sexta-feira, 14 de novembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

PF faz bem em apertar cerco por fraude no INSS

Por O Globo

Operação prendeu ex-presidente do instituto, acusado de atuar em favor de confederação sindical

A Polícia Federal (PF) apertou o cerco contra os suspeitos da fraude bilionária que lesou aposentados e pensionistas por meio de descontos indevidos. Prendeu nesta quinta-feira o ex-presidente do INSS Alessandro Stefanutto, demitido após o escândalo vir à tona. Ele é acusado de ter atuado para liberar descontos a favor da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura depois de parecer contrário da procuradoria do INSS e de receber propina de uma das entidades investigadas (a defesa dele considerou a prisão “completamente ilegal” e alegou que Stefanutto tem colaborado com as apurações).

A operação da PF, em parceria com a Controladoria-Geral da União (CGU), cumpriu dez mandados de prisão e 63 de busca e apreensão em 14 estados e no Distrito Federal. Entre os alvos estavam José Carlos Oliveira, ministro do Trabalho e Previdência no governo Bolsonaro (ele terá de usar tornozeleira eletrônica), o deputado federal Euclydes Pettersen (Republicanos-MG) e o deputado estadual do Maranhão Edson Araújo (PSB). São investigados os crimes de inserção de dados falsos em sistemas oficiais, constituição de organização criminosa, estelionato previdenciário, corrupção ativa e passiva, além de atos de ocultação e dilapidação patrimonial. As medidas foram autorizadas pelo ministro André Mendonça, relator do caso no Supremo.

Embora o governo federal tenha começado a ressarcir as vítimas em julho, a reparação não encerra o crime cometido. É fundamental identificar todos os responsáveis pela fraude e entender como descontos não autorizados eram chancelados pelo INSS. Muitos aposentados nem percebiam que eram roubados, pois os descontos mensais eram relativamente baixos.

As autorizações apresentadas por sindicatos em geral eram fraudadas. Segundo a CGU, 70% das 29 entidades habilitadas a operar com os descontos não entregaram a documentação exigida ao INSS. A roubalheira aconteceu entre 2019 e 2024, mas explodiu no atual governo. O INSS estimou a devolução dos valores descontados indevidamente em R$ 2,5 bilhões. Houve alertas dos órgãos de controle sobre aumentos atípicos na arrecadação dos sindicatos, mas eles foram desprezados. O episódio levou à queda do então ministro da Previdência, Caros Lupi.

O crime é investigado também pela CPMI do INSS, mas infelizmente os trabalhos têm sido afetados pelas circunstâncias políticas. Em outubro, a base governista barrou a convocação de José Ferreira da Silva, o Frei Chico, irmão do presidente Luiz Inácio Lula da Sila e vice-presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos da Força Sindical, uma das entidades na mira das autoridades. Ele não é formalmente investigado, mas, como qualquer outro, poderia contribuir para as apurações. Não é blindando aliados que a comissão avançará.

Como antídoto a fraudes, é bem-vindo o projeto aprovado no Senado proibindo descontos automáticos de entidades associativas na folha de aposentados e pensionistas. O texto, que seguirá para sanção de Lula, foi apresentado em 2024, mas só ganhou fôlego na esteira do escândalo. Considerando a desfaçatez de sindicatos mal-intencionados para forjar autorizações, é medida acertada. Lamenta-se que não tenha vindo antes, para impedir que beneficiários fossem roubados e que o governo, negligente, ainda tivesse de pagar a conta do ressarcimento.

Tabelamento de taxas de vale-refeição e alimentação tem tudo para fracassar

Por O Globo

Se a intenção do governo é reduzir preço cobrado do consumidor, plano não atingirá o objetivo

O decreto com mudanças no vale-refeição e no vale-alimentação assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta semana é um exemplo perfeito de como é possível fazer um diagnóstico correto, ter boa intenção e, ainda assim, adotar uma medida que tem tudo para fracassar.

Criado em 1976, o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) atende hoje mais de 300 mil empresas. São empregadores dispostos a ajudar seus empregados com os populares “tíquetes” em troca de benefícios fiscais. No todo, alcança 22 milhões de funcionários e conta com uma rede de 800 mil restaurantes e supermercados credenciados. Apesar da abrangência, havia o que corrigir. O principal problema são as taxas altas cobradas dos estabelecimentos comerciais. A média paga por restaurantes e supermercados para receber vales refeição ou alimentação (5,19%) é superior à exigida de cartões de crédito (3,6%) e débito (2%). Diante do problema, Lula optou por um remédio sabidamente errado: o tabelamento. Definiu um teto de 3,6% para a taxa. A intenção declarada do governo é baixar o preço dos alimentos. Certamente o plano não atingirá o objetivo.

