Regular criptoativos ajudará a combater o crime organizado
Por O Globo
Iniciativa do BC é essencial para apertar
controles sobre esquemas sofisticados de lavagem de dinheiro
O Banco Central (BC) fez bem ao aumentar o controle sobre o mercado de criptomoedas. Não é novidade que, em razão das características semelhantes ao dinheiro em espécie e da facilidade de armazenamento digital, elas se tornaram o recurso preferido para lavagem de dinheiro. Não haverá como asfixiar as finanças de organizações criminosas a cada dia mais sofisticadas sem dispor de mecanismos eficazes para vigiar os criptoativos. Pelas novas regras, para prestar serviço no Brasil, as empresas que operam nesse mercado deverão obter autorização formal do BC e cumprir diversos requisitos de transparência, em tudo similares aos já exigidos de bancos e instituições financeiras. Investimentos feitos por brasileiros em criptomoedas no exterior também terão de ser informados.
O Brasil está na liderança latino-americana
na adoção de criptoativos, de acordo com o Relatório de Geografia das
Criptomoedas 2025, da empresa de monitoramento Chainalysis. Nos 12 meses
encerrados em junho, os negócios por aqui movimentaram o equivalente a US$ 318,8
bilhões, cerca de R$ 1,8 trilhão, pouco mais que o dobro do período anterior.
Na América Latina, continente onde operam organizações criminosas poderosas,
cerca de US$ 1,5 trilhão circulou em criptomoedas entre julho de 2022 e junho
de 2025.
Além da facilidade para lavar dinheiro — já
que as transferências são anônimas —, as criptomoedas se tornaram o meio mais
usado para pagar chantagem e resgate de sequestros de bancos de dados e
sistemas corporativos por quadrilhas especializadas. O rastreamento das
transações é especialmente difícil, pois tudo se dá em instantes, preservando a
identidade das partes. Daí a necessidade de controlar serviços de carteiras
virtuais como se fossem bancos guardando dinheiro vivo.
As novas regras do BC se inspiram em
princípios adotados na União Europeia (UE) que têm se revelado eficazes para
coibir esquemas de lavagem de dinheiro. Relatório da Europol, a agência de
polícia da UE, registra o crescimento do uso de criptomoedas e a existência de
um sistema bancário completo, com cartões de débito capazes de realizar saques
em caixas eletrônicos. Plataformas que facilitam a troca de moedas são usadas
como forma de dificultar o rastreamento. É um mercado que já nasceu
globalizado.
Numa operação exemplar em 2023, a Europol
desbaratou um esquema que lavou € 2,73 bilhões em bitcoins para grupos variados
— traficantes de drogas, sequestradores de bancos de dados e sistemas de
empresas, traficantes de armas, grupos fraudadores de cartões de crédito. A
operação envolveu autoridades de Bélgica, Alemanha, Polônia, Suíça e Estados
Unidos. O responsável pela criação da plataforma que permitia as operações era
um vietnamita de Hanói. Todos os negócios transcorriam sob absoluto anonimato.
Além do BC, Polícia Federal e outros órgãos
de controle como a Receita Federal precisarão manter conexões com o exterior
para fazer um acompanhamento efetivo dos crimes cometidos nesse mercado.
Emitidas sem autoridade central e de modo independente de países ou
organizações globais, as criptomoedas são sem dúvida uma das maiores inovações
no universo financeiro dos últimos tempos. Por isso mesmo exigem atenção
redobrada das autoridades. A regulação pelo BC é apenas o primeiro passo.
Regulamentação do transporte por mototáxi
exige atenção do Congresso
Por O Globo
STF derrubou lei proibindo serviço em São Paulo. Mas preocupação com segurança continua pertinente
O Supremo Tribunal Federal (STF) invalidou a
lei estadual de São Paulo que
restringia o transporte remunerado de passageiros por aplicativos de mototáxi.
A Corte afirmou que apenas o Congresso tem competência para legislar sobre a
matéria. Mas a decisão está longe de encerrar as contendas deflagradas pela
proliferação de mototaxistas nas cidades brasileiras.
A Prefeitura de São Paulo, onde a atividade
foi vetada, criticou a liberação. O prefeito Ricardo Nunes (MDB)
disse que ela será respeitada, mas argumentou que desconsidera os riscos
associados ao transporte de passageiros por motocicleta. Apenas no ano passado,
disse ele, a capital paulista registrou 483 mortes em acidentes de moto, 20% a
mais que no ano anterior.
