Escrevi uma vez que a Literatura vai além da própria Literatura, incorporando todas as esferas da vida. No Brasil, o melhor da nossa Literatura pode até não ter um conteúdo panfletário – e eu penso que não tem –, mas é uma cultura de resistência, no sentido de mergulho na nossa identidade e nos impasses promovidos pelas nossas mazelas sociais. Isto é, ela pode ser apreendida a partir de sua dimensão social, estética, ou, ainda do seu caráter experimental e de seus aspectos regionais. E pode ser até a soma disso tudo, enquanto expressão profunda de cada um de nós. Eu vejo a Literatura quase como um complemento da Biologia: ela é uma história de vida. Há algum tempo conheci a palavra guarani tekoporã, que significa algo como “viver com beleza” (de tekó, modo próprio de ser ou cultura, e porã, beleza, o bem).
Literatura é isso: uma vida em coletividade, com beleza. Daí a sua grandeza e importância em nossas existências. A Literatura busca a verdade, mas de uma maneira própria: pelo belo. Essa é a sua forma de integração ao mundo e de interpretá-lo. O belo como o elo com o mundo. A realidade sintetizada em palavras.
Em Literatura o quê e o como se
entrelaçam. Conforme asseverou o búlgaro Tzvetan Todorov, “as inovações
trazidas pela abordagem estrutural nas décadas precedentes são bem-vindas com a
condição de manter sua função de instrumentos, em lugar de se tornarem seu
objetivo próprio”. Nesse sentido, todo livro tem de ser contextualizado para
ser de fato assimilado como objeto de cultura. Do mesmo modo, devemos perceber
o peso da subjetividade na Arte. Ou o poeta Ferreira Gullar não escreveu certa
vez que a Arte era o nosso “dentro lá fora”? E poderíamos completar: é o lado
de fora cá dentro também. Ou seja, tem a parte de dentro e a parte de fora.
Exame interno e exame externo ou linguagem interna e realidade externa.
Reforçando: a realização artística, interna, só adquire seu real significado
por intermédio do seu contato com a realidade externa. É preciso equilibrar
essas duas realidades para se atingir a condição artística. A ruptura desse
equilíbrio pode levar à ruptura com a própria relação com o mundo circundante,
a realidade. Esse é o caso do formalismo. No polo oposto, temos a
instrumentalização da Arte, para efeito religioso ou político. Nem tanto ao céu
nem tanto ao mar.
Não há discurso mais medíocre do que a
afirmação de que a Literatura se refere apenas a si mesma.
Aprendi, pela leitura dos ensaios críticos de
Agripino Grieco, Alceu Amoroso Lima, Astrojildo Pereira, Augusto Meyer, Brito
Broca, Cecília Meireles, Eduardo Frieiro, Franklin de Oliveira, José Paulo
Paes, Léo Gilson Ribeiro, Mário de Andrade, Nelson Werneck Sodré e Otto Maria
Carpeaux que o importante mesmo é o amor que dedicamos aos livros. Todos esses
estudiosos, que tanta falta fazem à nossa cultura hoje, revelavam ademais um
verdadeiro prazer em divulgar suas impressões a propósito do que liam,
colocando o foco na percepção da obra. Na pluralidade de seus pontos de vista,
entenderam que o objeto da Literatura é a condição humana. E que a Literatura
não pode nunca, sob pena de se destruir, ser reduzida a um mero exercício
formal. É preciso que ela participe do debate de ideias, dos embates envolvendo
o pensamento. Não por acaso, exerceram a crítica literária em um período em que
o Brasil possuía um projeto de nação. O método de abordagem de uma obra – e
eles são numerosos – vale como um meio e não um fim para a sua compreensão.
Em outras palavras, o que conta mesmo é
o sentido da obra. A Literatura existe para nos fazer conhecer o ser
humano e o mundo que o cerca. Somente isso – ou melhor: tudo isso. O escritor
português Miguel Torga percebeu isso com uma acuidade extraordinária quando
escreveu que “a maior desgraça que pode acontecer a um artista é começar pela
literatura, em vez de começar pela vida”.
Os estudiosos citados acima foram
responsáveis, em boa medida, por minha iniciação a uma leitura de qualidade. O
mesmo digo de Ênio Silveira, cuja editora Civilização Brasileira era uma
verdadeira fábrica de conhecimentos, colocando o Brasil em contato com o que a
cultura tinha de melhor, dentro e fora do país. Naturalmente, os escritores
foram centrais para que eu desenvolvesse meu interesse pelos livros, a começar
por Monteiro Lobato, que fez de mim um leitor.
A Literatura é um Humanismo. Despertei para a
leitura em minha casa, com as centenas de livros que meu pai colocou à
disposição de todos nós. “O mundo inteiro é feito como a nossa família”,
vaticinou certa vez Pascal, e com toda razão. Com a família aprendemos as
lições fundamentais da vida, a começar pela palavra. Como os homens, a palavra
é ao mesmo tempo única e coletiva, uma vez que só faz sentido quando integra um
determinado conjunto, ou seja, a frase.

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