PF faz bem em apertar cerco por fraude no INSS
Por O Globo
Operação prendeu ex-presidente do instituto,
acusado de atuar em favor de confederação sindical
A Polícia Federal (PF) apertou o cerco contra
os suspeitos da fraude bilionária que lesou aposentados e pensionistas por meio
de descontos indevidos. Prendeu nesta quinta-feira o ex-presidente do INSS Alessandro
Stefanutto, demitido após o escândalo vir à tona. Ele é acusado de ter atuado para
liberar descontos a favor da Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura depois de parecer contrário da procuradoria do INSS e de receber
propina de uma das entidades investigadas (a defesa dele considerou a prisão
“completamente ilegal” e alegou que Stefanutto tem colaborado com as
apurações).
A operação da PF, em parceria com a Controladoria-Geral da União (CGU), cumpriu dez mandados de prisão e 63 de busca e apreensão em 14 estados e no Distrito Federal. Entre os alvos estavam José Carlos Oliveira, ministro do Trabalho e Previdência no governo Bolsonaro (ele terá de usar tornozeleira eletrônica), o deputado federal Euclydes Pettersen (Republicanos-MG) e o deputado estadual do Maranhão Edson Araújo (PSB). São investigados os crimes de inserção de dados falsos em sistemas oficiais, constituição de organização criminosa, estelionato previdenciário, corrupção ativa e passiva, além de atos de ocultação e dilapidação patrimonial. As medidas foram autorizadas pelo ministro André Mendonça, relator do caso no Supremo.
Embora o governo federal tenha começado a
ressarcir as vítimas em julho, a reparação não encerra o crime cometido. É
fundamental identificar todos os responsáveis pela fraude e entender como
descontos não autorizados eram chancelados pelo INSS. Muitos aposentados nem
percebiam que eram roubados, pois os descontos mensais eram relativamente
baixos.
As autorizações apresentadas por sindicatos
em geral eram fraudadas. Segundo a CGU, 70% das 29 entidades habilitadas a
operar com os descontos não entregaram a documentação exigida ao INSS. A
roubalheira aconteceu entre 2019 e 2024, mas explodiu no atual governo. O INSS
estimou a devolução dos valores descontados indevidamente em R$ 2,5 bilhões.
Houve alertas dos órgãos de controle sobre aumentos atípicos na arrecadação dos
sindicatos, mas eles foram desprezados. O episódio levou à queda do então
ministro da Previdência, Caros Lupi.
O crime é investigado também pela CPMI do
INSS, mas infelizmente os trabalhos têm sido afetados pelas circunstâncias
políticas. Em outubro, a base governista barrou a convocação de José Ferreira
da Silva, o Frei Chico, irmão do presidente Luiz Inácio Lula da Sila e
vice-presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos da
Força Sindical, uma das entidades na mira das autoridades. Ele não é
formalmente investigado, mas, como qualquer outro, poderia contribuir para as
apurações. Não é blindando aliados que a comissão avançará.
Como antídoto a fraudes, é bem-vindo o
projeto aprovado no Senado proibindo descontos automáticos de entidades
associativas na folha de aposentados e pensionistas. O texto, que seguirá para
sanção de Lula, foi apresentado em 2024, mas só ganhou fôlego na esteira do
escândalo. Considerando a desfaçatez de sindicatos mal-intencionados para forjar
autorizações, é medida acertada. Lamenta-se que não tenha vindo antes, para
impedir que beneficiários fossem roubados e que o governo, negligente, ainda
tivesse de pagar a conta do ressarcimento.
Tabelamento de taxas de vale-refeição e
alimentação tem tudo para fracassar
Por O Globo
Se a intenção do governo é reduzir preço
cobrado do consumidor, plano não atingirá o objetivo
O decreto com mudanças no vale-refeição e no
vale-alimentação assinado
pelo presidente Luiz Inácio Lula da
Silva nesta semana é um exemplo perfeito de como é possível fazer um
diagnóstico correto, ter boa intenção e, ainda assim, adotar uma medida que tem
tudo para fracassar.
Criado em 1976, o Programa de Alimentação do
Trabalhador (PAT) atende hoje mais de 300 mil empresas. São empregadores
dispostos a ajudar seus empregados com os populares “tíquetes” em troca de
benefícios fiscais. No todo, alcança 22 milhões de funcionários e conta com uma
rede de 800 mil restaurantes e supermercados credenciados. Apesar da
abrangência, havia o que corrigir. O principal problema são as taxas altas
cobradas dos estabelecimentos comerciais. A média paga por restaurantes e
supermercados para receber vales refeição ou alimentação (5,19%) é superior à
exigida de cartões de crédito (3,6%) e débito (2%). Diante do problema, Lula
optou por um remédio sabidamente errado: o tabelamento. Definiu um teto de 3,6%
para a taxa. A intenção declarada do governo é baixar o preço dos alimentos.