A Associação Brasileira de Mobilidade e
Tecnologia (Amobitec), que reúne empresas como Uber e
99, considerou que a decisão traz segurança jurídica ao setor. Em seus embates
com governos, os aplicativos de transporte costumam invocar a lei federal de
2018 que autorizou esse tipo de serviço em todo o país. A legislação delegou
aos municípios e ao Distrito Federal competência para regulamentar e fiscalizar
a atividade, mas eles não podem proibi-la. A lei foi um avanço, numa época em
que prefeituras, pressionadas por corporações de taxistas, tentavam barrar o
avanço do transporte por aplicativo. Não fazia sentido vetá-los. Na época,
porém, o mototáxi era incipiente.
A preocupação com a segurança é pertinente,
diante do trânsito caótico
das grandes cidades. No primeiro semestre deste ano, houve 7,4 mortes por dia
envolvendo motociclistas só no Estado de São Paulo, aumento de 5,5% em relação
ao ano anterior. A situação se repete noutros estados e capitais. Em 2024, dos
73.919 acidentes de trânsito no Estado do Rio, cerca de 60% envolviam motos. Na
capital fluminense, o percentual foi ainda maior: 77%.
Não se devem criar amarras para que empresas
privadas atendam à demanda da população por transporte, seja de que tipo for.
Mas cabe ao poder público atuar para reduzir as mortes no trânsito. Há perdas
para as famílias, lesões que por vezes deixam a vítima incapacitada ao trabalho
e gastos na rede de saúde. Tudo isso também é da conta de estados e
prefeituras.
Em meio às lacunas deixadas pela lei, o Congresso faria bem se revisitasse o tema diante de uma nova perspectiva. Não se trata mais de garantir a startups o direito legítimo de exercer sua atividade econômica. Mas de assegurar também a saúde e a vida de motociclistas e passageiros. As prefeituras, que podem regulamentar e fiscalizar o serviço, deveriam estabelecer regras mais rigorosas para esse tipo de transporte. É inegável que o mototáxi se expandiu em decorrência da rapidez, da praticidade e das tarifas competitivas. É preciso estabelecer um equilíbrio entre as demandas dos cidadãos, o interesse das empresas e as obrigações do poder público, sem perder de vista que o mais importante é o passageiro chegar ao destino em segurança.
Avaliando um ensino superior transformado e
desigual
Por Folha de S. Paulo
Ranking Universitário Folha examina setor que
passou por grande expansão no país nas últimas décadas
Governos deficitários, que já lidam com
envelhecimento populacional, terão dificuldades em arcar sozinhos com custos
das universidades
Embora se mantenha a liderança de um
pequeno grupo de instituições públicas no Ranking
Universitário Folha (RUF), que chega
a sua 11ª edição, a educação superior
passou por modificações profundas nos últimos anos e décadas no Brasil.
O que mais chama a atenção é a forte expansão
das vagas. Entre 2000 e 2022, a proporção dos habitantes com 25 anos ou mais
que concluiu um curso superior passou de 6,8% para 18,4%, segundo os censos
do IBGE.
A grande maioria das novas matrículas foi
feita em estabelecimentos privados, ainda que também tenha havido expansão no
setor público. Outra mudança vertiginosa se deu na modalidade de ensino. Em
2012, ano de estreia do RUF, o EAD (ensino a distância) representava
apenas 16% das matrículas; hoje, são 51%, vale dizer, mais da
metade.
Como não poderia deixar de ser, é enorme a
heterogeneidade do setor. Há desde cursos extremamente concorridos, disputados
palmo a palmo pela elite dos estudantes, até escolas que oferecem mais vagas do
que as que conseguem ocupar. Por vezes, uma mesma instituição tem alguns cursos
com alta procura e outros com vagas ociosas.
Há muito mais por vir. Ainda é cedo para
estimar o impacto que a inteligência
artificial terá na sociedade, mas já se pode dizer que ela, a
exemplo de outros grandes avanços tecnológicos, abalará o mercado de trabalho
—criando novas demandas, tornando certas funções obsoletas e redimensionando as
necessidades de empresas por profissionais.
Nessa profusão de opções, um jovem que acaba
de concluir o ensino médio e tem de lidar com as inseguranças naturais quanto à
escolha de carreira pode facilmente se perder. O RUF pretende ser uma
ferramenta para que ele tome suas decisões, que têm repercussões de longo
prazo, de modo mais informado.