Por dois motivos. Primeiro, porque o teto cria uma distorção na formação dos preços. As operadoras dos vales não poderão mais cobrar taxas maiores dos estabelecimentos que geram pouco negócio, então aumentarão quanto cobram de quem paga abaixo da média. Grandes supermercados com milhares de clientes que obtinham negociações vantajosas ficarão mais próximos de restaurantes que servem poucas dezenas de pratos por dia, e o usuário pagará mais. Segundo motivo: mesmo aqueles estabelecimentos cujas taxas sofrerão redução dificilmente repassarão a diferença ao consumidor, como demonstram estudos de situações semelhantes.

Outras mudanças estipuladas no decreto são meritórias e têm mais chance de dar certo. O prazo para o repasse dos valores para restaurantes e similares foi limitado a 15 dias corridos após a transação, não mais cerca de um mês. Há, porém, dúvida sobre a viabilidade. Cerca de 30% dos clientes das empresas de vales estão no setor público, e prefeituras e estatais costumam demorar mais a pagar. Para evitar sobressaltos, o governo tomou um cuidado extra: deu prazo de um ano para ajuste de contratos.

O decreto também proíbe que empresas de vales que atendam mais de 500 mil funcionários sejam as responsáveis por toda a cadeia do credenciamento e obriga o uso dos cartões em qualquer máquina — certamente um avanço em prol da concorrência. Se essas medidas resultarem na entrada de novas empresas no mercado e aumentarem a competição, aí sim as taxas deverão registrar queda significativa. De todo modo, tudo isso poderia ter sido exigido pelos organismos que cuidam da concorrência. Não havia necessidade de o Executivo se envolver, ainda mais com medidas equivocadas.

Combate a facções pode superar conflito político

Por Folha de S. Paulo

Escolha de Derrite como relator do projeto de Lula para debelar o crime organizado acirra embate ideológico

Há dispositivos no texto que merecem um entendimento suprapartidário, como a ação civil de perdimento de bens de origem ilícita

Na tentativa, até aqui frustrada, de votar um projeto de lei para dar ao Estado maior capacidade de enfrentar as facções do crime organizado, o mundo político brasileiro deu demonstração de como disputas menores podem prejudicar o avanço de políticas públicas fundamentais. Ainda restam esperanças de avanço, contudo.

O debate, já tardio, ganhou impulso desordenado quando uma megaoperação contra o narcotráfico no Rio de Janeiro resultou em mais de cem mortos, mas recebeu o apoio da população e colocou a segurança pública no centro da campanha eleitoral de 2026. Em resposta, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apressou sua proposta legislativa contra as organizações criminosas.

A politização do tema se acentuou quando o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), escolheu como relator do texto Guilherme Derrite (PP-SP), deputado que até então ocupava a Secretaria da Segurança Pública do governo paulista de Tarcísio de Freitas (Republicanos), potencial candidato da direita à sucessão de Lula.

Ele próprio um provável candidato ao Senado —ou, quem sabe, até ao governo estadual— em 2026, Derrite correu a aproveitar a chance de visibilidade. Com isso, atraiu também reação estridente das forças aliadas a Lula.

As primeiras iniciativas do relator foram marcadas por bandeiras ideológicas e embates corporativos, como a tolice de equiparar facções a terroristas ou o despautério de enfraquecer a Polícia Federal. Mas, ao menos, ele mostrou disposição de negociar e recuou nesses dispositivos —o que deu pretexto, por sua vez, à má vontade de governadores e parlamentares da linha-dura.

Gritaria à parte, tanto a proposta original do governo quanto o substitutivo do relator contêm providências relevantes que merecem fazer parte de um entendimento suprapartidário, como as destinadas a atingir o coração financeiro das organizações.

Entre as inovações, destacam-se a possibilidade de infiltração de policiais em empresas de fachada, a intervenção estatal em pessoas jurídicas usadas por facções, a cooperação com o setor privado e a ação civil de perdimento de bens de origem ilícita, mesmo sem condenação penal. Nesta última, o objetivo é impedir, por exemplo, que herdeiros de operadores financeiros de facções sejam beneficiados por recursos provenientes do crime.

