O Globo
Lista imensa de choques não é boa para nenhum
dos lados, menos ainda para um país com tantas urgências, da segurança à
estabilidade fiscal
A facilidade de arregimentar maiorias e impor
derrotas, algumas delas amargas, ao governo pode dar aos presidentes da Câmara
e do Senado a impressão de que saem vitoriosos dos embates, mas a conta de
perdas e ganhos com a manutenção desse ambiente não é tão simples como parece.
A rebordosa da PEC da Impunidade deveria ter
ensinado a deputados e senadores, ainda mais às vésperas de ter de ir pedir
votos nas suas bases, que há um limite que a sociedade está disposta a aceitar
para conchavos, defesa de pautas corporativistas e descaso com temas como meio
ambiente, justiça tributária e combate à impunidade.
As operações recentes da Polícia Federal em parceria com a Receita Federal têm explicitado as relações nada republicanas de empresários envolvidos em toda sorte de delinquências com cabeças coroadas do Parlamento.
Essas conexões resultaram em aprovação de
emendas parlamentares e apresentação de projetos de lei sob medida para facilitar
seu trânsito e suas operações de altíssima alavancagem. Expoentes da elite do
Congresso eram homenageados, transportados em jatinhos e bajulados por nomes
como Daniel Vorcaro, do Master, e Ricardo Magro, do Grupo Fit (a Refit depois
de uma tentativa de retrofit de imagem).
Se é verdade que as derrotas impostas ao
governo por Hugo Motta e Davi Alcolumbre evidenciam a incapacidade de Lula de
compor maioria e dialogar com o Legislativo, e isso pode ter custo eleitoral,
também é verdade que a contraposição entre as pautas-bombas e as maldades que
eles impingem ao Executivo e a evidência de que a PF tem fechado o cerco a
amigos próximos ao grupo desses mesmos dirigentes é bastante negativa para o
Congresso.
Mais: a engenharia sofisticada de sonegação
fiscal, evasão de divisas e lavagem de dinheiro demonstrada em todas essas
recentes operações acaba funcionando como endosso retroativo à insistência da
equipe econômica comandada por Fernando Haddad em taxar fundos exclusivos e
offshore e, mais recentemente, obrigar o óbvio: a necessidade de que todos os
titulares de fundos tenham de declarar seu CPF.
Nem todos os fundos exclusivos e offshore são
veículos para malfeitos. Mas havia uma evidente brecha que vinha sendo usada
por criminosos. E, além disso, a taxação é justa para todos, inclusive os que
operam dentro da legalidade.
Diante dos valores estarrecedores de
sonegação em apenas um caso, a Refit, fica impossível justificar a atuação em
plena luz do dia de várias bancadas, do Centrão à direita, contra a votação do
projeto que pune o devedor contumaz. A aberração dessa postura, e da demora de
Hugo Motta em pautar a matéria, ficou ainda mais evidente quando ficou claro
que a defesa da matéria uniu Lula e Tarcísio de Freitas, tamanha sua urgência.
Não é tão ruim para o governo aparecer como
derrotado em batalhas em que está do lado da PF e da taxação dos ou muito ricos
ou sonegadores, enquanto o Congresso usa vários subterfúgios para blindá-los. É
um dos casos em que a vitória pode significar desgaste para a cúpula do
Legislativo.
A mesma coisa em relação à derrubada, por
arrastão, dos vetos de Lula que visavam a proteger a legislação de
licenciamento ambiental da terra arrasada promovida pela Câmara e pelo Senado.
O desgaste de imagem fica todo para o Congresso — que não está nem aí, pelo
menos até o Brasil começar a sofrer as consequências econômicas por afrouxar os
controles ambientais no momento em que mercados como Europa e até China cobram
isso mais fortemente.
O governo erra ao subir no salto toda vez que
tem alguma lufada de aumento de popularidade, como na barbeiragem da indicação
de Jorge Messias sem combinar com o Senado. Mas o Congresso dobra o erro quando
usa essa desculpa para pisar no acelerador das pautas-bombas e da defesa de
interesses inconfessáveis. Parece óbvio que essa lista imensa de embates não é
boa para nenhum dos lados, menos ainda para um país com tantas urgências, da
segurança à estabilidade fiscal.

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