Embora um diploma universitário ainda seja
uma poderosa ferramenta de ascensão social, não são poucos os problemas do do
ensino superior no país. Entre as instituições públicas, que ocupam as 20
primeiras colocações no RUF, há deficiências de financiamento que não serão
sanadas sem revisão do modelo atual.
Governos deficitários, que já lidam com
pressões por mais gastos em previdência e saúde decorrentes do envelhecimento da
população, terão cada vez mais dificuldades em arcar sozinhos com os custos de
universidades. O país está gravemente atrasado no debate sobre a contribuição
dos alunos mais abonados.
Do lado privado, sobretudo no EAD,
preocupações quanto à qualidade do aprendizado apenas começaram a motivar novas
normas do Ministério da Educação (MEC).
Com uma avaliação que leva em conta ensino,
pesquisa, mercado, inovação e internacionalização, o RUF também pode contribuir
para diagnósticos sobre o setor. Como costumam dizer os físicos, só conhecemos
aquilo que conseguimos medir, mesmo que as medidas não sejam perfeitas.
Catástrofe sudanesa
Por Folha de S. Paulo
País africano vive há mais de 2 anos uma
guerra brutal com evidências de crime contra humanidade
Insegurança alimentar atinge 14 milhões, e a
fome extrema, 638 mil; trégua articulada pelos EUA exige maior pressão
internacional
As atrocidades cometidas durante mais
de dois anos de guerra civil no Sudão indicam
debilidade de organismos internacionais na solução de conflitos. Se o diálogo
multilateral contribuiu para findar duas décadas de luta fratricida naquele
país, agora nem mesmo uma trégua parece factível.
A população sudanesa vive a pior crise
humanitária do planeta. Tal constatação, da ONU, expõe o
nível brutal de violência contra civis ali registrado desde o início do atual
conflito, em abril de 2023. As estimativas de mortes alcançam centenas de
milhares.
No país com 49,4 milhões de habitantes, os
deslocados somam mais de 14 milhões, e os em situação de insegurança alimentar
superam 24,6 milhões —dos quais 638 mil estão sujeitos à fome extrema,
segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Terceira nos últimos 70 anos, a guerra civil
se dá por ação de uma organização forjada pelo ditador Omar al-Bashir e que em
2019 se alinhou ao Exército para derrubá-lo após 30 anos no poder.
De um lado, estão as Forças Armadas sob o
governante de fato, general Abdel Fattah al-Burhan. Do outro, as Forças de
Apoio Rápido (RSF), uma grupo paramilitar sucessor da milícia árabe Janjaweed,
executora do genocídio de sudaneses de origem africana em Darfur no início do
século.
Lideradas há 12 anos por Mohamed Hamdan
Dagalo, as RSF perpetraram massacres, execuções sumárias, estupros e torturas.
Sua brutalidade foi reportada diuturnamente
nos 18 meses de cerco a Al-Fashir, na região de Darfur, e culminou na matança
de 460 pessoas num hospital depois da tomada da cidade. Segundo o Tribunal
Penal Internacional, tais atrocidades podem
configurar crimes e de guerra e contra a humanidade.
A batalha pelo poder num país historicamente
violento já seria suficiente para reproduzir catástrofes do passado. Houve
escalada, porém, com o envolvimento de potências regionais —os Emirados
Árabes Unidos, financiadores das RFS, contra o Egito e
a Arábia
Saudita, apoiadores do governo de Al-Burhan.
Não bastasse, há movimentações pouco claras
de Rússia,
Turquia e China,
provavelmente por interesses nas jazidas de petróleo, ouro e minerais do Sudão.
Em setembro, os Estados Unidos articulou com os três de países árabes uma proposta de cessar-fogo humanitário. O aval das RSF neste mês e o silêncio do governo sudanês, até o momento, indicam a necessidade de mais garantias e maior pressão internacional para uma trégua, ainda que sem vislumbre de paz definitiva.
Cada vez mais distante do Acordo de Paris
Por Correio Braziliense
O Acordo de Paris ainda está muito longe da
realidade. Pior: sequer faz parte da pauta prática da COP30. Não há previsão de
uma mesa de discussão para se chegar a um novo parâmetro
O dia 12 de dezembro de 2015 entrou para a
história do combate ao aquecimento global. Naquela data, chefes de Estado de
195 países assinaram o Acordo de Paris e se comprometeram a adotar medidas
voluntárias para limitar o aumento da temperatura do planeta à faixa de 1,5°C.