O projeto prevê ainda que o patrimônio usado ou destinado à prática criminosa, ou empregado para ocultar valores ilegais, possa ser confiscado caso o proprietário ou possuidor não comprove sua origem lícita. Os seus bens seriam revertidos em favor do Estado ou das vítimas, com respeito ao devido processo legal e à proteção do terceiro de boa-fé.

Mesmo com falhas técnicas e distorcido por polarização ideológica, o debate deixa claro que o país precisa modernizar seu arcabouço jurídico para enfrentar a complexidade das facções.

Escândalo no INSS volta a assombrar Lula

Por Folha de S. Paulo

Além da prisão de ex-presidente do órgão, investigação da PF atinge figuras do governo Bolsonaro

A fraude começou na gestão Temer, seguiu na de Bolsonaro e chegou à de Lula, quando atingiu recorde de R$ 1,3 bilhão desviado em 2024

Apesar de ter sido encoberta pela sucessão de temas que assolaram o noticiário doméstico desde o começo do ano, como a guerra comercial de Donald Trump contra o Brasil ou o debate acerca da segurança pública, a crise do INSS volta a ser a alvo de atenção.

Nesta quinta (13), a Polícia Federal prendeu Alessandro Stefanutto, ex-presidente do órgão que ocupou o cargo de julho de 2023 a abril deste ano, quando a eclosão do escândalo forçou sua saída.

É um sinal salutar que, mesmo com a barulheira no mundo político, com direito à criação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para apurar a fraude, o trabalho de investigação policial seguiu seu curso.

Ele já havia revelado as proporções infames do esquema descoberto, no qual entidades usualmente ligadas a políticos descontavam de forma não autorizada valores de aposentadorias e pensões na casa de mais de R$ 6 bilhões, segundo a investigação.

Por óbvio, a detenção de Stefanutto e outras frentes são parte do processo, não seu fim, sendo necessário estabelecer responsabilidades e garantir o amplo direito à defesa aos acusados.

Do ponto de vista político, a nova etapa da chamada Operação Sem Desconto é motivo para tensão extra no Palácio do Planalto, dado seu potencial impacto na campanha eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2026. Os elementos do escândalo são de facílima compreensão para o eleitorado: resumem-se ao proverbial roubo do dinheiro de velhinhos.

O que estará em jogo no próximo pleito é a paternidade do malfeito, cujas origens remontam à gestão de Michel Temer (MDB), entre 2016 e 2018.

O esquema prosseguiu no governo Jair Bolsonaro (PL) e chegou ao de Lula, quando atingiu o recorde de R$ 1,3 bilhão desviado em 2024, de acordo com a PF.

O trabalho da polícia abarca ambos os lados do espectro político. Entre os alvos da operação, além do ex-presidente do INSS nomeado sob Lula, está o ex-ministro do Trabalho de Bolsonaro Armed Mohamad Oliveira (PL).

Políticos do PSB do vice Geraldo Alckmin e do Republicanos do governador de São PauloTarcísio de Freitas, também estão no rol de investigados, e ainda há suspeitas sobre sindicato no qual um irmão de Lula, conhecido como Frei Chico, é vice-presidente.

Com efeito, o Planalto corre para dizer que o problema é de todos —e que foi sob Lula que a PF enfim revelou o esquema. Pode ser, mas isso não apaga um fato básico do presidencialismo: toda e qualquer crise acaba na mesa do chefe do Executivo.

Brincando com coisa séria

Por o Estado de S. Paulo

Profusão de rascunhos do projeto antifacção revela um relator perdido e uma Câmara sem maturidade para tratar de um dos maiores desafios nacionais: combater o crime organizado

O País assiste a mais um espetáculo lamentável na Câmara dos Deputados em torno de um tema que deveria ser tratado com maturidade e espírito público: o combate ao crime organizado. Designado relator do projeto de lei antifacção, o deputado Guilherme Derrite (PP-SP) conseguiu a façanha de desagradar a todos: governo federal, governos estaduais, promotores, policiais e, sobretudo, a sociedade, que segue esperando respostas eficazes para a audácia das facções criminosas.

