quinta-feira, 27 de novembro de 2025

Estado demais, Estado de menos, por José Serra

O Estado de S. Paulo

O Brasil não precisa de um Estado produtor ou controlador. Precisa de um Estado que funcione como regulador competente

O recrudescimento de posições extremistas da direita mundial e brasileira tem produzido uma nova onda de demonização da presença do Estado na economia. O clima de radicalização que, infelizmente, suprime o debate sobre o futuro do País tem produzido uma esquerda que acredita demais na capacidade de o Estado, sozinho, promover desenvolvimento e justiça social.

É verdade que o Brasil viveu duas realidades bem distintas, em sua história, com respeito ao papel do Estado no desenvolvimento. Sua presença ativa foi decisiva para o desenvolvimento industrial, para a garantia dos insumos de uso generalizado e para a organização de um tecido social com um espectro abrangente de rendas e qualificações para o trabalho.

O Estado atuou como agente fomentador, empresário e árbitro das relações econômicas, promovendo setores estratégicos e canalizando recursos para atividades prioritárias. Esse protagonismo foi especialmente relevante devido à industrialização tardia do País, à ausência de instituições maduras e à dependência de capitais estrangeiros.

Num mundo onde estávamos claramente em desvantagem produtiva e social, o Estado brasileiro conseguiu articular a presença do capital estrangeiro, abrir espaços para o capital nacional e garantir a infraestrutura necessária. O case de sucesso foi a implantação da indústria automobilística: conhecimento e capital do exterior, capital nacional nas autopeças e redes de comercialização e infraestrutura viária articulada pelo investimento público.

É necessário, no entanto, compreender o mundo em transição, em que a cada contexto econômico e social cabe um Estado com determinadas estruturas e tarefas. De fato, essa foi uma transformação que o Estado brasileiro ainda tenta compreender. E talvez esse seja um dos maiores problemas do País.

Muitas coisas têm sido feitas. Concessões e parcerias com o setor privado têm avançado e proporcionado um salto em algumas áreas. Vale destacar as estradas de rodagem – primeiro grande objeto das concessões. Depois, as telecomunicações, na forma de privatização com aparato regulador e as Parcerias Público-Privadas (PPPs), com casos de grande sucesso em toda a administração pública.

A participação direta do Estado já é algo do passado. Mas isso não significa que menos Estado seja uma opção. Ao contrário, num mundo muito mais complexo, a capacidade do Estado regular a vida econômica e social passa a ser essencial para que a credibilidade nas instituições se mantenha. O Estado é a essência dos mecanismos garantidores da justiça social, geralmente por meio de suas contas.

A expressão “regular a vida econômica e social” não significa controlar ou estatizar relações entre os agentes privados. Ao contrário, regular é garantir que todos sigam as regras. Os últimos dias tornaram público um caso que merece reflexão.

O Banco Master foi liquidado, uma medida acertada. No entanto, a fragilidade das operações da instituição era conhecida de todos há anos. Nem precisaríamos de um grande aparato fiscalizatório do Banco Central para identificar o problema.

Faz muito tempo que o Banco Master oferece rendimentos de 140% do CDI em seus papéis. Tomando as taxas de hoje, com uma taxa Selic nominal de 15%, o Master pagaria algo como 21%. Para uma inflação de 4,5% a 5,0% ao ano, a taxa de juro real oferecida pelo Master seria de mais de 15% ao ano.

Não posso deixar de registrar que não há como explicar que a fiscalização não atentasse para o fato. No mínimo pela curiosidade de saber a quem o Master emprestava. Afinal, para pagar esse rendimento, ele deveria financiar atividades altamente lucrativas. O Estado, que deveria regular e fiscalizar, por meio de sua Autoridade Monetária, pouco fez até que o fato político da fusão com o BRB virasse manchete. Estranho que o BC, nesse caso, tenha abdicado de suas atribuições no controle da liquidez do sistema.

No mundo privado, os assessores para investimento sempre desconfiaram do Master, mas indicavam a compra de seus papéis, afinal o investidor poderia contar com o Fundo Garantidor de Crédito (FGC) para investimentos de até R$ 250 mil. E ele, assessor, poderia levar uma ótima comissão. O FGC é um instrumento para garantir o investidor contra surpresas do mercado, não é um seguro para pessoas lucrarem muito além do que o mercado normal paga, sem risco. Um absurdo que não tem nome.

Por absurdo, esse trenzinho de horrores do fracasso da regulação do novo Estado encontrou-se com a ação direta do velho Estado. Fundos de Previdência de Estados e municípios enterram as poupanças de seus servidores em papéis do Master e um banco estatal resolveu “salvar” a desastrada aventura privada. Pior, o Congresso quase votou a quadruplicação do limite de cobertura do FGC, numa manobra que ficou conhecida como Emenda Master.

O Brasil não precisa de um Estado produtor ou controlador. Precisa de um Estado que funcione como regulador competente: que não proteja o dinheiro de quem aposta, mas garanta que as regras do jogo valham para todos. •

 

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