Certamente o plano não atingirá o objetivo.
Por dois motivos. Primeiro, porque o teto
cria uma distorção na formação dos preços. As operadoras dos vales não poderão
mais cobrar taxas maiores dos estabelecimentos que geram pouco negócio, então
aumentarão quanto cobram de quem paga abaixo da média. Grandes supermercados
com milhares de clientes que obtinham negociações vantajosas ficarão mais próximos
de restaurantes que servem poucas dezenas de pratos por dia, e o usuário pagará
mais. Segundo motivo: mesmo aqueles estabelecimentos cujas taxas sofrerão
redução dificilmente repassarão a diferença ao consumidor, como demonstram
estudos de situações semelhantes.
Outras mudanças estipuladas no decreto são
meritórias e têm mais chance de dar certo. O prazo para o repasse dos valores
para restaurantes e similares foi limitado a 15 dias corridos após a transação,
não mais cerca de um mês. Há, porém, dúvida sobre a viabilidade. Cerca de 30%
dos clientes das empresas de vales estão no setor público, e prefeituras e
estatais costumam demorar mais a pagar. Para evitar sobressaltos, o governo
tomou um cuidado extra: deu prazo de um ano para ajuste de contratos.
O decreto também proíbe que empresas de vales que atendam mais de 500 mil funcionários sejam as responsáveis por toda a cadeia do credenciamento e obriga o uso dos cartões em qualquer máquina — certamente um avanço em prol da concorrência. Se essas medidas resultarem na entrada de novas empresas no mercado e aumentarem a competição, aí sim as taxas deverão registrar queda significativa. De todo modo, tudo isso poderia ter sido exigido pelos organismos que cuidam da concorrência. Não havia necessidade de o Executivo se envolver, ainda mais com medidas equivocadas.
Combate a facções pode superar conflito
político
Por Folha de S. Paulo
Escolha de Derrite como relator do projeto de
Lula para debelar o crime organizado acirra embate ideológico
Há dispositivos no texto que merecem um
entendimento suprapartidário, como a ação civil de perdimento de bens de origem
ilícita
Na tentativa, até aqui frustrada, de votar um
projeto de lei para dar ao Estado maior capacidade de enfrentar as facções do
crime organizado, o mundo político brasileiro deu demonstração de como disputas
menores podem prejudicar o avanço de políticas públicas fundamentais. Ainda
restam esperanças de avanço, contudo.
O debate, já tardio, ganhou impulso
desordenado quando uma megaoperação contra o narcotráfico no Rio de Janeiro
resultou em mais de cem mortos, mas
recebeu o apoio da população e colocou a segurança pública no
centro da campanha eleitoral de 2026. Em resposta, o governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
apressou sua proposta legislativa contra as organizações criminosas.
A politização do tema se acentuou quando o
presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB),
escolheu como relator do texto Guilherme
Derrite (PP-SP), deputado que até
então ocupava a Secretaria da Segurança Pública do governo paulista de Tarcísio de
Freitas (Republicanos), potencial candidato da direita à
sucessão de Lula.
Ele próprio um provável candidato ao Senado
—ou, quem sabe, até ao governo estadual— em 2026, Derrite correu a aproveitar a
chance de visibilidade. Com isso, atraiu também reação estridente das forças
aliadas a Lula.
As primeiras iniciativas do relator foram
marcadas por bandeiras ideológicas e embates corporativos, como a tolice de
equiparar facções a terroristas ou o despautério de enfraquecer a Polícia
Federal. Mas, ao menos, ele mostrou disposição de negociar e recuou
nesses dispositivos —o que deu pretexto, por sua vez, à má vontade de
governadores e parlamentares da linha-dura.
Gritaria à parte, tanto a proposta original
do governo quanto o substitutivo do relator contêm providências relevantes que
merecem fazer parte de um entendimento suprapartidário, como as destinadas a
atingir o coração financeiro das organizações.
Entre as inovações, destacam-se a
possibilidade de infiltração de policiais em empresas de fachada, a intervenção
estatal em pessoas jurídicas usadas por facções, a cooperação com o setor
privado e a ação civil
de perdimento de bens de origem ilícita, mesmo sem condenação penal.