Em apenas cinco dias, Derrite apresentou quatro versões de seu substitutivo. A última, protocolada na noite do dia 12 passado, é quase um fac-símile do texto apresentado originalmente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O vaivém é tão confuso que até o nome do projeto já mudou: de Marco Legal do Combate ao Crime Organizado para Marco Legal do Combate ao Crime Organizado Ultraviolento – como se isso tivesse alguma importância para a sociedade. Os rascunhos, contraditórios, pintam o retrato de um relator perdido, incapaz de construir um consenso mínimo sobre um texto crucial para a segurança pública.

Ninguém sabe exatamente o que está sendo discutido. As negociações entre Executivo e Legislativo são marcadas por idas e vindas, mas sem liderança e coerência. O pastelão é tão absurdo que até os governadores de oposição a Lula reunidos no chamado “consórcio da paz” tiveram de ir a Brasília para pedir ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que adiasse a votação do projeto por ao menos 30 dias.

Como sublinhamos nesta página, Derrite começou sua relatoria de modo razoável, evitando cair na armadilha populista de equiparar facções criminosas a organizações terroristas – um disparate conceitual, jurídico e prático. Depois, no entanto, não teve habilidade política para chegar a um texto consensual, desfigurando o projeto a ponto de ninguém entender, nem mesmo especialistas, o que afinal irá à votação. Numa das versões, Derrite alterou as competências da Polícia Federal, provocando uma reação unânime de policiais, juristas e parlamentares de quase todas as bancadas. Em outra, chegou a incluir dispositivos que dificultavam a apreensão de bens e recursos das facções.

O texto está em constante mutação porque está premido por pressões ideológicas e interesses eleitorais. Não é assim que se trata uma lei penal tão complexa, que deve ser discutida com base em critérios técnicos e, principalmente, orientada por uma visão de Estado – vale dizer, apartidária – do problema da segurança pública. As grandes lideranças das facções criminosas certamente se sentem muito confortáveis em meio a essa barafunda.

A Câmara, em vez de discutir como fortalecer a capacidade investigativa do poder público contra essas verdadeiras máfias, que estão infiltradas no Estado e na economia formal, perde dias debatendo se o PCC ou o Comando Vermelho podem ser chamados de “terroristas”, uma distração inconsequente que diz muito sobre o que realmente tem motivado os parlamentares nesta hora grave: a eleição de 2026.

O Brasil precisa de um marco legal racional e moderno parecido com a legislação antimáfia da Itália, que fortaleça as instituições e aperfeiçoe os instrumentos já existentes. Os Códigos Penal e de Processo Penal, além da Lei das Organizações Criminosas, já oferecem, hoje, base suficiente para enfrentar o crime organizado. A Operação Carbono Oculto, que desferiu um duro golpe nas finanças do PCC ao integrar forças estaduais e federais, prova que o Estado pode agir com eficiência quando há coordenação e inteligência – e com base na legislação em vigor. É disso que o País carece, e não de retórica truculenta ou de leis improvisadas.

Por fim, não se pode desvincular a bagunça causada por Derrite do erro de análise de alguns governadores e parlamentares, empolgados com pesquisas que apontaram apoio massivo à recente operação policial nos Complexos da Penha e do Alemão, no Rio. Eles parecem acreditar que endurecer o discurso e a lei basta para agradar o eleitorado. A população está farta da violência das facções, mas também cansada da ausência do Estado. É disso que se trata. Quer segurança, não espetáculo; quer presença do poder público, não banhos de sangue travestidos de combate ao crime.

Um processo absurdo

Por O Estado de S. Paulo

O caso Tagliaferro – que, por denunciar um suposto abuso de Moraes, virou réu e será julgado pelo próprio juiz denunciado – expõe um Supremo que transforma a exceção em método

Nenhum país se torna autocrático do dia para a noite. A degeneração institucional é um processo gradual, em que medidas “excepcionais”, no início incômodas, passam a ser aceitas como rotina. No Brasil, esse processo ganhou rosto e método. Sob o pretexto de defender a democracia, o Supremo Tribunal Federal (STF) consolidou uma forma de poder que dissolve os freios e contrapesos constitucionais. O caso de Eduardo Tagliaferro – o ex-assessor do ministro Alexandre de Moraes transformado em réu pelo próprio ministro que ele denunciou – é o retrato mais nítido de uma Corte que se julga infalível, e por isso se permite tudo. É um tribunal que, em vez de corrigir abusos, os institucionaliza.

