Valor Econômico
Sistema político brasileiro pode ser
aprimorado, desde que medidas sejam pensadas de forma estrutural e não
oportunista
Nas últimas semanas têm sido observadas, nos
corredores do poder em Brasília, movimentações para alterar as condições de
disputa eleitoral no Brasil. De um lado, um projeto de lei estabelecendo o voto
distrital misto tem ganhado tração na Câmara, enquanto uma ação direta de
inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal pretende reinstituir as
doações de empresas nas campanhas eleitorais. Ambas podem modificar
radicalmente o sistema político atual, embora tenham um forte componente
oportunista.
Para entender o que está em jogo, é preciso desconsiderar as justificativas oficiais, entender que eleições são disputas resolvidas em geral na base do dinheiro (muito dinheiro) e, antes de descartar as propostas, pensar que elas podem trazer ganhos para a sociedade - se forem ajustadas.
O deputado Domingos Neto (PSD-CE), relator do
PL nº 9212/2017, argumenta que alterar a forma de eleição dos deputados será
uma medida importante para barrar a infiltração do crime organizado na política
brasileira. A solução para isso seria o voto distrital misto, uma proposta de
autoria do ex-parlamentar José Serra (PSDB-SP), já aprovada no Senado.
Nesse sistema, cada Estado seria dividido em
áreas de igual população, que englobariam várias cidades pequenas ou diversos
bairros nos municípios mais populosos. O número de distritos seria definido
pela metade do número de deputados que cada Estado possui, e os partidos
lançariam um único candidato para concorrer à vaga em cada distrito.
A outra metade dos deputados do Estado seria
eleita pelo sistema de lista fechada: os partidos publicariam antes da eleição
uma lista ordenada de candidatos, e os eleitores votariam no partido.
Na prática, cada eleitor daria dois votos: um
para eleger o deputado do seu distrito e outro na legenda. Já os partidos
elegeriam os membros que venceram as disputas nos distritos e mais os
integrantes de sua lista de acordo com a proporção dos votos em legenda
recebidos em todo o Estado.
A outra proposta que promete alterar o
sistema eleitoral brasileiro é capitaneada pelo partido Solidariedade, que
ingressou no Supremo com uma ação para ressuscitar o financiamento de campanhas
por empresas, proibido em 2015.
Na petição inicial alega-se que o sistema
atual reduz a competitividade das eleições, uma vez que o grosso do dinheiro
dos fundos eleitoral e partidário fica na mão dos partidos maiores, enquanto as
emendas impositivas ao orçamento favorecem os candidatos que já têm mandato.
Defende-se então que as doações de empresas sejam permitidas para aumentar as
chances de eleição de concorrentes filiados a agremiações menores ou que não
possuem cargo eletivo.
Na verdade, nem o voto distrital misto é
instrumento eficiente para combater o crime organizado e tampouco a liberação
das doações empresariais vai aumentar a competitividade nos pleitos eleitorais
brasileiros.
Pelo contrário, a instituição do voto
distrital misto tende a favorecer deputados que já detêm mandatos, que ficarão
quase imbatíveis nas regiões para as quais direcionam os recursos das emendas
parlamentares. Já a volta das doações privadas aumentará o dinheiro na mão dos
políticos, que ficariam no melhor dos mundos: com os bilhões dos fundos partidário
e eleitoral e mais outro tanto vindo das grandes empresas interessadas nos
negócios com o Estado.
Apesar dos objetivos ocultos nas
justificativas de cada proposta, isso não quer dizer que elas não possuam
méritos, e têm potenciais para melhorar o funcionamento do sistema político
brasileiro - desde que sejam pensadas de forma conjunta e com os necessários
ajustes.
O voto distrital misto poderia atacar dois
problemas estruturais da política brasileira. No sistema atual, com deputados
eleitos em todo o Estado, algumas regiões recebem verbas alocadas por diversos
parlamentares, enquanto outras constituem-se em verdadeiros desertos
orçamentários. Com o voto distrital, não só todas as regiões teriam um
representante no Congresso, como os eleitores teriam condições de puni-lo caso
ele não destinasse os recursos para as maiores necessidades do distrito. Assim,
teríamos um maior alinhamento entre o interesse do político e as demandas
sociais.
O voto distrital misto também teria o poder
de baratear as eleições no país, seja porque a campanha se dará em regiões
menores, seja porque a propaganda no Estado seria feito pelo partido, e não por
milhares de candidatos.
Com menores custos de campanha, poderíamos
até repensar a proibição de doações de empresas. Sistemas de financiamento
eleitoral mostram-se mais democráticos quando se permite um mix de fontes de
recursos, envolvendo recursos públicos e privados, com doações de pessoas
físicas e até jurídicas. Para isso funcionar, porém, é preciso estabelecer
limites individuais baixos para as doações, de forma a se evitar que um único
doador desequilibre a disputa e se torne credor do político ou do partido
eleito.
Há espaço para aprimorar nosso sistema
eleitoral - desde que as propostas sejam pensadas de forma estrutural e não
oportunista.

Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.