O Povo (CE
Decapitar alguém é ação que exige tempo,
esforço físico e colaboração - especialmente num contexto extremo de operação
policial. Se as pessoas foram mortas em circunstância onde era possível evitar
o resultado morte, o Estado praticou um crime e deve ser responsabilizado
Não há outra emoção para descrever o que senti diante dos efeitos da operação policial no Rio de Janeiro além do extremo choque. A violência exposta dos corpos enfileirados em praça pública, a dor das mulheres no reconhecimento coletivo, em condições indignas, dos cadáveres de seus familiares. Também o choque diante de muitas manifestações banalizando a morte de uma centena de pessoas como um efeito colateral possível de uma operação policial. Quem aplaude uma matança?
Há muito para refletir. O Estado não tem
autorização para matar. No Brasil, a pena máxima é a de encarceramento após um
processo judicial em que deve ser assegurada a ampla defesa. O pior, mais
perverso e irrecuperável infrator tem esse direito por uma razão fácil de ser
compreendida: o Estado não pode se converter em assassino, praticando a mesma
vilania de quem ele precisa apenar.
É sinal de ingenuidade ou muita ignorância
pressupor, sem investigação, que as dezenas de pessoas alvejadas,
esfaqueadas e decapitadas tenham sido mortas por resistir. Decapitar alguém é
ação que exige tempo, esforço físico e colaboração - especialmente num contexto
extremo de operação policial. Se as pessoas foram mortas em circunstância onde
era possível evitar o resultado morte, o Estado praticou um crime e deve ser
responsabilizado por isso.
O segundo ponto que gostaria de trazer aqui é
ético e humanitário. Por que nos tornamos uma sociedade que hierarquiza o valor das pessoas? Que as
diferencia entre os facilmente matáveis e aqueles que são dignos de luto? A dor
da mãe do policial morto é a mesma dor da mãe do traficante com as
vísceras expostas na praça: choram por um ser humano que se foi violentamente,
precocemente. Toda morte violenta deve ser lamentada, seja de quem for, porque
ela revela nossa falência enquanto sociedade, enquanto grupo.
A frieza e o sadismo dos que
comemoraram o resultado mortífero dessa operação só revela o quanto estamos
distantes dos ensinamentos do cristianismo. Muitos dos que aplaudem carregam no
peito uma cruz ou vão ao culto aos domingos para pedir a benção divina. E, no
entanto, são incapazes de compreender esse princípio moral básico que deveria
nortear a ação de todo cristão: cada ser humano guarda uma dignidade, tem
direito à vida, tem direito ao mínimo para existir.
Operações policiais violentas são sabidamente
ineficazes para neutralizar o crime organizado. Uma rede complexa se
combate com inteligência e asfixia financeira, não com balas. A mão de obra
barata do tráfico abatida brutalmente pela polícia pode, numa lógica perversa,
ser substituída com rapidez. Já o crime organizado permanece e se infiltra nos
escritórios bem climatizados do mercado de valores e da república.

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