Segundo Tagliaferro, havia uma estrutura paralela dentro do Tribunal Superior Eleitoral, usada para monitorar críticos e produzir relatórios “sob medida” que justificavam censuras e bloqueios. A ordem, segundo mensagens atribuídas ao gabinete de Moraes e divulgadas pela Folha de S.Paulo, era explícita: “Use a criatividade”. Quando o denunciante expôs o suposto desvio, foi acusado de violar o sigilo funcional e passou a ser julgado pelo mesmo magistrado cujas irregularidades apontara. No Brasil de hoje, quem denuncia o abuso vira réu, e o juiz do caso é o acusado de praticar o abuso.

A perversão jurídica é tão evidente quanto constrangedora. Moraes atua, simultaneamente, como vítima, investigador e julgador – e o tribunal age como cúmplice passivo. A Procuradoria-Geral da República, em vez de apurar as denúncias feitas pelo ex-assessor, preferiu denunciá-lo. O processo tramita em foro indevido, e a decisão que tornou Tagliaferro réu por, entre outras acusações, “abolição violenta do Estado Democrático de Direito” foi tomada no plenário virtual, sem sustentação oral presencial e contraditório efetivo. Mensagens entre Tagliaferro e seu advogado chegaram a ser tornadas públicas, violando o sigilo profissional. Em nenhum Estado de Direito isso é justiça. É abuso de autoridade.

O escândalo não é circunstancial. O que está em jogo é a mutação da exceção em sistema. As mesmas violações se repetem com metódica naturalidade: inquéritos secretos, elásticos e intermináveis, censura prévia, mandados de busca por opiniões, prisões preventivas que se eternizam, decisões monocráticas que suspendem leis e calam vozes. A reação à barbárie do 8 de Janeiro degenerou num regime de tutela permanente. O “Estado de exceção” virou expediente administrativo; o poder de julgar, instrumento para intimidar; e a toga, um salvo-conduto ao arbítrio.

Essa lógica moralista substitui o Direito por cruzadas de salvação. A toga transformou-se em armadura, e o juiz, em parte interessada do próprio veredito. A imparcialidade virou fraqueza; a prudência, álibi dos que se calam. O Supremo já não age como intérprete da Constituição, mas como seu substituto, convencido de que encarna o bem e pode combater o mal à base de canetadas judiciais. O STF, afinal, parece ter descoberto o moto-perpétuo da moralidade: julga, absolve a si mesmo e aplaude a própria virtude. É a liturgia do poder travestida de zelo cívico.

Os ministros precisam fazer uma autocrítica, reafirmando o devido processo, a separação entre acusar e julgar e a humildade de absolver quando há dúvida, pois a autoridade da Justiça nasce da forma, não da força. A democracia não precisa de guardiões armados de exceção, mas de juízes capazes de obedecer às suas regras. Só quem compreende seus limites pode exercer legitimamente o poder. E é esse senso de limite que o STF parece ter pulverizado.

O caso Tagliaferro não é um acidente, é um sintoma. É o espelho de uma Corte que, a pretexto de salvar a República, decidiu que está acima dela. Não se defende a democracia traindo os princípios que a definem. Não se preserva a liberdade por meio da censura, nem a Constituição por meio da violação de suas garantias. Quando a exceção se torna método, a lei deixa de proteger o cidadão e passa a proteger o poder. E nenhuma democracia sobrevive muito tempo a essa impostura, sobretudo quando ela se traveste de virtude e fala em nome da lei.

A decomposição dos Correios

Por O Estado de S. Paulo

Explosão de ações judiciais contra estatal é resultado de exploração política e má gestão

Uma enxurrada de ações trabalhistas é sintoma comum a empresas em situação pré-falimentar, por isso não chega a causar surpresa a explosão de processos contra os Correios, que há algum tempo respiram com a ajuda de aparelhos. A média de seis ações por hora abertas nos últimos 12 meses, conforme revelou reportagem do Estadão, dá a medida do temor dos empregados de não terem os direitos respeitados. A surpresa, neste caso, é a insistência do governo de tentar encobrir a insolvência, cujas causas estão diretamente ligadas à má gestão de uma estatal capturada por interesses políticos.

Há cerca de um mês ganhou destaque o apelo da direção da empresa ao governo federal por um socorro de R$ 20 bilhões – dinheirama que não resolveria a dramática situação da estatal, apenas ajudaria a cobrir despesas operacionais e de pessoal até 2026. O Tesouro Nacional tomou a frente das negociações, mas até agora não há notícia de que algum banco – nem mesmo os públicos Banco do Brasil e Caixa – tenha colocado recursos a disposição para o empréstimo, apesar da garantia do Tesouro (o que significa que, em caso de inadimplência, a conta seria paga com dinheiro do contribuinte).