Nesta última, o objetivo é impedir, por exemplo, que herdeiros de operadores
financeiros de facções sejam beneficiados por recursos provenientes do crime.
O projeto prevê ainda que o patrimônio usado
ou destinado à prática criminosa, ou empregado para ocultar valores ilegais,
possa ser confiscado caso o proprietário ou possuidor não comprove sua origem
lícita. Os seus bens seriam revertidos em favor do Estado ou das vítimas, com
respeito ao devido processo legal e à proteção do terceiro de boa-fé.
Mesmo com falhas técnicas e distorcido por
polarização ideológica, o debate deixa claro que o país precisa modernizar seu
arcabouço jurídico para enfrentar a complexidade das facções.
Escândalo no INSS volta a assombrar Lula
Por Folha de S. Paulo
Além da prisão de ex-presidente do órgão,
investigação da PF atinge figuras do governo Bolsonaro
A fraude começou na gestão Temer, seguiu na
de Bolsonaro e chegou à de Lula, quando atingiu recorde de R$ 1,3 bilhão
desviado em 2024
Apesar de ter sido encoberta pela sucessão de
temas que assolaram o noticiário doméstico desde o começo do ano, como a guerra
comercial de Donald Trump contra o Brasil ou o debate acerca da segurança
pública, a crise do INSS volta
a ser a alvo de atenção.
Nesta quinta (13), a Polícia
Federal prendeu Alessandro Stefanutto, ex-presidente do órgão que
ocupou o cargo de julho de 2023 a abril deste ano, quando a eclosão do
escândalo forçou sua saída.
É um sinal salutar que, mesmo com a
barulheira no mundo político, com direito à criação de uma Comissão Parlamentar
Mista de Inquérito para apurar a fraude, o trabalho de investigação policial
seguiu seu curso.
Ele já havia revelado as proporções
infames do esquema descoberto, no qual entidades usualmente ligadas
a políticos descontavam de forma não autorizada valores de aposentadorias e
pensões na casa de mais de R$ 6 bilhões, segundo a investigação.
Por óbvio, a detenção de Stefanutto e outras
frentes são parte do processo, não seu fim, sendo necessário estabelecer
responsabilidades e garantir o amplo direito à defesa aos acusados.
Do ponto de vista político, a nova etapa da
chamada Operação Sem Desconto é motivo para tensão extra no Palácio do Planalto,
dado seu potencial impacto na campanha eleitoral de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
em 2026. Os elementos do escândalo são de facílima compreensão para o
eleitorado: resumem-se ao proverbial roubo do dinheiro de velhinhos.
O que estará em jogo no próximo pleito é a
paternidade do malfeito, cujas origens remontam à gestão de Michel Temer (MDB), entre
2016 e 2018.
O esquema prosseguiu no governo Jair
Bolsonaro (PL) e chegou ao de Lula,
quando atingiu o recorde de R$ 1,3 bilhão desviado em 2024, de acordo com a PF.
O trabalho da polícia abarca ambos os lados
do espectro político. Entre os alvos da operação, além do ex-presidente do INSS
nomeado sob Lula, está o ex-ministro do Trabalho de Bolsonaro Armed Mohamad
Oliveira (PL).
Políticos do PSB do
vice Geraldo
Alckmin e do Republicanos do governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas, também estão no rol de investigados, e ainda há suspeitas
sobre sindicato no qual um irmão de Lula, conhecido como Frei Chico, é
vice-presidente.
Com efeito, o Planalto corre para dizer que o problema é de todos —e que foi sob Lula que a PF enfim revelou o esquema. Pode ser, mas isso não apaga um fato básico do presidencialismo: toda e qualquer crise acaba na mesa do chefe do Executivo.
Brincando com coisa séria
Por o Estado de S. Paulo
Profusão de rascunhos do projeto antifacção
revela um relator perdido e uma Câmara sem maturidade para tratar de um dos
maiores desafios nacionais: combater o crime organizado
O País assiste a mais um espetáculo
lamentável na Câmara dos Deputados em torno de um tema que deveria ser tratado
com maturidade e espírito público: o combate ao crime organizado. Designado
relator do projeto de lei antifacção, o deputado Guilherme Derrite (PP-SP)
conseguiu a façanha de desagradar a todos: governo federal, governos estaduais,
promotores, policiais e, sobretudo, a sociedade, que segue esperando respostas
eficazes para a audácia das facções criminosas.
