sexta-feira, 14 de novembro de 2025

O protagonismo ambiental dos invisíveis, por José de Souza Martins

Valor Econômico

Pequenas iniciativas mostram uma insurreição e o germe de um imenso movimento social em favor do planeta e do que ele representa para a condição humana

“Seu” Joãozinho, um antigo morador de favela que existia à margem de um córrego, hoje ladeado pela avenida Escola Politécnica de São Paulo, nos fundos da Cidade Universitária, viu ali um terrenão que poderia ser aproveitado para o bem comum.

Nas margens plantou árvores, especialmente árvores frutíferas que alimentassem os pássaros que buscassem refúgio na cidade, expulsos das matas devastadas do entorno. “Seu” Joãozinho se aposentou e retornou à sua localidade do interior. Deixou o pomar que civiliza a avenida.

Há alguns anos, no pequeno quadrado de um metro de lado, desses no centro do qual a prefeitura planta uma árvore, o guardador de carros que havia em rua paralela à avenida Faria Lima, em São Paulo, plantou diversos arbustos de plantas medicinais. A farmacinha vegetal foi logo descoberta, pelos moradores dos prédios vizinhos, que dela se serviam gratuitamente: guaco para xarope, erva cidreira para insônia.

Em face de um evento do tamanho e dos custos da COP30, isso quase parece não ter nada a ver. Na verdade, tem e muito.

São ambientalistas invisíveis, quando muito conhecidos apenas de vizinhos próximos ou de passantes, os filhos do asfalto e do concreto. Há nessas iniciativas uma insurreição e o germe de um imenso movimento social em favor do planeta e do que ele representa para a condição humana.

Iniciativas do mesmo gênero em maior escala estão ocorrendo no mundo inteiro. Nos dois maiores desertos da China, camponeses simples têm agido no sentido de barrar a desertificação e a expansão do mar de areia. Inventaram uma técnica simples que impede o deserto de se movimentar. Em quadrados pequenos, feito com palha de restolho de trigo ou de arroz, plantam árvores que estão transformando o deserto numa imensa muralha verde.

Um cinturão verde foi plantado na África subsaariana para barrar e diminuir o deserto imenso ao norte. Na fundação de Israel, Ben-Gurion preconizou a ocupação do deserto pelos kibutz, o que vem dando muito certo, praticamente uma criação de terra economicamente aproveitável em territórios inúteis.

Uma princesa da vizinha Jordânia, preocupada com a desertificação de seu país, convidou um especialista no reflorestamento de áreas degradadas a ensinar sua gente modos de reflorestar o território.

No Brasil, temos o caso excepcional de Ernst Götsch, um geneticista suíço, que trabalhava numa empresa de alteração genética de plantas para que sobrevivam às deficiências de nutrientes e piora das condições climáticas.

Perguntou-se se não era melhor e mais sensato melhorar as condições das plantas. Foi à Costa Rica aprender com populações indígenas o modo como lidavam com o problema, que era o da diversidade do consórcio natural de plantas.

Veio para o Brasil e acabou comprando, na Bahia, uma fazenda de terras degradadas, cujas nascentes de água já estavam secas. Decidiu experimentar o método que denominou de “agricultura sintrópica”, o da convivência de diferentes plantas, de diferentes alturas, a terra recoberta por restos vegetais de podas das plantas mais altas ou de árvores plantadas a propósito.

Sua fazenda no sul da Bahia, em franco processo de desertificação, transformou-se numa mata densa, antigos olhos d’água secos renasceram. Ernst fez escola, atraiu adeptos, ensinou-lhes a técnica, criou discípulos espalhados pelo país. Na mata, cultiva plantas comerciais, especialmente cacau, consorciadas. Uma agricultura de oposição à monocultura.

A agricultura sintrópica tem se espalhado até mesmo pelas cidades, para quintais, grandes terrenos públicos baldios, quase sempre como agricultura comunitária ou agricultura de família. Uma agricultura social subversiva, não ideológica, socialmente criativa. Nela a sociedade se reinventa.

Os adeptos dessa revolução são geralmente jovens e até crianças. Minha filha mais jovem e meu genro (somos originários da roça) resolveram fazer cursos de pequena agricultura de quintal, desde técnicas de cultivo até as de preparação de compostagem.

Meu neto, de 3 anos de idade, já havia se tornado companheiro dos pais no fascínio por essa agricultura de quintal. Quando, há alguns meses, completou 4 anos de idade, disse-lhe que gostaria de dar-lhe um presente e havia pensado num meloponário de abelhas sem ferrão para produzir mel.

Ele já conhecia esse tipo de colmeia de abelhas jataí, de sua escola. Topou na hora. Lá está, no seu quintal, o Meloponário Jorge Abelha, como ele o batizou, que ele visita e exibe todos os dias. Mas ele cultiva, também, um tomateiro para os tomates de suas refeições. Já cultiva sua própria comida. Ele, que gosta de ter amigos, vai descobrindo que o desamor à natureza é burro e antissocial.

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