Classificada juridicamente como uma estatal não dependente do Tesouro, ou seja, capaz de operar com suas próprias receitas, os Correios registram prejuízo desde a segunda metade de 2022, ou 12 trimestres consecutivos até junho deste ano. O resultado do terceiro trimestre ainda não foi divulgado, mas somente nos primeiros seis meses de 2025 o rombo chegou ao recorde de R$ 4,3 bilhões. Somada ao resultado negativo de R$ 2,6 bilhões de 2024, a cifra é o retrato da bancarrota, mas, a despeito do cenário de catástrofe financeira, os cargos da companhia continuam sendo alvo de disputa ferrenha entre políticos.

O interesse em torno da companhia atravessa o espectro partidário da esquerda à direita e é pano de fundo das mais diversas negociações. Mesmo deficitária, a empresa tem como capital político a presença em todo o território nacional e seu patrimônio inclui uma gigantesca relação de imóveis e bens. Sob gestão privada, é possível que uma empresa desse porte estivesse concorrendo com as gigantes de vendas online, setor que prevê movimentar este ano R$ 235 bilhões, de acordo com a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm). Mas um dos primeiros atos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao assumir seu terceiro mandato, em 2023, foi retirar os Correios da lista de privatizações, sob o argumento, veiculado na época, de reforçar a “oferta de cidadania” – mais uma expressão vazia do léxico petista, aquele que sempre resulta em prejuízo para o País.

De acordo com levantamento do Estadão, com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), até outubro o total de ações trabalhistas contra os Correios somava mais de 75 mil. Considerando o total em torno de 83 mil funcionários, os litígios representariam mais de 90% do quadro, mas nem todos se referem a pessoal em atividade. Seja como for, parece claro que, no processo de decomposição da empresa, o que não falta é necrófago. 

Aumento dos casos de diabetes desafia o país

Por Correio Braziliense

O SUS ainda atua mais no tratamento das complicações (como amputações e diálise) do que na prevenção e no controle precoce do diabetes tipo 2

O diabetes tipo 2 deixou de ser apenas doença crônica para se tornar um retrato da sociedade moderna: sedentária, desinformada e alimentada por ultraprocessados. Segundo a Federação Internacional de Diabetes (IDF), 530 milhões de adultos vivem hoje com essa condição, e o número deve ultrapassar 760 milhões até 2050. No Brasil, já são mais de 16 milhões de pessoas, e as projeções também indicam crescimento constante de pacientes. Um alerta hoje, Dia Mundial do Diabetes: a cada 10 adultos brasileiros, um tem a doença — e metade sequer sabe disso.  

A explicação para esse aumento vai muito além da ideia simplista de que "as pessoas comem muito doce". O avanço da doença resulta de uma combinação explosiva: envelhecimento populacional, obesidade, má alimentação, sedentarismo, urbanização acelerada e desigualdade social.

O Brasil vive uma transição alimentar perigosa. Alimentos ultraprocessados, ricos em açúcares e gorduras, dominam as prateleiras e substituem a comida de verdade. Paralelamente, o trabalho sedentário, o transporte motorizado e a falta de tempo reduzem a prática de atividades físicas. O resultado é um ambiente propício para a obesidade, que favorece o aparecimento de doenças metabólicas.

O Sistema Único de Saúde (SUS) é o principal escudo da população contra o avanço do diabetes. O país oferece insulina e medicamentos orais gratuitamente, além de programas de acompanhamento em unidades básicas de saúde (UBSs). No entanto, o sistema enfrenta falhas graves: descontinuidade de tratamento, escassez de insumos, ausência de profissionais especializados e dificuldade de acesso a exames e tecnologias modernas — como sensores contínuos de glicemia.

Em muitas regiões, faltam endocrinologistas, nutricionistas e educadores em diabetes. Assim, o SUS ainda atua mais no tratamento das complicações (como amputações e diálise) do que na prevenção e no controle precoce da doença — realidade que se repete no enfrentamento de outras doenças crônicas.

