terça-feira, 4 de novembro de 2025

Expectativa e dúvidas da COP, por Míriam Leitão

O Globo

A COP 30 só será um grande sucesso se definir um plano para eliminação dos combustíveis fósseis, considera Tasso Azevedo, do MapBioma

A queda das emissões de gases de efeito estufa do Brasil foi maior do que se esperava: 17% em 2024 comparado a 2023. Isso é outro trunfo que o país levará para Belém. O coordenador do MapBiomas, Tasso Azevedo, diz que é uma vitória importante, mas acredita que a COP30 só será um grande sucesso se dela sair um mandato para construir um roteiro para a eliminação gradual dos combustíveis fósseis. “Não sairemos dessa enrascada sem resolver os combustíveis fósseis.” O TFFF foi pensado inicialmente como um compromisso de doação da indústria do petróleo, mas acabou virando um fundo.

Tasso explicou a diferença. Idealizador do Fundo Amazônia, foi ele quem primeiro levou, em 2023, ao Ministério do Meio Ambiente a ideia da criação de um projeto de remunerar a floresta em pé. Na época, a proposta era fazer um acordo com as empresas produtoras de petróleo para que elas pagassem US$ 1 por barril para remunerar os países que preservassem suas florestas tropicais. Uma empresa como a Petrobras teria que doar algo perto de US$ 1 bilhão, pois produziu 900 milhões de barris no ano passado.

A ideia mudou totalmente e virou um fundo, o TFFF, Fundo Florestas Tropicais Para Sempre. Funcionará assim: o Banco Mundial vai administrar as doações iniciais de países e emitirá títulos que rendem 3% ao comprador. Com base nessa captação, o Bird emprestará em torno de 7% ao ano. A diferença entre o custo de captação — que pagará pouco porque lastreado por papéis triplo A —, e o retorno dos empréstimos vai render dinheiro suficiente para remunerar os países tropicais.

— O que foi pensado originalmente era pagar US$ 30 por hectare não desmatado. E haveria um sistema de incentivo e de desincentivo no mesmo instrumento. Ou seja, haveria um desconto punitivo para quem desmatasse. Mas como está formatado hoje, a remuneração não deve passar de US$ 4 por hectare. A questão é quem vai pegar empréstimo a esse custo? Quem é que paga 7%? Brasil, Turquia, Argentina, países em desenvolvimento. No fim, quem vai pagar a conta somos nós mesmos. Os governos ou empresas desses países é que vão pegar empréstimos com base nesse dinheiro. O mecanismo é superimportante, que bom que o fundo vai existir, mas é preciso entender melhor como ele funcionará. Da maneira como está desenhado é dinheiro nosso, dos países em desenvolvimento. Não é como havia sido pensado originalmente, um pledge, um compromisso, com a indústria do petróleo para que ela colocasse lá um dólar por barril. E o que é um dólar para este mercado? Num dia, numa tarde, o preço pode variar nesse valor — diz Tasso Azevedo.

O plano preliminar, disse ele, era captar dinheiro desses setores que estão poluindo demais, como a indústria do petróleo, e direcionar às florestas. No Golfo do México existe mecanismo parecido desde os anos 70 para financiar a proteção dos everglades da Flórida.

Tasso estava em Belém na semana passada e está de malas prontas para voltar para lá e ficar até o fim da Conferência. Perguntei o que seria uma COP bem-sucedida:

— Sucesso seria sair de lá com um mandato para, nos próximos dois, três anos, criar o roteiro, as regras e as metas para um phase out dos combustíveis fósseis. Para fazer o Acordo de Paris, houve um mandato para o acordo dois, três anos antes. Agora teria que ser essa eliminação aos poucos dos combustíveis fósseis. A gente pode quintuplicar em dois anos, multiplicar por 100 as energias renováveis, mas se não diminuir os fósseis, as emissões não caem. A não ser que as renováveis entrem substituindo os fósseis. O grande dilema do mundo é como cortar os combustíveis fósseis — diz o pesquisador.

O Brasil conseguiu reduzir suas emissões porque o desmatamento, a principal causa de emissão do país, caiu fortemente no governo Lula em relação ao anterior. A indústria aumentou em 2%, a eletricidade subiu 17% por causa do uso das termelétricas. Transportes caiu 1%.

Para o coordenador do MapBiomas, o Brasil tem todas as condições para propor essa diretriz do fim dos combustíveis porque o país tem soluções baseadas na natureza, está fazendo o dever de casa na redução da principal causa das emissões, é um grande produtor de petróleo, ou seja, tem o que perder. E tem uma diplomacia profissional que viabilizou a Rio92 e foi super importante para construir o Acordo de Paris.

 

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