Valor Econômico
Cenário externo, para Lula, será mais desafiador do que aquele de 2022
Num evento empresarial, o primeiro-ministro
alemão, Friedrich Merz, usou a passagem pela COP30 como escada para a afirmação
de que seu país era um dos mais bonitos do mundo: “Perguntei a alguns
jornalistas que estiveram no Brasil. Quem de vocês gostaria de ficar aqui?
Ninguém levantou a mão. Todos ficaram felizes por termos voltado,
principalmente por termos saído daquele lugar onde estávamos”.
Seis meses depois de ter tomado posse,
Friedrich Merz já se tornou um dos dirigentes mais impopulares da história alemã,
com apenas 25% de aprovação. Como sua eleição foi considerada o que a Alemanha
conseguiu de melhor para evitar a ascensão da extrema-direita, Merz revela mais
sobre a encruzilhada política do seu país do que sobre o Brasil.
Sua xenofobia afeta menos a perspectiva do acordo Mercosul-União Europeia do que o amor de Emmanuel Macron pelo Brasil, mas a visão, a partir do poder, na maior economia europeia é um aperitivo sobre um ambiente internacional mais hostil ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2026, do que aquele que marcou sua volta ao poder em 2022.
A começar pelo continente cuja liderança é o
cartão de visitas mais usado pelo Brasil. O resultado do primeiro turno chileno
mostrou que a ex-ministra do governo Gabriel Boric Jeannette Jara, do Partido
Comunista, ganhou, perdendo. Os três pontos percentuais que a colocaram no topo
da disputa não fazem sombra sobre os 26%, somados, do terceiro e quarto
lugares, ambos de direita, que já anunciaram apoio a José Antonio Kast, do
Partido Republicano, no segundo turno.
Favorável a um muro anti-imigrantes e
defensor de repressão militarizada ao crime, Kast é um misto de Donald Trump e
Jair Bolsonaro, a quem declarou apoio em 2022. Sua eventual eleição, em
dezembro, frustrará, na opinião de Mônica Hirst, pesquisadora sênior do Cebri,
a trinca de resistência democrática montada por Lula com Boric e Gustavo Petro.
A Colômbia também pode vir a dobrar à direita em 2026. A absolvição do
ex-presidente Álvaro Uribe, que havia sido condenado por suborno, deu novo
fôlego à direita.
Esta perspectiva, somada à Argentina de
Javier Milei, ao Equador de Daniel Noboa, a um Peru sob um governo provisório
desde o impeachment da presidente Dina Boluarte, ao Paraguai de Santiago Peña,
à Bolívia de Rodrigo Paz e a El Salvador de Nayib Bukele dificultam a vida de
Lula e, de alguma forma, facilitam a de Trump, outra carta inexistente no
baralho de 2022.
Se Trump arranca um acordo comercial
favorável com a Argentina, e consegue fazer com que Bukele e Noboa, também
beneficiados no comércio com os EUA, ainda se transformem em paradigmas de
combate ao narcotráfico no continente, por que haveria de se preocupar com as
queixas contra a sobretaxa ao Brasil ou com a cooperação policial buscada pelo
país com vizinhos amazônicos para evitar o domínio americano na segurança da
região?
Ao retirar a tarifa de 10% sobre 238 produtos
e manter os 40% sobre aqueles provenientes do Brasil no dia seguinte ao
encontro entre o chanceler Mauro Vieira e o secretário do Departamento de
Estado, Marco Rubio, os EUA, para Mônica Hirst, do Cebri, sinalizaram que a
“química presidencial” está longe da alquimia diplomática capaz de rever o
tarifaço.
E ainda tem a Venezuela. O apelo de Maduro
deste fim de semana e o aceno de Trump, para Hirst, são um sinal claro de que a
oferta brasileira de mediação foi, por ora, claramente ignorada por ambos os
parceiros: “Maduro quer falar com o dono do cerco.” E, ainda que o deslocamento
do maior porta-aviões do mundo para o mar do Caribe implique um gasto que terá
que ser justificado por uma ação militar, o embate é entre os dois países.
No governo brasileiro ninguém esconde a
preocupação com o cerco da direita, ainda que tenham sido comemoradas a
rejeição, em plebiscito neste fim de semana, da instalação de uma base militar
americana no Equador e a realização de uma eleição para reformar a constituição
do país.
No comércio, o Brasil paga pra ver se a
redução de tarifas para os demais países bastará para suprir o mercado
americano e ainda espera o que Trump trará à mesa, em sua lógica transacional.
A resistência dos três Poderes ao tarifaço, além da redução na inflação ajudada
pela maior oferta interna, aquietam as expectativas, no governo, sobre a longa
queda de braço.
O ponto de maior preocupação é a Venezuela. O
recado de que a presença do Brasil no front está dispensada já foi registrado,
mas o Brasil não desistiu de uma mediação pós-ataque, que, no Palácio do
Planalto, também já é considerado provável. As preocupações com a Venezuela
derivam tanto do precedente de ataque militar quanto do risco de a ação dos
cartéis se intensificar.
O governo reconhece que o cenário externo é
mais desafiador do que aquele que marcou a volta de Lula, mas espera uma
vantagem interna a ser usufruída pela condição de incumbente. A guerra contra o
narcotráfico, porém, já se traduz em discursos “libertários” da direita em todo
o continente. No Brasil, não é diferente.
A nova operação anunciada pelo governador
Cláudio Castro para tirar as barricadas das comunidades da Região Metropolitana
do Rio têm um gigantesco peso simbólico de “libertar” o Brasil do crime. É este
o maior risco de contaminação dos revezes externos na conjuntura eleitoral de
2026.

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