Em apenas cinco dias, Derrite apresentou
quatro versões de seu substitutivo. A última, protocolada na noite do dia 12
passado, é quase um fac-símile do texto apresentado originalmente pelo
presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O vaivém é tão confuso que até o nome do
projeto já mudou: de Marco Legal do Combate ao Crime Organizado para Marco
Legal do Combate ao Crime Organizado Ultraviolento – como se isso tivesse
alguma importância para a sociedade. Os rascunhos, contraditórios, pintam o
retrato de um relator perdido, incapaz de construir um consenso mínimo sobre um
texto crucial para a segurança pública.
Ninguém sabe exatamente o que está sendo
discutido. As negociações entre Executivo e Legislativo são marcadas por idas e
vindas, mas sem liderança e coerência. O pastelão é tão absurdo que até os
governadores de oposição a Lula reunidos no chamado “consórcio da paz” tiveram
de ir a Brasília para pedir ao presidente da Câmara, Hugo Motta
(Republicanos-PB), que adiasse a votação do projeto por ao menos 30 dias.
Como sublinhamos nesta página, Derrite
começou sua relatoria de modo razoável, evitando cair na armadilha populista de
equiparar facções criminosas a organizações terroristas – um disparate
conceitual, jurídico e prático. Depois, no entanto, não teve habilidade
política para chegar a um texto consensual, desfigurando o projeto a ponto de
ninguém entender, nem mesmo especialistas, o que afinal irá à votação. Numa das
versões, Derrite alterou as competências da Polícia Federal, provocando uma
reação unânime de policiais, juristas e parlamentares de quase todas as
bancadas. Em outra, chegou a incluir dispositivos que dificultavam a apreensão
de bens e recursos das facções.
O texto está em constante mutação porque está
premido por pressões ideológicas e interesses eleitorais. Não é assim que se
trata uma lei penal tão complexa, que deve ser discutida com base em critérios
técnicos e, principalmente, orientada por uma visão de Estado – vale dizer,
apartidária – do problema da segurança pública. As grandes lideranças das
facções criminosas certamente se sentem muito confortáveis em meio a essa
barafunda.
A Câmara, em vez de discutir como fortalecer
a capacidade investigativa do poder público contra essas verdadeiras máfias,
que estão infiltradas no Estado e na economia formal, perde dias debatendo se o
PCC ou o Comando Vermelho podem ser chamados de “terroristas”, uma distração
inconsequente que diz muito sobre o que realmente tem motivado os parlamentares
nesta hora grave: a eleição de 2026.
O Brasil precisa de um marco legal racional e
moderno parecido com a legislação antimáfia da Itália, que fortaleça as
instituições e aperfeiçoe os instrumentos já existentes. Os Códigos Penal e de
Processo Penal, além da Lei das Organizações Criminosas, já oferecem, hoje, base
suficiente para enfrentar o crime organizado. A Operação Carbono Oculto, que
desferiu um duro golpe nas finanças do PCC ao integrar forças estaduais e
federais, prova que o Estado pode agir com eficiência quando há coordenação e
inteligência – e com base na legislação em vigor. É disso que o País carece, e
não de retórica truculenta ou de leis improvisadas.
Por fim, não se pode desvincular a bagunça
causada por Derrite do erro de análise de alguns governadores e parlamentares,
empolgados com pesquisas que apontaram apoio massivo à recente operação
policial nos Complexos da Penha e do Alemão, no Rio. Eles parecem acreditar que
endurecer o discurso e a lei basta para agradar o eleitorado. A população está
farta da violência das facções, mas também cansada da ausência do Estado. É
disso que se trata. Quer segurança, não espetáculo; quer presença do poder
público, não banhos de sangue travestidos de combate ao crime.
Um processo absurdo
Por O Estado de S. Paulo
O caso Tagliaferro – que, por denunciar um
suposto abuso de Moraes, virou réu e será julgado pelo próprio juiz denunciado
– expõe um Supremo que transforma a exceção em método
Nenhum país se torna autocrático do dia para
a noite. A degeneração institucional é um processo gradual, em que medidas
“excepcionais”, no início incômodas, passam a ser aceitas como rotina. No
Brasil, esse processo ganhou rosto e método. Sob o pretexto de defender a
democracia, o Supremo Tribunal Federal (STF) consolidou uma forma de poder que
dissolve os freios e contrapesos constitucionais. O caso de Eduardo Tagliaferro
– o ex-assessor do ministro Alexandre de Moraes transformado em réu pelo
próprio ministro que ele denunciou – é o retrato mais nítido de uma Corte que
se julga infalível, e por isso se permite tudo. É um tribunal que, em vez de
corrigir abusos, os institucionaliza.
