Valor Econômico
Brasil tem 3% da população mundial e 10% dos
homicídios. Mesma desproporção dos mortos na pandemia. Um ajudou a derrotar
Bolsonaro, o outro, ameaça Lula
Com 3% da população mundial, o Brasil tem 10%
dos homicídios do planeta (Anuário Brasileiro de Segurança Pública). É
exatamente a mesma discrepância que se observou na proporção de mortes da
pandemia (OMC). O desprezo por este flagelo da covid-19 foi um dos motivos que
levou à derrota do ex-presidente Jair Bolsonaro. A leitura equivocada sobre o
impacto da violência na vida dos brasileiros coloca em pauta a reeleição do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Grande parte disso vem da percepção arraigada de que a origem da violência está na pobreza e desigualdade. A América Latina, região mais violenta do mundo, tem indicadores mais alarmantes do que países com renda per capita e desigualdade semelhantes (Banco Mundial). Esta percepção freou, até aqui, as tentativas de se adotar medidas mais duras contra o crime organizado.
As iniciativas estão no Congresso, com a PEC
da segurança e o PL antifacção, mas hoje impera o bate-cabeça sobre como o
governo pode se valer delas para recobrar a iniciativa. E não é apenas pelo
desconhecimento do que se passa na cabeça de metade dos eleitores do país que
não votaram em Lula, mas pela desconexão com seu próprio eleitor. Metade do
eleitorado lulista do Rio, segundo a Genial/Quaest, acredita que “facção
criminosa” deveria, sim, ser classificada como “terrorista”.
Já há, no governo, quem acredite não ser possível
barrar o projeto a ser relatado por Guilherme Derrite (PP-SP), o secretário de
Segurança de São Paulo que se licenciará para reassumir sua cadeira na Câmara.
Pode dar discurso para o governador Tarcísio de Freitas, se este decidir pela
disputa presidencial, e para si próprio se, neste caso, vier a ser escolhido
para disputar o Bandeirantes.
Caso esta perspectiva se confirme, e a Atlas
Intel mostrou um humor semelhante para o resto do país, a oposição ganha
discurso e esperança. Até mesmo na retomada da parceria com Donald Trump, que
pretende carimbar o crime organizado em todo o continente como terrorista e,
assim, intervir onde bem lhe convier. O FBI não fuzilou seus mafiosos a rodo
para acabar com a máfia. Com esta campanha de Trump pelo Nobel da Paz, suas
Forças Armadas continuam financiando guerras no mundo todo, mas só fuzilam
mesmo aqueles que moram ao sul de suas fronteiras.
A pesquisa não mostra uma chancela a
fuzilamentos. Ligeira maioria (50%) acredita que o policial que encontra uma
pessoa com um fuzil deve tentar prendê-lo, ante aqueles que defendem que atire
logo de cara (45%). Parece haver espaço para o argumento de que se fuzilamentos
são indesejáveis, que dirá aceitá-los em detrimento da soberania.
Foi preciso, porém, que este projeto ganhasse
tração na Câmara para que o governo, enviasse, finalmente, o projeto de lei das
“organizações criminosas qualificadas”, ou PL antifacção, ao Congresso. O texto
endurece o combate às facções em vários dispositivos. Permite o confisco de
bens sem decisão final da justiça. O réu é que terá que provar que os bens não
foram adquiridos com recursos ilícitos. Ainda possibilita a criação de CNPJ
fictício para infiltração nos negócios das facções, além da intervenção e
suspensão de contratos de empresas do crime organizado com o poder público.
Se aprovado, pode ter impacto até na apologia
ao crime porque milhares de jovens das periferias de grandes cidades que usam
tatuagem com as siglas PCC e CV para bombar nas baladas podem ser dissuadidos a
fazê-lo sob pena de serem enquadrados como integrantes de facções.
Nem tudo que foi proposto pelo grupo
constituído pelo Ministério da Justiça para elaborar o anteprojeto foi adiante.
Mantiveram-se por exemplo, benefícios como progressão continuada ou liberdade
condicional para a execução de penas de criminosos condenados por integrar
facções. Rejeitou-se, ainda, a previsão de cumprimento de pena no Regime
Disciplinar Diferenciado para líderes. No apagar das luzes foi incluído o termo
“facção criminosa” para melhor compreensão do que venha a ser este tipo penal
da “organização criminosa qualificada”.
O governo investe ainda no desmonte das
receitas das facções com a abertura do que o ministro Ricardo Lewandowski
chamou de “macroinquérito” da PF. E conta com o ministro Alexandre de Moraes
para acompanhar o cumprimento da decisão sobre a ADPF das favelas. A população
entende do traçado. Mais de 80% concordam com a percepção de que os
responsáveis pelo poder das facções estão em bairros ricos, e não nas favelas.
Apenas 20 dos 90 com mandado de prisão foram
detidos no Rio. Outros 43 foram mortos. Como 54 conseguiram se safar ninguém
sabe, ninguém viu. Ainda assim, a maioria acredita que a operação foi
bem-sucedida. Enquanto esse sucesso não for desmontado, pelas evidências de que
as facções já voltaram a dominar a região, as iniciativas que podem desaguar no
envolvimento do governador correm o risco-bumerangue.
As iniciativas governistas ainda carecem de
um problema para angariar o apoio da opinião pública. O bolsonarismo sem Bolsonaro
recobrou uma bandeira no momento em que o ex-presidente está a caminho do
xadrez porque virou o desaguadouro do antilulismo. Lula não tem como encampar
esta investida. Tanto sabe disso que se mandou para o Pará no domingo e só
volta depois da COP30. Lewandowski tampouco preenche os requisitos de um
garoto-propaganda. É só o que não falta do outro lado.

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