Desde então, em cada conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente, o
tema volta a ser discutido para que, enfim, medidas práticas sejam
implementadas.
Na COP30, em Belém, o Brasil se posiciona ao
lado da concretude, como país-sede. Deu ao encontro o nome de "COP da
implementação", um claro sinal de que vai articular para tirar do papel
promessas anteriores. Na prática, porém, desafios se impõem. O Acordo de Paris
ainda está muito longe da realidade. Pior: sequer faz parte da pauta prática da
COP30. Não há previsão de uma mesa de discussão para se chegar a um novo
parâmetro, já que a limitação do aquecimento global a 1,5°C parece um objetivo
inalcançável no momento.
Apesar de ser um marco, o pacto assinado em
2015 ainda encara muitos desafios, sobretudo na esfera econômica, já que o uso
de combustíveis fósseis está no centro da discussão. Nesse sentido, o Brasil
também é alvo de críticas. Como país emergente e dono de uma das matrizes
energéticas mais sustentáveis do mundo, a discussão sobre a exploração do
petróleo na Margem Equatorial, na Região Norte, vai na contramão das medidas
necessárias para se cumprir o acordado em Paris.
O contexto há também de ser considerado. A
cada cúpula sobre o meio ambiente, diplomatas, ministros e chefes de Estado
chegam à conclusão de que a "geopolítica está muito ruim". Desta vez,
o cenário se mostra ainda mais desafiador. Como pautar uma nova discussão, com
implementação de medidas concretas sobre o Acordo de Paris, se os Estados
Unidos, segundo maior emissor de gases do efeito estufa, sequer participa
ativamente da COP em andamento?
Além disso, a invasão da Ucrânia pela Rússia
e os ataques de Israel contra a Palestina e o Líbano impõem um panorama de
instabilidade, marcado por divergências entre os países. Vale lembrar, ainda,
da guerra tarifária criada por Donald Trump, como ferramenta para reposicionar
os EUA geopoliticamente. São desafios que parecem grandes demais até mesmo para
o Brasil, um país historicamente conhecido pelo seu papel conciliador nas
relações internacionais — assim como a França, genitora do acordo de 2015.
As medidas concretas contra o aquecimento
global dependem do envolvimento das maiores economias do planeta. A transição
energética precisa ser comandada por quem tem melhores condições financeiras
para fazê-la. É claro que todos os países podem ajudar nesse processo, mas cabe
às maiores economias a principal responsabilidade.
Toda discussão gira em torno das chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs). O último Relatório sobre a Lacuna de Emissões, divulgado pela ONU em 2024, mostra que são necessárias reduções de 42% na emissão de gases do efeito estufa até 2030, e de 57% até 2035, para se chegar à meta de aquecimento global de no máximo 1,5°C, estabelecida em Paris. Caso novas NDCs não sejam costuradas e colocadas em prática, as Nações Unidas preveem um aumento entre 2,6ºC e 3,1ºC ao longo deste século — um dano sem precedentes para a biodiversidade. É hora de olhar para o elefante na sala.
O perigo do jornalismo militante
Por O Estado de S. Paulo
Manipulação de informações pela BBC expôs um
vício sistêmico: os jornalistas que se creem iluminados já não informam,
pregam. E, ao fazê-lo, traem o público e degradam a democracia
O escândalo que derrubou o diretor-geral da
BBC (British Broadcasting
Corporation), Tim Davie, foi mais que um tropeço editorial. A emissora
manipulou falas do presidente americano, Donald Trump, num documentário para
fazê-las parecer um apelo direto à violência. O episódio somou-se à revelação
de que um programa sobre a guerra em Gaza fora narrado, sem aviso ao público,
pelo filho de um ministro do Hamas. A BBC, criada há mais de um século para ser
sinônimo de imparcialidade, violou a sua razão de ser: a credibilidade. O erro,
grave em qualquer redação, é duas vezes pior em uma custeada pelos cidadãos.
Quando uma emissora pública mente, o cidadão paga em dobro – com a confiança e
com o bolso. E quando a mentira vem de quem se proclama modelo de excelência,
ela contamina todo o ecossistema informativo.
