terça-feira, 18 de novembro de 2025

O que a eleição no Chile projeta para o Brasil, por César Felício

Valor Econômico

Base que rejeita Bolsonaro, Milei e Kast é heterogênea e tem pontos de contato com a direita

A ultradireita que viceja na América Latina não vive uma ascensão irresistível. Ela tem um teto, que pode ser transposto ou não caso haja uma comunicação eficiente durante a campanha. No caso da eleição presidencial do Chile, que terá seu segundo turno nas próximas semanas, tudo indica que essa transposição do teto vai acontecer. E o caso chileno poderá servir de modelo para a direita brasileira em 2026.

O segundo turno no Chile irá contrapor a comunista Jeannette Jara, que teve 27% dos votos, ao radical de direita José Antonio Kast, que teve 24%. Mas também são de direita, em menor ou maior grau, o terceiro, quarto e quinto colocado, o que dá a Kast amplo favoritismo na rodada decisiva. Antes de qualquer outra análise essa já é uma fotografia que talvez se repita no Brasil ano que vem: uma direita fragmentada no primeiro turno a se unir no segundo turno diante de um governista com rejeição grande.

O que chama atenção no caso chileno é o favoritismo de um político que tem mais detratores do que admiradores e essa não é uma realidade presente apenas naquele país. Três pesquisadores da Fundação Friedrich Ebert apresentaram este mês na Universidade Catolica do Chile um estudo comparado dos casos de Kast, do argentino Javier Milei e do ex-presidente Jair Bolsonaro. O levantamento “Mapeando os limites eleitorais da ultradireita” usa pesquisas de opinião feitas no quarto trimestre de 2023, mas não há porque imaginar que suas conclusões não sigam válidas.

A parte brasileira da pesquisa, encomendada para a Quaest, mostrou Bolsonaro com uma rejeição de 56%, ante 58% de Milei e 55% de Kast.

Pesquisa do mesmo instituto da semana passada mostrou o brasileiro rechaçado por 60%. Kast é desaprovado por 54%, de acordo com levantamento da Atlas de agora. Milei ganhou as eleições congressuais deste ano, mas em meio a uma taxa de abstenção bastante alta.

Kast é rejeitado, mas é favorito. Conforme frisaram os autores Cristobal Rovira, Javier Sajuria e Nerea Palma, os políticos deste espectro são minoritários e tornam-se competitivos porque disputam eleições presidencialistas no modelo de segundo turno, e não porque há um apoio férreo do eleitorado à ideologia que professam. “O eleitorado muitas vezes se vê forçado a votar no que considera o mal menor e esta situação é particularmente certa quando o oponente representa ou é um incumbente com baixa popularidade”, escrevem.

O trabalho joga luz nas heterogêneas maiorias que, no Brasil, Chile e Argentina, se declaram contra a ultradireita. Divide essas maiorias em quatro clusters cada uma, agregando eleitores que se posicionam de um mesmo modo em relação a uma série de questões de valores. É o que chamam de análise de classes latentes. No caso brasileiro, o antibolsonarismo consistiria em quatro blocos: os jovens urbanos “progressistas”, a classe média católica, o “Nordeste feminino e popular” e o “sul/sudeste popular católico”, popular no caso usado como sinônimo de baixa renda e “progressista” como de esquerda.

Dos três países o Brasil é o que tem o grupo majoritário antidireita mais heterogêneo: os quatro clusters quase se equivalem. Nas Argentina e no Chile, há um predomínio mais marcado de uma categoria ou outra. No caso chileno, prevalece o chamado “centro pluralista”.

Na Argentina, se destaca o “bloco progressista educado”, ou seja com ensino superior e liberal do ponto de vista de costumes.

Na Argentina, Milei ultrapassou o teto do radicalismo ao propor de modo realista uma política de ajuste fiscal, sem dourar pílulas. Com isso ele se conectou a camadas do eleitorado que o detestava, mas estava exausto da hiperinflação.

No Chile, Kast deixou em segundo plano questões de costumes e focou em duas bandeiras: mão pesada contra o crime e promessa de freio da imigração. Essas são duas questões quase consensuais entre os chilenos, mesmo no eleitorado que torce o nariz para a ultradireita, e são dois pontos que emparedam a esquerda.

Kast também teve o cuidado de se manter institucional. Mesmo sendo pinochetista, ele não tem flertado com rupturas, desde que na eleição passada reconheceu imediatamente a derrota no segundo turno para o atual presidente Gabriel Boric. Apoio à democracia é aparentemente uma linha vermelha que o eleitorado traçou.

No caso brasileiro, quais são as brechas pelas quais a direita bolsonarista poderia furar a barreira da rejeição alta?

A pesquisa mostrava que o antibolsonarismo não aceitava uma política de linha-dura contra o crime. Havia preferência, neste universo de eleitores, para políticas de caráter social como antídoto ao aumento da criminalidade.

A mão pesada seria portanto um elemento de engajamento apenas da minoria bolsonarista. Há sinais de que essa correlação se alterou. Mas o elemento que parece ser mais importante é o conservadorismo. O “antidireita” brasileiro é muito mais rígido em questão de costumes do que o chileno ou o argentino, de acordo com a pesquisa.

Defesa da democracia e limitação à circulação de armas, por outro lado, são limites que uma direita prudente deveria ter cautela ao pensar em testar. A pesquisa mostra que estes são dois pontos que unificam a base antibolsonarista.

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