Segundo Tagliaferro, havia uma estrutura
paralela dentro do Tribunal Superior Eleitoral, usada para monitorar críticos e
produzir relatórios “sob medida” que justificavam censuras e bloqueios. A
ordem, segundo mensagens atribuídas ao gabinete de Moraes e divulgadas
pela Folha de S.Paulo,
era explícita: “Use a criatividade”. Quando o denunciante expôs o suposto
desvio, foi acusado de violar o sigilo funcional e passou a ser julgado pelo
mesmo magistrado cujas irregularidades apontara. No Brasil de hoje, quem
denuncia o abuso vira réu, e o juiz do caso é o acusado de praticar o abuso.
A perversão jurídica é tão evidente quanto
constrangedora. Moraes atua, simultaneamente, como vítima, investigador e
julgador – e o tribunal age como cúmplice passivo. A Procuradoria-Geral da
República, em vez de apurar as denúncias feitas pelo ex-assessor, preferiu
denunciá-lo. O processo tramita em foro indevido, e a decisão que tornou
Tagliaferro réu por, entre outras acusações, “abolição violenta do Estado
Democrático de Direito” foi tomada no plenário virtual, sem sustentação oral
presencial e contraditório efetivo. Mensagens entre Tagliaferro e seu advogado
chegaram a ser tornadas públicas, violando o sigilo profissional. Em nenhum
Estado de Direito isso é justiça. É abuso de autoridade.
O escândalo não é circunstancial. O que está
em jogo é a mutação da exceção em sistema. As mesmas violações se repetem com
metódica naturalidade: inquéritos secretos, elásticos e intermináveis, censura
prévia, mandados de busca por opiniões, prisões preventivas que se eternizam,
decisões monocráticas que suspendem leis e calam vozes. A reação à barbárie do
8 de Janeiro degenerou num regime de tutela permanente. O “Estado de exceção”
virou expediente administrativo; o poder de julgar, instrumento para intimidar;
e a toga, um salvo-conduto ao arbítrio.
Essa lógica moralista substitui o Direito por
cruzadas de salvação. A toga transformou-se em armadura, e o juiz, em parte
interessada do próprio veredito. A imparcialidade virou fraqueza; a prudência,
álibi dos que se calam. O Supremo já não age como intérprete da Constituição,
mas como seu substituto, convencido de que encarna o bem e pode combater o mal
à base de canetadas judiciais. O STF, afinal, parece ter descoberto o
moto-perpétuo da moralidade: julga, absolve a si mesmo e aplaude a própria
virtude. É a liturgia do poder travestida de zelo cívico.
Os ministros precisam fazer uma autocrítica,
reafirmando o devido processo, a separação entre acusar e julgar e a humildade
de absolver quando há dúvida, pois a autoridade da Justiça nasce da forma, não
da força. A democracia não precisa de guardiões armados de exceção, mas de
juízes capazes de obedecer às suas regras. Só quem compreende seus limites pode
exercer legitimamente o poder. E é esse senso de limite que o STF parece ter
pulverizado.
O caso Tagliaferro não é um acidente, é um
sintoma. É o espelho de uma Corte que, a pretexto de salvar a República,
decidiu que está acima dela. Não se defende a democracia traindo os princípios
que a definem. Não se preserva a liberdade por meio da censura, nem a
Constituição por meio da violação de suas garantias. Quando a exceção se torna
método, a lei deixa de proteger o cidadão e passa a proteger o poder. E nenhuma
democracia sobrevive muito tempo a essa impostura, sobretudo quando ela se
traveste de virtude e fala em nome da lei.
A decomposição dos Correios
Por O Estado de S. Paulo
Explosão de ações judiciais contra estatal é
resultado de exploração política e má gestão
Uma enxurrada de ações trabalhistas é sintoma
comum a empresas em situação pré-falimentar, por isso não chega a causar
surpresa a explosão de processos contra os Correios, que há algum tempo
respiram com a ajuda de aparelhos. A média de seis ações por hora abertas nos
últimos 12 meses, conforme revelou reportagem do Estadão, dá a medida do temor
dos empregados de não terem os direitos respeitados. A surpresa, neste caso, é
a insistência do governo de tentar encobrir a insolvência, cujas causas estão
diretamente ligadas à má gestão de uma estatal capturada por interesses
políticos.
Há cerca de um mês ganhou destaque o apelo da
direção da empresa ao governo federal por um socorro de R$ 20 bilhões –
dinheirama que não resolveria a dramática situação da estatal, apenas ajudaria
a cobrir despesas operacionais e de pessoal até 2026. O Tesouro Nacional tomou
a frente das negociações, mas até agora não há notícia de que algum banco – nem
mesmo os públicos Banco do Brasil e Caixa – tenha colocado recursos a
disposição para o empréstimo, apesar da garantia do Tesouro (o que significa
que, em caso de inadimplência, a conta seria paga com dinheiro do
contribuinte).