O memorando interno do ex-conselheiro
editorial da BBC Michael Prescott, divulgado pelo jornal inglês The Telegraph, expôs a anatomia do
vício: uma cultura de resistência à crítica, de autocensura e vetos
condicionados a tabus progressistas sobre gênero ou raça. A redação tomou o
partido da virtude e esqueceu o dever da verdade. A neutralidade é vista como
omissão, e a objetividade, como conformismo. A reportagem virou proselitismo. A
pauta ambiental virou cruzada, a economia é narrada como denúncia e o
noticiário internacional opera sob a convicção de que o Ocidente é sempre o
culpado. Da cobertura de Gaza ao aquecimento global, a BBC já não descreve o
mundo – evangeliza o público.
Seria reconfortante tratar o episódio como
desvio isolado. Mas ele só expõe, em escala nacional, um tumor que vem
degenerando o jornalismo no Ocidente. Redações se notabilizam cada vez mais
como trincheiras morais onde alguns repórteres atuam como militantes e
editores, como curadores da pureza ideológica. O resultado é um jornalismo
menos interessado em compreender o mundo e mais empenhado em doutriná-lo. Em
amplas camadas, o jornalismo deixou de ser uma busca compartilhada da verdade
para se tornar uma catequese da tribo ilustrada.
Há veículos grosseiramente enviesados à
direita. Mas a assimetria é gritante. A hegemonia progressista nas redações se
disfarça de consciência coletiva. Segundo pesquisa do Reuters Institute, no
Reino Unido 77% dos jornalistas se identificam como de esquerda e apenas 11% de
direita. No Brasil, segundo pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina,
a desproporção é ainda maior: 80,7% à esquerda, ante 4% à direita. Um
levantamento da The
Economist revelou que 17 dos 20 principais veículos dos EUA
mimetizam predominantemente o vocabulário do Partido Democrata. A nova
ortodoxia editorial não é imposta por governos, é cultivada nas redações.
Quando a imprensa se imagina consciência
moral da sociedade, deixa de ser seu espelho e age como seu juiz. Ao invés de
serem cronistas do real, muitos jornalistas tornaram-se missionários de suas
idealizações. E quanto mais pregam, menos convencem. Em todo o Ocidente, cresce
o abismo entre elites midiáticas e público. Uma democracia sem uma imprensa
confiável é um corpo sem sistema nervoso. Se a sociedade não confia no
jornalismo, torna-se incapaz de distinguir verdade de ruído, informação de
propaganda.
Dia após dia, o jornalismo profissional é
desafiado a manter seu papel de guardião da verdade factual em meio à torrente
de distorções que capturam a atenção no mundo inteiro. Com seu exemplo de
antijornalismo, a BBC ajudou a minar a confiança na imprensa, tal como desejam
os inimigos das sociedades abertas.
Para recuperar a confiança e cumprir sua
missão, o jornalismo precisa de humildade – isto é, precisa voltar a duvidar de
si mesmo, e não apenas dos outros. A tarefa da imprensa independente não é
salvar o mundo, é apenas descrevê-lo com honestidade. A verdade não pertence a
um partido nem a uma causa, pertence ao público. E o jornalismo só o serve
enquanto se lembra disso. Porque uma imprensa livre não se degrada quando é
atacada por governos, mas quando blinda suas próprias certezas. Não morre
quando é silenciada, mas quando deixa de escutar.
Obituário de um ‘campeão nacional’
Por O Estado de S. Paulo
Falência da Oi é o fim melancólico do delírio
petista de criar um player internacional com financiamento estatal, confirmando
o ditado segundo o qual ‘pau que nasce torto nunca se endireita’
A Justiça decretou a falência da Oi a pedido
da própria empresa, dando fim ao longo processo de decadência de uma companhia
criada para ser uma das maiores do País na área de telecomunicações. Era um
epílogo previsível, depois de duas recuperações judiciais nos últimos nove
anos, mas nem por isso menos melancólico, haja vista o esforço hercúleo que
diferentes governos fizeram para tentar salvar a empresa desde sua origem.
Diz o ditado popular que “pau que nasce torto
nunca se endireita”, e assim foi com a antiga Telemar, nome que a empresa
utilizou logo após a privatização da telefonia fixa, em 1998. Embora o edital
do leilão estabelecesse que os consórcios fossem compostos por empresas com
expertise em telecomunicações, o governo Fernando Henrique Cardoso abriu
exceção para a Telemar ao perceber que não haveria outros interessados em
adquirir o lote formado por Estados do Norte, Nordeste e Sudeste, com exceção
de São Paulo.
