Valor Econômico
Pequenas iniciativas mostram uma insurreição
e o germe de um imenso movimento social em favor do planeta e do que ele
representa para a condição humana
“Seu” Joãozinho, um antigo morador de favela
que existia à margem de um córrego, hoje ladeado pela avenida Escola
Politécnica de São Paulo, nos fundos da Cidade Universitária, viu ali um
terrenão que poderia ser aproveitado para o bem comum.
Nas margens plantou árvores, especialmente árvores frutíferas que alimentassem os pássaros que buscassem refúgio na cidade, expulsos das matas devastadas do entorno. “Seu” Joãozinho se aposentou e retornou à sua localidade do interior. Deixou o pomar que civiliza a avenida.
Há alguns anos, no pequeno quadrado de um
metro de lado, desses no centro do qual a prefeitura planta uma árvore, o
guardador de carros que havia em rua paralela à avenida Faria Lima, em São
Paulo, plantou diversos arbustos de plantas medicinais. A farmacinha vegetal
foi logo descoberta, pelos moradores dos prédios vizinhos, que dela se serviam
gratuitamente: guaco para xarope, erva cidreira para insônia.
Em face de um evento do tamanho e dos custos
da COP30, isso quase parece não ter nada a ver. Na verdade, tem e muito.
São ambientalistas invisíveis, quando muito
conhecidos apenas de vizinhos próximos ou de passantes, os filhos do asfalto e
do concreto. Há nessas iniciativas uma insurreição e o germe de um imenso
movimento social em favor do planeta e do que ele representa para a condição
humana.
Iniciativas do mesmo gênero em maior escala
estão ocorrendo no mundo inteiro. Nos dois maiores desertos da China, camponeses
simples têm agido no sentido de barrar a desertificação e a expansão do mar de
areia. Inventaram uma técnica simples que impede o deserto de se movimentar. Em
quadrados pequenos, feito com palha de restolho de trigo ou de arroz, plantam
árvores que estão transformando o deserto numa imensa muralha verde.
Um cinturão verde foi plantado na África
subsaariana para barrar e diminuir o deserto imenso ao norte. Na fundação de
Israel, Ben-Gurion preconizou a ocupação do deserto pelos kibutz, o que vem dando
muito certo, praticamente uma criação de terra economicamente aproveitável em
territórios inúteis.
Uma princesa da vizinha Jordânia, preocupada
com a desertificação de seu país, convidou um especialista no reflorestamento
de áreas degradadas a ensinar sua gente modos de reflorestar o território.
No Brasil, temos o caso excepcional de Ernst
Götsch, um geneticista suíço, que trabalhava numa empresa de alteração genética
de plantas para que sobrevivam às deficiências de nutrientes e piora das
condições climáticas.
Perguntou-se se não era melhor e mais sensato
melhorar as condições das plantas. Foi à Costa Rica aprender com populações
indígenas o modo como lidavam com o problema, que era o da diversidade do
consórcio natural de plantas.
Veio para o Brasil e acabou comprando, na
Bahia, uma fazenda de terras degradadas, cujas nascentes de água já estavam
secas. Decidiu experimentar o método que denominou de “agricultura sintrópica”,
o da convivência de diferentes plantas, de diferentes alturas, a terra recoberta
por restos vegetais de podas das plantas mais altas ou de árvores plantadas a
propósito.
Sua fazenda no sul da Bahia, em franco
processo de desertificação, transformou-se numa mata densa, antigos olhos
d’água secos renasceram. Ernst fez escola, atraiu adeptos, ensinou-lhes a
técnica, criou discípulos espalhados pelo país. Na mata, cultiva plantas
comerciais, especialmente cacau, consorciadas. Uma agricultura de oposição à
monocultura.
A agricultura sintrópica tem se espalhado até
mesmo pelas cidades, para quintais, grandes terrenos públicos baldios, quase
sempre como agricultura comunitária ou agricultura de família. Uma agricultura
social subversiva, não ideológica, socialmente criativa. Nela a sociedade se
reinventa.
Os adeptos dessa revolução são geralmente
jovens e até crianças. Minha filha mais jovem e meu genro (somos originários da
roça) resolveram fazer cursos de pequena agricultura de quintal, desde técnicas
de cultivo até as de preparação de compostagem.
Meu neto, de 3 anos de idade, já havia se tornado
companheiro dos pais no fascínio por essa agricultura de quintal. Quando, há
alguns meses, completou 4 anos de idade, disse-lhe que gostaria de dar-lhe um
presente e havia pensado num meloponário de abelhas sem ferrão para produzir
mel.
Ele já conhecia esse tipo de colmeia de
abelhas jataí, de sua escola. Topou na hora. Lá está, no seu quintal, o
Meloponário Jorge Abelha, como ele o batizou, que ele visita e exibe todos os
dias. Mas ele cultiva, também, um tomateiro para os tomates de suas refeições.
Já cultiva sua própria comida. Ele, que gosta de ter amigos, vai descobrindo
que o desamor à natureza é burro e antissocial.

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