Classificada juridicamente como uma estatal
não dependente do Tesouro, ou seja, capaz de operar com suas próprias receitas,
os Correios registram prejuízo desde a segunda metade de 2022, ou 12 trimestres
consecutivos até junho deste ano. O resultado do terceiro trimestre ainda não
foi divulgado, mas somente nos primeiros seis meses de 2025 o rombo chegou ao
recorde de R$ 4,3 bilhões. Somada ao resultado negativo de R$ 2,6 bilhões de
2024, a cifra é o retrato da bancarrota, mas, a despeito do cenário de
catástrofe financeira, os cargos da companhia continuam sendo alvo de disputa
ferrenha entre políticos.
O interesse em torno da companhia atravessa o
espectro partidário da esquerda à direita e é pano de fundo das mais diversas
negociações. Mesmo deficitária, a empresa tem como capital político a presença
em todo o território nacional e seu patrimônio inclui uma gigantesca relação de
imóveis e bens. Sob gestão privada, é possível que uma empresa desse porte
estivesse concorrendo com as gigantes de vendas online, setor que prevê
movimentar este ano R$ 235 bilhões, de acordo com a Associação Brasileira de
Comércio Eletrônico (ABComm). Mas um dos primeiros atos do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva ao assumir seu terceiro mandato, em 2023, foi retirar os
Correios da lista de privatizações, sob o argumento, veiculado na época, de
reforçar a “oferta de cidadania” – mais uma expressão vazia do léxico petista,
aquele que sempre resulta em prejuízo para o País.
De acordo com levantamento do Estadão, com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), até outubro o total de ações trabalhistas contra os Correios somava mais de 75 mil. Considerando o total em torno de 83 mil funcionários, os litígios representariam mais de 90% do quadro, mas nem todos se referem a pessoal em atividade. Seja como for, parece claro que, no processo de decomposição da empresa, o que não falta é necrófago.
Aumento dos casos de diabetes desafia o país
Por Correio Braziliense
O SUS ainda atua mais no tratamento das
complicações (como amputações e diálise) do que na prevenção e no controle
precoce do diabetes tipo 2
O diabetes tipo 2 deixou de ser apenas doença
crônica para se tornar um retrato da sociedade moderna: sedentária,
desinformada e alimentada por ultraprocessados. Segundo a Federação
Internacional de Diabetes (IDF), 530 milhões de adultos vivem hoje com essa
condição, e o número deve ultrapassar 760 milhões até 2050. No Brasil, já são
mais de 16 milhões de pessoas, e as projeções também indicam crescimento
constante de pacientes. Um alerta hoje, Dia Mundial do Diabetes: a cada 10
adultos brasileiros, um tem a doença — e metade sequer sabe disso.
A explicação para esse aumento vai muito além
da ideia simplista de que "as pessoas comem muito doce". O avanço da
doença resulta de uma combinação explosiva: envelhecimento populacional,
obesidade, má alimentação, sedentarismo, urbanização acelerada e desigualdade
social.
O Brasil vive uma transição alimentar
perigosa. Alimentos ultraprocessados, ricos em açúcares e gorduras, dominam as
prateleiras e substituem a comida de verdade. Paralelamente, o trabalho
sedentário, o transporte motorizado e a falta de tempo reduzem a prática de
atividades físicas. O resultado é um ambiente propício para a obesidade, que
favorece o aparecimento de doenças metabólicas.
O Sistema Único de Saúde (SUS) é o principal
escudo da população contra o avanço do diabetes. O país oferece insulina e medicamentos
orais gratuitamente, além de programas de acompanhamento em unidades básicas de
saúde (UBSs). No entanto, o sistema enfrenta falhas graves: descontinuidade de
tratamento, escassez de insumos, ausência de profissionais especializados e
dificuldade de acesso a exames e tecnologias modernas — como sensores contínuos
de glicemia.
Em muitas regiões, faltam endocrinologistas,
nutricionistas e educadores em diabetes. Assim, o SUS ainda atua mais no
tratamento das complicações (como amputações e diálise) do que na prevenção e
no controle precoce da doença — realidade que se repete no enfrentamento de
outras doenças crônicas.