Havia um bom motivo para ninguém mais se
interessar pelo bloco. Era, de fato, a área de cobertura mais desafiadora em
termos de universalização dos serviços, havia uma enorme demanda reprimida
pelos serviços e cumprir os compromissos exigiria investimentos vultosos no
curto prazo para obter retornos no longo prazo.
Com o tempo, ficou claro que os acionistas
não tinham essa intenção. Nem por isso eles deixaram de contar com a
benevolência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e
de fundos de pensão de funcionários de estatais para se financiar e se envolver
em negócios que nada tinham a ver com telecomunicações. Em 2008, mesmo com
passivos consideráveis, a empresa convenceu o governo de Luiz Inácio Lula da
Silva, então em seu segundo mandato, a mudar a legislação para permitir que ela
se fundisse com a Brasil Telecom, também em dificuldades financeiras.
A promessa era de que a união das operações
faria da empresa uma “campeã nacional” com condições de assumir a liderança no
mercado brasileiro. O resultado foi uma empresa gigante, com dívidas
bilionárias e sem capacidade de honrar suas obrigações como concessionária de
serviços públicos, que incluíam a manutenção de anacrônicos orelhões enquanto o
número de linhas de telefone celular já superava o da população.
O governo de Dilma Rousseff dobrou a aposta
ao ajudar na operação que permitiu a união entre a Portugal Telecom e a Oi,
desta vez para fazer da empresa um player internacional.
O controverso negócio fez com que dívidas de negócios escusos da empresa
portuguesa recaíssem sobre a operação brasileira, e o sinal amarelo acendeu em
2014, quando a Oi foi a única tele a não participar do leilão do 4G.
Em 2016, quando acumulava quase R$ 65 bilhões
em dívidas – um terço delas com o próprio governo –, a Oi entrou em recuperação
judicial. À época, ela era a única empresa a operar em centenas de municípios,
o que lhe conferiu o status de ser grande demais para quebrar. O governo de
Michel Temer oscilou entre intervir na empresa e renegociar as dívidas, mas,
sem amparo legal e jurídico, optou por deixar que a empresa seguisse seu
caminho na expectativa de que um novo investidor se interessasse por ela. Anos
se passaram sem que isso acontecesse.
Nos últimos tempos, a empresa vendeu
praticamente todas as operações que poderiam lhe render alguma receita no
futuro, inclusive redes de fibra óptica e a operação de telefonia móvel. Saiu
da primeira recuperação judicial no fim de 2022 apenas para entrar na segunda
menos de três meses depois, alegando fatores “imprevisíveis e alheios”. Mais
recentemente, teve a diretoria e o conselho de administração afastados,
acusados de esvaziar o patrimônio da companhia.
Foi assim que a empresa prolongou sua agonia
por nove anos, até o fatídico 10 de novembro passado, quando a Justiça aceitou
o pedido do interventor e decretou sua falência. Ao longo de 27 anos, pode-se
dizer que não faltou boa vontade com a Oi, mas sobraram benevolência e
conivência de diferentes governos com seus erros. A Oi teve chances para se
recuperar, mas desperdiçou todas – levando consigo bilhões de reais investidos
pelo BNDES, dentro do delirante projeto de Lula e Dilma de criar, por mágica,
empresas associadas ao Estado capazes de ganhar mercado internacional. Assim,
só as carpideiras petistas vão chorar no enterro dessa “campeã nacional”.
Os jovens e o envelhecimento
Por O Estado de S. Paulo
Enem acerta ao fazer estudantes refletirem
sobre as dificuldades de envelhecer no Brasil
O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste
ano fez o público majoritariamente jovem que participa da avaliação se debruçar
sobre um tema universal, o envelhecimento, cujas implicações são bastante
peculiares em países não plenamente desenvolvidos, como o nosso. Por menos
intuitivo que pareça, são justamente as pessoas de pouca idade as que mais
devem refletir sobre “as perspectivas acerca do envelhecimento na sociedade
brasileira”, o oportuno tópico da redação do Enem 2025.
Se do ponto de vista populacional o Brasil
está cada vez mais parecido com países desenvolvidos – taxa de fecundidade abaixo
da taxa de reposição de 2,1 filhos por mulher, segundo o IBGE, e fatia
crescente da população com mais de 60 anos –, as condições de vida dos mais
velhos são, como se sabe, bastante distantes do ideal.
