O Estado de S. Paulo
A violência não se explica por variáveis macroeconômicas. Ela invade o cotidiano e redefine prioridades
Como quase tudo na vida, os equilíbrios
alcançados na política, mesmo quando ótimos, não são estáticos nem perenes. A
durabilidade de um equilíbrio político depende da capacidade das instituições e
dos líderes de oferecer respostas congruentes com as expectativas da maioria da
sociedade diante de choques e imprevistos.
Choques podem ter naturezas variadas. Às
vezes são endógenos, nascem do próprio sistema político – como o surgimento de
um novo líder carismático. Outras vezes são exógenos, resultado de eventos
externos, como uma crise econômica internacional ou uma pandemia.
Se o tarifaço imposto pelos EUA foi um presente para Lula – que antes estava nas cordas e voltou à condição de favorito à reeleição em 2026 –, a dificuldade de oferecer uma resposta consistente às expectativas da sociedade diante da crise da segurança pública e da violência do crime organizado tem o potencial de fragilizá-lo.
A segurança pública sempre foi o calcanhar de
aquiles da esquerda – e, em particular, do PT. Essa vulnerabilidade ficou
explícita na desastrada declaração de Lula em Jacarta, na Indonésia, ao afirmar
que “traficantes de drogas são vítimas de usuários”. A frase soou desconectada
do sentimento majoritário da população e reforçou a percepção de que o governo
é leniente com o crime.
A operação nos complexos do Alemão e da Penha
expôs, mais uma vez, a tensão entre a necessidade de ação firme do Estado e a
sensibilidade ideológica da esquerda diante do tema da segurança. A repercussão
foi enorme, tanto na imprensa nacional quanto internacional. Mas o mais
revelador foi a reação da opinião pública. Segundo pesquisa da Quaest, a ampla
maioria da população não apenas aprovou a operação, como defende que as facções
criminosas sejam enquadradas como grupos terroristas.
Esse dado tem peso político considerável. Mostra que, diferentemente de outros momentos, a sociedade parece disposta a aceitar – e até a exigir – medidas mais duras contra o crime organizado, mesmo que impliquem custos em termos de direitos civis ou da atuação policial. Em outras palavras, a janela de opinião pública, que antes se fechava diante de ações repressivas, agora se abriu.
AMBÍGUA. O problema para o governo é que essa
abertura não veio acompanhada de uma resposta estratégica. O Planalto hesita
entre o discurso garantista, que fala à sua base histórica, e a necessidade de
sinalizar firmeza a uma sociedade exausta com a violência e o avanço das
facções. O resultado é uma comunicação ambígua, que dá a impressão de distância
e indecisão – o pior dos mundos em matéria de percepção pública.
Enquanto o tarifaço de Trump e os erros
sucessivos da direita haviam recolocado Lula em posição de força, a crise da
segurança tem potencial para inverter esse quadro. No campo econômico, o
presidente conseguiu se apresentar como o defensor do interesse nacional contra
um adversário externo. No campo da segurança, ao contrário, enfrenta um inimigo
interno, difuso e persistente – diante do qual a inação custa caro e o discurso
custa ainda mais.
Se o governo não encontrar rapidamente um
ponto de equilíbrio entre firmeza e respeito aos direitos humanos, corre o risco
de ver a agenda da segurança ser capturada pela oposição – que, diferentemente
da esquerda, nunca teve pudor em explorar o medo como ativo político.
NARRATIVAS. Em política, equilíbrios são tão
frágeis quanto as narrativas que os sustentam. Lula havia conseguido
reconstruir a sua – a de um estadista que resistiu ao tarifaço de Trump e
estabilizou a economia em meio à turbulência internacional. Mas a segurança
pública ameaça desmontála. Ao contrário da inflação ou da política externa, a
violência não se explica por variáveis macroeconômicas nem se resolve com
discursos. Ela invade o cotidiano, redefine prioridades e alimenta
ressentimentos.
O Brasil vive uma inflexão silenciosa, mas
profunda: o medo voltou a ser o principal vetor de comportamento político. E,
diante do medo, o eleitor tende a buscar quem promete ordem, não quem oferece
justificativas. Se o governo não ocupar esse espaço com firmeza e coerência,
alguém o fará – provavelmente à direita, e com um discurso muito menos
moderado.
A segurança pública é o novo campo de batalha da política, tanto para Lula como para a direita. Depois do tarifaço, que fortaleceu Lula, a escalada da violência pode se tornar o seu novo teste de sobrevivência e, consequentemente, de oportunidades para a direita.

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