O Estado de S. Paulo
O Brasil não precisa de um Estado produtor ou
controlador. Precisa de um Estado que funcione como regulador competente
O recrudescimento de posições extremistas da
direita mundial e brasileira tem produzido uma nova onda de demonização da
presença do Estado na economia. O clima de radicalização que, infelizmente,
suprime o debate sobre o futuro do País tem produzido uma esquerda que acredita
demais na capacidade de o Estado, sozinho, promover desenvolvimento e justiça
social.
É verdade que o Brasil viveu duas realidades
bem distintas, em sua história, com respeito ao papel do Estado no
desenvolvimento. Sua presença ativa foi decisiva para o desenvolvimento
industrial, para a garantia dos insumos de uso generalizado e para a organização
de um tecido social com um espectro abrangente de rendas e qualificações para o
trabalho.
O Estado atuou como agente fomentador, empresário e árbitro das relações econômicas, promovendo setores estratégicos e canalizando recursos para atividades prioritárias. Esse protagonismo foi especialmente relevante devido à industrialização tardia do País, à ausência de instituições maduras e à dependência de capitais estrangeiros.
Num mundo onde estávamos claramente em
desvantagem produtiva e social, o Estado brasileiro conseguiu articular a
presença do capital estrangeiro, abrir espaços para o capital nacional e
garantir a infraestrutura necessária. O case de sucesso foi a implantação da
indústria automobilística: conhecimento e capital do exterior, capital nacional
nas autopeças e redes de comercialização e infraestrutura viária articulada
pelo investimento público.
É necessário, no entanto, compreender o mundo
em transição, em que a cada contexto econômico e social cabe um Estado com
determinadas estruturas e tarefas. De fato, essa foi uma transformação que o
Estado brasileiro ainda tenta compreender. E talvez esse seja um dos maiores
problemas do País.
Muitas coisas têm sido feitas. Concessões e
parcerias com o setor privado têm avançado e proporcionado um salto em algumas
áreas. Vale destacar as estradas de rodagem – primeiro grande objeto das
concessões. Depois, as telecomunicações, na forma de privatização com aparato
regulador e as Parcerias Público-Privadas (PPPs), com casos de grande sucesso
em toda a administração pública.
A participação direta do Estado já é algo do
passado. Mas isso não significa que menos Estado seja uma opção. Ao contrário,
num mundo muito mais complexo, a capacidade do Estado regular a vida econômica
e social passa a ser essencial para que a credibilidade nas instituições se
mantenha. O Estado é a essência dos mecanismos garantidores da justiça social,
geralmente por meio de suas contas.
A expressão “regular a vida econômica e
social” não significa controlar ou estatizar relações entre os agentes
privados. Ao contrário, regular é garantir que todos sigam as regras. Os
últimos dias tornaram público um caso que merece reflexão.
O Banco Master foi liquidado, uma medida
acertada. No entanto, a fragilidade das operações da instituição era conhecida
de todos há anos. Nem precisaríamos de um grande aparato fiscalizatório do
Banco Central para identificar o problema.
Faz muito tempo que o Banco Master oferece
rendimentos de 140% do CDI em seus papéis. Tomando as taxas de hoje, com uma
taxa Selic nominal de 15%, o Master pagaria algo como 21%. Para uma inflação de
4,5% a 5,0% ao ano, a taxa de juro real oferecida pelo Master seria de mais de
15% ao ano.
Não posso deixar de registrar que não há como
explicar que a fiscalização não atentasse para o fato. No mínimo pela
curiosidade de saber a quem o Master emprestava. Afinal, para pagar esse
rendimento, ele deveria financiar atividades altamente lucrativas. O Estado,
que deveria regular e fiscalizar, por meio de sua Autoridade Monetária, pouco fez
até que o fato político da fusão com o BRB virasse manchete. Estranho que o BC,
nesse caso, tenha abdicado de suas atribuições no controle da liquidez do
sistema.
No mundo privado, os assessores para
investimento sempre desconfiaram do Master, mas indicavam a compra de seus
papéis, afinal o investidor poderia contar com o Fundo Garantidor de Crédito
(FGC) para investimentos de até R$ 250 mil. E ele, assessor, poderia levar uma
ótima comissão. O FGC é um instrumento para garantir o investidor contra surpresas
do mercado, não é um seguro para pessoas lucrarem muito além do que o mercado
normal paga, sem risco. Um absurdo que não tem nome.
Por absurdo, esse trenzinho de horrores do
fracasso da regulação do novo Estado encontrou-se com a ação direta do velho Estado.
Fundos de Previdência de Estados e municípios enterram as poupanças de seus
servidores em papéis do Master e um banco estatal resolveu “salvar” a
desastrada aventura privada. Pior, o Congresso quase votou a quadruplicação do
limite de cobertura do FGC, numa manobra que ficou conhecida como Emenda
Master.
O Brasil não precisa de um Estado produtor ou
controlador. Precisa de um Estado que funcione como regulador competente: que
não proteja o dinheiro de quem aposta, mas garanta que as regras do jogo valham
para todos. •

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