segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Inflação e mercado de trabalho, por Benito Salomão

Correio Braziliense

No processo de desinflação do Brasil, um fato chama a atenção: essa queda tem se dado simultaneamente a reduções consecutivas da taxa de desemprego

É conhecido por todos que a economia brasileira vem passando por um duro processo inflacionário, desde a saída da pandemia. Apenas recentemente, diante de contínuas quedas nas taxas de inflação, houve a convergência para a meta. Porém, nesse processo de desinflação, um fato chama a atenção: essa queda tem se dado simultaneamente a reduções consecutivas da taxa de desemprego.

A inflação é um dos fenômenos macroeconômicos mais difíceis de interpretar, e os economistas divergem sobre as suas causas. Uma interpretação desse fenômeno se deve a Alban Phillips, que estudou nos anos 1950 a inflação para o Reino Unido e verificou que, quando o desemprego caía, a inflação acelerava, e vice e versa. Em suma, haveria uma relação inversa na relação entre desemprego e inflação que ficou conhecida como Curva de Phillips.

O canal de transmissão de um desemprego baixo para uma inflação elevada seria exatamente o salário. Economias com desemprego baixo — como a brasileira — geram acirramento da concorrência entre as firmas por trabalhadores, isso as torna mais propensas a pagarem salários maiores, pressionando seus custos que serão consequentemente transmitidos aos preços.

Inúmeras consequências em termos de política econômica surgem dessa interpretação da inflação. A mais conhecida é a necessidade de uma política monetária bastante dura para lidar com o problema. Ou seja, se a inflação é produto de pressões salariais causadas por um baixo desemprego, o antídoto para inflação envolve criação de desemprego, a fim de distensionar os salários.

Voltando ao Brasil atual, o desemprego vem caindo ininterruptamente, enquanto a inflação converge para a meta. Em suma, se vê inflação e desemprego em queda simultânea e em patamares muito parecidos, o IPCA performando próximo aos 4,7%, enquanto o desemprego divulgado há poucos dias pela Pnad em 5,6%. Não é a primeira vez que se observa um comovimento na mesma direção entre o desemprego e a inflação. Durante a crise de 2014-15, o desemprego saltou para próximo dos 14% ao ano, enquanto o IPCA chegou próximo a 11%. A novidade agora é que esse comovimento tem se dado na direção oposta, inflação em queda coexistindo com desemprego na mínima histórica.

Muitos economistas fazem prognósticos sobre o comportamento da inflação futura esperando algum alívio no mercado de trabalho. Já o Banco Central (BC) está produzindo a convergência para dentro da meta, sem maiores custos em termos de emprego, isso só é possível devido a uma conjunção de fatores:

1 - Apreciação da taxa de câmbio: muitos parecem ter esquecido, mas o câmbio teve um papel central no Plano Real, que debelou a inflação há mais de 30 anos. Enquanto este artigo está sendo escrito, o dólar flutua na casa de R$ 5,32; quando o ano começou, a moeda americana estava cotada acima dos R$ 6. Uma apreciação nominal da taxa de câmbio exerce um alívio relevante sobre preços domésticos pelo canal das importações.

2 - Ausência de choques climáticos: no ano passado, enchentes em determinadas regiões, coexistindo com longas estiagens em outras regiões, produziram efeitos significativos sobre o preço de alimentos. Neste ano, se documentou pouca incidência de choques climáticos capazes de influenciar produção de alimentos.

3 - Mudança de comando no BC: o processo de convergência de inflação da meta depende da crença de inúmeras firmas na capacidade de conduzir a inflação para ela. Em suma, a existência de uma meta de inflação se justifica para coordenar a ação de firmas que decidem sobre preços, se as firmas acreditam que a meta será cumprida, elas tendem a escolher seus preços minimizando os desvios em relação à meta. Quando a meta não é cumprida sistematicamente, as firmas deixam de escolher preços olhando para a meta, passando a procurar outros indexadores. Por inúmeras razões que envolvem choques exógenos — entre eles, os já citados choques climáticos — somados a erros na condução da política monetária, a direção anterior do BC foi incapaz de guiar a inflação para a meta nos últimos anos. A mudança de direção pode resgatar, ao menos no curto prazo, a confiança na capacidade de o BC entregar uma inflação dentro da meta.

4 - Particularidades da inflação no Brasil: aqui, até pelas já citadas dificuldades de produzir a convergência da inflação para a meta,  um volume grande de firmas escolhem preços olhando para outros indexadores, particularmente a inflação passada. Isso torna o trabalho do Banco Central ainda mais difícil, já que um componente importante que explica a inflação no Brasil é ela própria defasada. Atenuar esse problema pode requerer do BC performar com inflação abaixo da meta por algum tempo.

Enfim, inúmeros fatores têm explicado a dinâmica da inflação no Brasil, para além da clássica relação com o mercado de trabalho. E o BC tem mostrado uma razoável capacidade de desinflacionar a economia preservando postos de trabalho. Pode ser que um segundo movimento de convergência da inflação não mais para dentro, mas, sim, para o centro da meta requeira alguma inflexão no emprego, mas qualquer proposição nesse sentido ainda é prematura, é preciso parcimônia.

 

 

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