curtíssimo prazo).

Os donos do dinheiro grosso que não dessem o fora cobrariam mais para emprestar ao governo, ainda deficitário e que precisa tomar mais empréstimos a fim de pagar a conta de juros. É óbvio.

Então, supõe-se que o governo queira fazer "hedge" político-eleitoral (proteção contra a potencial "desvalorização" da carteira de votos governista). Se o desaquecimento da economia for maior do que ora se espera, se o salário médio parar de subir, se houver menos emprego novo, o bode expiatório seria o BC. Cola? Atribuir à política monetária um aumento de mal-estar (que aliás deve ser marginal) vai render voto extra de quem, da massa do povo?

Ainda que se tratasse de "hedge" político bem-sucedido, também essa operação teria custo. Se o governo acredita que a inflação está controlada e que a taxa de juros não tem influência na compensação do descrédito financeiro do governo, isso tem custo de reputação —a inflação está entre 4,5% e 5% ao ano e o déficit externo é grande e crescente, sinais de economia inflacionada. Isso para começar.

Para continuar, a atitude do ministro reforça suspeitas, exageradas, de que o governo pisaria ainda mais no acelerador do gasto a fim de dar um gás ao PIB no ano eleitoral. Tem gente pesada na praça do mercado que acha possível até o governo aparecer com um projeto de "tarifa zero" (subsidiar transporte público) já no ano que vem. Pois é.

Lula 3 poderia ajudar a antecipar o corte da Selic (e das taxas do mercado) com um plano de contenção de gasto. Não vai acontecer, é óbvio. O governo dá até agora dribles no arcabouço fiscal. Terá mais déficits, a perder de vista. Em anos de crescimento bom de PIB e receita, a dívida pública vai subir de 72% do PIB para uns 83% sob Lula 3.

O que quer o governo com essa conversa de juros do BC?

 

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