O tema também ocupa espaço crescente no Congresso Nacional. Entre os principais projetos de lei, destacam-se o PL 3.526/2024, que propõe o fornecimento gratuito de sensores contínuos de glicemia pelo SUS; e o PL 4.565/2024, que assegura o direito de monitorar a glicemia em provas e concursos, sem prejuízo ao candidato. Essas propostas refletem uma mobilização social legítima, mas enfrentam entraves orçamentários e disputas técnicas. O desafio é equilibrar justiça social e viabilidade econômica, evitando que a burocracia adie soluções urgentes.

Culpar o paciente é mais fácil do que enfrentar o verdadeiro problema: um sistema que favorece o adoecimento. Falta regulação da indústria alimentícia, rotulagem clara, políticas de incentivo à alimentação saudável e condições socioeconômicas que facilitem a adoção de hábitos mais saudáveis, como espaços urbanos seguros que estimulem a prática de atividades físicas.

A prevenção, embora mais barata e eficaz que o tratamento, continua subfinanciada. O país investe mais em hemodiálise e amputações do que em hortas escolares e ciclovias. É a lógica invertida de um sistema que trata o sintoma, mas ignora a causa.

Crédito fica mais apertado com inadimplência em alta

Por Valor Econômico

Relatório do BC revela a intensificação dos efeitos do aperto monetário esboçados no primeiro semestre

Os bancos colocaram o pé no freio no crédito, que vinha em forte expansão, e as condições financeiras são hoje bem mais apertadas que as do início do ano. O maior risco é a inadimplência em alta, com o elevado e crescente comprometimento da renda com dívidas, no caso das pessoas físicas, e alta alavancagem no caso das pessoas jurídicas, como apontam o Relatório de Estabilidade Financeira do primeiro semestre e a Pesquisa Trimestral de Condições de Crédito, divulgados pelo Banco Central (BC) nos últimos dias. Como tem sido habitual, não há risco neste ambiente para as instituições financeiras, que fizeram as provisões conservadoras para perdas esperadas, estão adequadamente capitalizadas e não apresentam descasamento entre ativos e passivos.

O principal canal de transmissão da política monetária restritiva e os juros altos que a acompanham é o do crédito. Com a desaceleração do crédito amplo da economia, segundo o BC, o ritmo de expansão dos empréstimos no primeiro semestre se aproximou da tendência de longo prazo, isto é, o hiato do crédito diminuiu, invertendo uma tendência que persistia desde 2023. Esse hiato já é negativo para pessoas físicas e jurídicas, mas o crédito amplo ainda é positivo e está em expansão devido às captações no mercado de capitais, que ganhou relevo diante dos empréstimos bancários. Os títulos privados ainda avançam a um ritmo bem superior aos empréstimos bancários.

Esse retrato do primeiro trimestre se mantém no resto do ano, segundo a pesquisa de crédito, feita junto às instituições financeiras. Uma das conclusões é que as condições de oferta de crédito continuaram se deteriorando no terceiro trimestre e seguirão assim no quarto. A demanda por crédito, no entanto, continuou igual ou superior à do início do ano, mas não será atendida plenamente, porque o “nível de tolerância ao risco e à inadimplência piorou em todos os segmentos” e deve piorar mais no último trimestre do ano.

Assiste-se à intensificação dos efeitos do aperto monetário esboçados no primeiro semestre. O relatório de estabilidade apontou que na primeira metade do ano houve aumento dos ativos problemáticos em todas as modalidades de empréstimos, com exceção do financiamento imobiliário, impulsionados pela inadimplência. Segundo o BC, o aperto monetário não tinha ainda, no primeiro semestre, afetado de maneira significativa indicadores relevantes das empresas, como a relação entre dívida líquida e ebitda (endividamento em relação à capacidade de geração de receita) e o índice de cobertura de juros (recursos disponíveis em relação aos compromissos financeiros). No entanto, o BC vê sinais de alerta no crescimento das dívidas e de seu custo, que pesarão mais nos balanços à medida que a atividade econômica perde fôlego. Além disso, “ao avaliar as empresas como um todo, há um aumento da percepção entre as instituições do sistema financeiro de que o grau de alavancagem está elevado”, aponta a pesquisa.

No Relatório de Estabilidade, os ativos problemáticos (obrigações com atraso de pagamento de mais de 90 dias) constituem 14% do crédito às microempresas, 10% para as pequenas, 7% para as médias e 4% para as grandes. A probabilidade de default no estoque dos empréstimos revela que a inadimplência pode piorar, caso se mantenha a política monetária restritiva. A chance de falta de pagamento ronda 17% do total de empréstimos das pequenas empresas, 13% das médias e 5% das grandes.