O tema também ocupa espaço crescente no
Congresso Nacional. Entre os principais projetos de lei, destacam-se o PL
3.526/2024, que propõe o fornecimento gratuito de sensores contínuos de
glicemia pelo SUS; e o PL 4.565/2024, que assegura o direito de monitorar a
glicemia em provas e concursos, sem prejuízo ao candidato. Essas propostas
refletem uma mobilização social legítima, mas enfrentam entraves orçamentários
e disputas técnicas. O desafio é equilibrar justiça social e viabilidade
econômica, evitando que a burocracia adie soluções urgentes.
Culpar o paciente é mais fácil do que
enfrentar o verdadeiro problema: um sistema que favorece o adoecimento. Falta
regulação da indústria alimentícia, rotulagem clara, políticas de incentivo à
alimentação saudável e condições socioeconômicas que facilitem a adoção de
hábitos mais saudáveis, como espaços urbanos seguros que estimulem a prática de
atividades físicas.
A prevenção, embora mais barata e eficaz que o tratamento, continua subfinanciada. O país investe mais em hemodiálise e amputações do que em hortas escolares e ciclovias. É a lógica invertida de um sistema que trata o sintoma, mas ignora a causa.
Crédito fica mais apertado com inadimplência
em alta
Por Valor Econômico
Relatório do BC revela a intensificação dos
efeitos do aperto monetário esboçados no primeiro semestre
Os bancos colocaram o pé no freio no crédito,
que vinha em forte expansão, e as condições financeiras são hoje bem mais
apertadas que as do início do ano. O maior risco é a inadimplência em alta, com
o elevado e crescente comprometimento da renda com dívidas, no caso das pessoas
físicas, e alta alavancagem no caso das pessoas jurídicas, como apontam o
Relatório de Estabilidade Financeira do primeiro semestre e a Pesquisa
Trimestral de Condições de Crédito, divulgados pelo Banco Central (BC) nos
últimos dias. Como tem sido habitual, não há risco neste ambiente para as
instituições financeiras, que fizeram as provisões conservadoras para perdas
esperadas, estão adequadamente capitalizadas e não apresentam descasamento
entre ativos e passivos.
O principal canal de transmissão da política
monetária restritiva e os juros altos que a acompanham é o do crédito. Com a
desaceleração do crédito amplo da economia, segundo o BC, o ritmo de expansão
dos empréstimos no primeiro semestre se aproximou da tendência de longo prazo,
isto é, o hiato do crédito diminuiu, invertendo uma tendência que persistia
desde 2023. Esse hiato já é negativo para pessoas físicas e jurídicas, mas o
crédito amplo ainda é positivo e está em expansão devido às captações no
mercado de capitais, que ganhou relevo diante dos empréstimos bancários. Os
títulos privados ainda avançam a um ritmo bem superior aos empréstimos
bancários.
Esse retrato do primeiro trimestre se mantém
no resto do ano, segundo a pesquisa de crédito, feita junto às instituições
financeiras. Uma das conclusões é que as condições de oferta de crédito
continuaram se deteriorando no terceiro trimestre e seguirão assim no quarto. A
demanda por crédito, no entanto, continuou igual ou superior à do início do
ano, mas não será atendida plenamente, porque o “nível de tolerância ao risco e
à inadimplência piorou em todos os segmentos” e deve piorar mais no último
trimestre do ano.
Assiste-se à intensificação dos efeitos do
aperto monetário esboçados no primeiro semestre. O relatório de estabilidade
apontou que na primeira metade do ano houve aumento dos ativos problemáticos em
todas as modalidades de empréstimos, com exceção do financiamento imobiliário,
impulsionados pela inadimplência. Segundo o BC, o aperto monetário não tinha
ainda, no primeiro semestre, afetado de maneira significativa indicadores
relevantes das empresas, como a relação entre dívida líquida e ebitda
(endividamento em relação à capacidade de geração de receita) e o índice de
cobertura de juros (recursos disponíveis em relação aos compromissos financeiros).
No entanto, o BC vê sinais de alerta no crescimento das dívidas e de seu custo,
que pesarão mais nos balanços à medida que a atividade econômica perde fôlego.
Além disso, “ao avaliar as empresas como um todo, há um aumento da percepção
entre as instituições do sistema financeiro de que o grau de alavancagem está
elevado”, aponta a pesquisa.
No Relatório de Estabilidade, os ativos
problemáticos (obrigações com atraso de pagamento de mais de 90 dias)
constituem 14% do crédito às microempresas, 10% para as pequenas, 7% para as
médias e 4% para as grandes. A probabilidade de default no estoque dos
empréstimos revela que a inadimplência pode piorar, caso se mantenha a política
monetária restritiva. A chance de falta de pagamento ronda 17% do total de empréstimos
das pequenas empresas, 13% das médias e 5% das grandes.
