segunda-feira, 17 de novembro de 2025

A volta das doações empresariais e o voto distrital, por Bruno Carazza

Valor Econômico

Sistema político brasileiro pode ser aprimorado, desde que medidas sejam pensadas de forma estrutural e não oportunista

Nas últimas semanas têm sido observadas, nos corredores do poder em Brasília, movimentações para alterar as condições de disputa eleitoral no Brasil. De um lado, um projeto de lei estabelecendo o voto distrital misto tem ganhado tração na Câmara, enquanto uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal pretende reinstituir as doações de empresas nas campanhas eleitorais. Ambas podem modificar radicalmente o sistema político atual, embora tenham um forte componente oportunista.

Para entender o que está em jogo, é preciso desconsiderar as justificativas oficiais, entender que eleições são disputas resolvidas em geral na base do dinheiro (muito dinheiro) e, antes de descartar as propostas, pensar que elas podem trazer ganhos para a sociedade - se forem ajustadas.

O deputado Domingos Neto (PSD-CE), relator do PL nº 9212/2017, argumenta que alterar a forma de eleição dos deputados será uma medida importante para barrar a infiltração do crime organizado na política brasileira. A solução para isso seria o voto distrital misto, uma proposta de autoria do ex-parlamentar José Serra (PSDB-SP), já aprovada no Senado.

Nesse sistema, cada Estado seria dividido em áreas de igual população, que englobariam várias cidades pequenas ou diversos bairros nos municípios mais populosos. O número de distritos seria definido pela metade do número de deputados que cada Estado possui, e os partidos lançariam um único candidato para concorrer à vaga em cada distrito.

A outra metade dos deputados do Estado seria eleita pelo sistema de lista fechada: os partidos publicariam antes da eleição uma lista ordenada de candidatos, e os eleitores votariam no partido.

Na prática, cada eleitor daria dois votos: um para eleger o deputado do seu distrito e outro na legenda. Já os partidos elegeriam os membros que venceram as disputas nos distritos e mais os integrantes de sua lista de acordo com a proporção dos votos em legenda recebidos em todo o Estado.

A outra proposta que promete alterar o sistema eleitoral brasileiro é capitaneada pelo partido Solidariedade, que ingressou no Supremo com uma ação para ressuscitar o financiamento de campanhas por empresas, proibido em 2015.

Na petição inicial alega-se que o sistema atual reduz a competitividade das eleições, uma vez que o grosso do dinheiro dos fundos eleitoral e partidário fica na mão dos partidos maiores, enquanto as emendas impositivas ao orçamento favorecem os candidatos que já têm mandato. Defende-se então que as doações de empresas sejam permitidas para aumentar as chances de eleição de concorrentes filiados a agremiações menores ou que não possuem cargo eletivo.

Na verdade, nem o voto distrital misto é instrumento eficiente para combater o crime organizado e tampouco a liberação das doações empresariais vai aumentar a competitividade nos pleitos eleitorais brasileiros.

Pelo contrário, a instituição do voto distrital misto tende a favorecer deputados que já detêm mandatos, que ficarão quase imbatíveis nas regiões para as quais direcionam os recursos das emendas parlamentares. Já a volta das doações privadas aumentará o dinheiro na mão dos políticos, que ficariam no melhor dos mundos: com os bilhões dos fundos partidário e eleitoral e mais outro tanto vindo das grandes empresas interessadas nos negócios com o Estado.

Apesar dos objetivos ocultos nas justificativas de cada proposta, isso não quer dizer que elas não possuam méritos, e têm potenciais para melhorar o funcionamento do sistema político brasileiro - desde que sejam pensadas de forma conjunta e com os necessários ajustes.

O voto distrital misto poderia atacar dois problemas estruturais da política brasileira. No sistema atual, com deputados eleitos em todo o Estado, algumas regiões recebem verbas alocadas por diversos parlamentares, enquanto outras constituem-se em verdadeiros desertos orçamentários. Com o voto distrital, não só todas as regiões teriam um representante no Congresso, como os eleitores teriam condições de puni-lo caso ele não destinasse os recursos para as maiores necessidades do distrito. Assim, teríamos um maior alinhamento entre o interesse do político e as demandas sociais.

O voto distrital misto também teria o poder de baratear as eleições no país, seja porque a campanha se dará em regiões menores, seja porque a propaganda no Estado seria feito pelo partido, e não por milhares de candidatos.

Com menores custos de campanha, poderíamos até repensar a proibição de doações de empresas. Sistemas de financiamento eleitoral mostram-se mais democráticos quando se permite um mix de fontes de recursos, envolvendo recursos públicos e privados, com doações de pessoas físicas e até jurídicas. Para isso funcionar, porém, é preciso estabelecer limites individuais baixos para as doações, de forma a se evitar que um único doador desequilibre a disputa e se torne credor do político ou do partido eleito.

Há espaço para aprimorar nosso sistema eleitoral - desde que as propostas sejam pensadas de forma estrutural e não oportunista.

 

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