Por isso, o crédito bancário já havia desacelerado para empresas de todos os portes, exceto as médias. O freio foi mais forte para as grandes empresas, que, no entanto, supriram suas necessidades utilizando o mercado de capitais como fonte de financiamento. Já o crédito bancário para as famílias apresentava perda de ritmo na margem ao fim do primeiro semestre. A pesquisa das condições de crédito mostra que as restrições aumentaram nos meses subsequentes devido ao nível de inadimplência do mercado. Para o fim do ano, as instituições financeiras esperam que comprometimento da renda e calotes continuarão estimulando um comportamento conservador nos empréstimos, que serão até certo ponto minorados pela concorrência entre bancos para captar novos clientes.

A conclusão do BC é que “o financiamento à economia real desacelerou, em linha com as condições financeiras mais restritivas e com a moderação no crescimento da atividade econômica”, como seria de esperar, aliás, com taxas de juros reais perto de 10%. Mesmo com aumento de renda e mercado de trabalho aquecido, o comprometimento da renda das famílias está em alta, enquanto juros altos para as empresas pesam proporcionalmente diante da tendência de queda das receitas. A inflação está declinando e só não o faz de forma mais rápida pela série de estímulos fiscais desnecessários para manter a economia em crescimento. Mantida por muito tempo, a carga de juros será insuportável para a dívida pública, e para os consumidores e empresas que dependem de crédito.

Segurança pública: a propaganda e a realidade

Por O Povo (CE)

É preciso que o governo do Ceará faça um balanço para avaliar por que as políticas para a segurança pública não surtem efeitos ou apresentam resultados abaixo do esperado

Após a intensa propaganda sobre as atividades das forças de segurança no Ceará, com anúncio de prisão de líderes de facções criminosas, contratação de mais agentes e aumento de recursos para segurança pública, outubro trouxe más notícias para o governo. O décimo mês do ano registrou o maior número de homicídios no Estado em 2025.

Balanço divulgado pela Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) aponta que, no período, aconteceram 284 crimes violentos letais intencionais (CVLI), superando agosto, com 281 assassinatos. Nos dez primeiros meses do ano, o número chegou a 2.523 CVLI. Outro dado que chama a atenção é que 41 mortes aconteceram por intervenção policial, o maior quantitativo observado em um mês, desde 2013.

Mas essa situação não é restrita ao Ceará, a criminalidade e a atuação do crime organizado disseminam-se por todo o País. É difícil fugir da discussão sobre segurança pública devido à relevância que o tema adquiriu, mobilizando debates entre autoridades, mas também se tornando um assunto praticamente obrigatório em todas as rodas de conversa. Pesquisa da Quaest, divulgada na quarta-feira, mostra que a preocupação dos brasileiros com a violência aumentou de 30% para 38% em um mês.

Outro levantamento recente, do instituto Datafolha, concluiu que 19% dos moradores vivem em áreas sob influência de facções e de milícias, equivalente ao total de mais de 28 milhões de pessoas impactadas pelo crime organizado.

Frente a essa situação calamitosa, nem esquerda, nem direita apresentam propostas que apontem uma direção segura para evitar que a situação continue se deteriorando. O mais comum é que a discussão descambe para "narrativas" eleitoreiras, proposições inócuas e, pior, apelo a métodos populistas, que somente agravam o problema.

Alguns eventos, como a chamada "megaoperação", desfechada nos complexos da Penha e do Alemão pelo governo do Rio de Janeiro, provocando a morte de 121 pessoas, fizeram o Congresso Nacional mobilizar-se a toque de caixa, tornando a situação ainda mais confusa.

Sob a liderança canhestra do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), um assunto que demandaria discussão aprofundada, a PL Antifacção, ganhou tramitação em "regime de urgência". A relatoria foi entregue a Guilherme Derrite (PL-SP), que não tem a mínima condição de formar os consensos necessários para gerar uma proposta que concilie as diferenças políticas, mas que seja eficaz para combater o crime. Derrite já está na quarta versão do projeto, depois de ter desfigurado a proposta do governo, sem ter a mínima ideia do que pôr no lugar. Era um fracasso anunciado, só não visto pelo hesitante presidente da Câmara.

Quanto ao Ceará, é preciso que o governo faça um balanço para avaliar por que as políticas de segurança pública não surtem efeito ou apresentam resultados abaixo do que seria esperado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.