Por isso, o crédito bancário já havia
desacelerado para empresas de todos os portes, exceto as médias. O freio foi
mais forte para as grandes empresas, que, no entanto, supriram suas necessidades
utilizando o mercado de capitais como fonte de financiamento. Já o crédito
bancário para as famílias apresentava perda de ritmo na margem ao fim do
primeiro semestre. A pesquisa das condições de crédito mostra que as restrições
aumentaram nos meses subsequentes devido ao nível de inadimplência do mercado.
Para o fim do ano, as instituições financeiras esperam que comprometimento da
renda e calotes continuarão estimulando um comportamento conservador nos
empréstimos, que serão até certo ponto minorados pela concorrência entre bancos
para captar novos clientes.
A conclusão do BC é que “o financiamento à economia real desacelerou, em linha com as condições financeiras mais restritivas e com a moderação no crescimento da atividade econômica”, como seria de esperar, aliás, com taxas de juros reais perto de 10%. Mesmo com aumento de renda e mercado de trabalho aquecido, o comprometimento da renda das famílias está em alta, enquanto juros altos para as empresas pesam proporcionalmente diante da tendência de queda das receitas. A inflação está declinando e só não o faz de forma mais rápida pela série de estímulos fiscais desnecessários para manter a economia em crescimento. Mantida por muito tempo, a carga de juros será insuportável para a dívida pública, e para os consumidores e empresas que dependem de crédito.
Segurança pública: a propaganda e a realidade
Por O Povo (CE)
É preciso que o governo do Ceará faça um
balanço para avaliar por que as políticas para a segurança pública não surtem
efeitos ou apresentam resultados abaixo do esperado
Após a intensa propaganda sobre as atividades
das forças de segurança no Ceará, com anúncio de prisão de líderes de facções
criminosas, contratação de mais agentes e aumento de recursos para segurança
pública, outubro trouxe más notícias para o governo. O décimo mês do ano
registrou o maior número de homicídios no Estado em 2025.
Balanço divulgado pela Secretaria da
Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) aponta que, no período, aconteceram
284 crimes violentos letais intencionais (CVLI), superando agosto, com 281
assassinatos. Nos dez primeiros meses do ano, o número chegou a 2.523 CVLI.
Outro dado que chama a atenção é que 41 mortes aconteceram por intervenção
policial, o maior quantitativo observado em um mês, desde 2013.
Mas essa situação não é restrita ao Ceará, a
criminalidade e a atuação do crime organizado disseminam-se por todo o País. É
difícil fugir da discussão sobre segurança pública devido à relevância que o
tema adquiriu, mobilizando debates entre autoridades, mas também se tornando um
assunto praticamente obrigatório em todas as rodas de conversa. Pesquisa da
Quaest, divulgada na quarta-feira, mostra que a preocupação dos brasileiros com
a violência aumentou de 30% para 38% em um mês.
Outro levantamento recente, do instituto
Datafolha, concluiu que 19% dos moradores vivem em áreas sob influência de
facções e de milícias, equivalente ao total de mais de 28 milhões de pessoas
impactadas pelo crime organizado.
Frente a essa situação calamitosa, nem
esquerda, nem direita apresentam propostas que apontem uma direção segura para
evitar que a situação continue se deteriorando. O mais comum é que a discussão
descambe para "narrativas" eleitoreiras, proposições inócuas e, pior,
apelo a métodos populistas, que somente agravam o problema.
Alguns eventos, como a chamada
"megaoperação", desfechada nos complexos da Penha e do Alemão pelo
governo do Rio de Janeiro, provocando a morte de 121 pessoas, fizeram o
Congresso Nacional mobilizar-se a toque de caixa, tornando a situação ainda
mais confusa.
Sob a liderança canhestra do presidente da
Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), um assunto que demandaria
discussão aprofundada, a PL Antifacção, ganhou tramitação em "regime de
urgência". A relatoria foi entregue a Guilherme Derrite (PL-SP), que não
tem a mínima condição de formar os consensos necessários para gerar uma
proposta que concilie as diferenças políticas, mas que seja eficaz para
combater o crime. Derrite já está na quarta versão do projeto, depois de ter
desfigurado a proposta do governo, sem ter a mínima ideia do que pôr no lugar.
Era um fracasso anunciado, só não visto pelo hesitante presidente da Câmara.
Quanto ao Ceará, é preciso que o governo faça um balanço para avaliar por que as políticas de segurança pública não surtem efeito ou apresentam resultados abaixo do que seria esperado.

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