Além disso, as perspectivas são pouco ou nada
animadoras. Com menos nascimentos e maior contingente de idosos, a já combalida
Previdência Social é praticamente uma miragem para os alunos do ensino médio
convidados a refletir sobre um futuro não tão distante.
Sem mais uma reforma significativa, a
Previdência, nos moldes atuais, não se sustentará por muito tempo. E, por
paradoxal que seja, o jovem de hoje, caso queira se aposentar no futuro, terá
de trabalhar para além da idade mínima atual (62 anos para mulheres e 65 para
homens).
A cultura da poupança, quase inexistente no
País, também precisa evoluir, pois sem reserva de emergência a vulnerabilidade
dos mais velhos só aumenta.
De acordo com dados compilados pelo
especialista em políticas públicas Rogério Nagamine Costanzi, a taxa de
poupança no Brasil em 2023 equivalia a 15% do PIB, patamar inferior ao de
nações mais pobres como El Salvador (18,1%) e Paraguai (20,1%). Não à toa, de
um total de 120 nações, o Brasil ocupa a 95.ª posição entre os que mais poupam.
Embora a tarefa de poupar mais seja
imperativa independentemente da classe social, a maior disponibilidade de renda
obviamente facilita a tarefa. Renda maior, contudo, costuma estar relacionada a
educação de qualidade, área na qual o Brasil segue deixando a desejar. Ano após
ano, avaliações nacionais e internacionais, como Ideb e Pisa, seguem atestando
a miséria da educação brasileira.
Para piorar, o avanço tecnológico em países
como China e EUA ameaça eliminar milhares de empregos mundo afora. Apesar de
fascinantes, inovações como a Inteligência Artificial preocupam porque podem
acabar até mesmo com funções costumeiramente ocupadas por profissionais
altamente qualificados.
Neste contexto, a redação do Enem 2025 é mais
do que uma avaliação que pode determinar em qual universidade o participante
estudará. Ao propor que os candidatos dissertassem sobre os desafios do
envelhecimento no Brasil, o exame pode ter sido a primeira oportunidade para
que os jovens reflitam sobre uma realidade complexa para quem é idoso hoje e
sombria para os que envelhecerão nas próximas décadas.
Quem sabe ao trazer os jovens para esse importante e urgente debate, algo por fim comece a mudar.
É bem-vinda a aceleração de cerco financeiro
ao crime
Por Valor Econômico
A Operação Carbono Oculto, que desbaratou uma bilionária rede do PCC, soou o sinal de alarme para a reforma de vários instrumentos legais
A Câmara dos Deputados está perto de dar a
palavra final em um projeto de lei que pune empresas que vivem de e para a
sonegação. O PL 125/2022 complementa o cerco do Executivo e do Legislativo para
eliminar as brechas na legislação que facilitaram a penetração do crime
organizado em uma série de negócios legais. A regulamentação das operações de
criptoativos pelo Banco Central, anteontem, aperta as regras de outro setor já
usado pelo crime organizado, protegido pelo sigilo e pela obscuridade das
transações com moedas virtuais. A Operação Carbono Oculto, que desbaratou uma
bilionária rede do Primeiro Comando da Capital (PCC), soou o sinal de alarme
para a reforma de vários instrumentos legais.
O Senado já aprovou o PL 125/2022, que trata
de direitos do contribuinte, mas foi apelidado de PL do Devedor Contumaz. Na
Câmara, os deputados aprovaram requerimento de urgência para sua votação.
Apesar de iniciativas semelhantes terem frequentado o Congresso há 8 anos, a
pressa foi estimulada pela Carbono Oculto, que comprovou a existência de
empresas de combustíveis, fintechs e motéis utilizados pelo PCC para lavar
dinheiro.
Estabelecer parâmetros para separar o joio do
trigo entre empresas devedoras é um árduo exercício, tanto pelo número de
empresas que abrem e fecham suas portas todos os anos como pelo seu porte. Por
tradição e facilidade relativa, as grandes empresas e parte das médias são mais
visadas pelo Fisco, o que não acontece na maior parte das demais. Segundo o
Ministério do Empreendedorismo, de janeiro a abril foi constituído 1,81 milhão
de empresas e deixaram de operar definitivamente 973 mil. O país tem 23,2
milhões de PJs, e 93,6% delas são micro e pequenas empresas.
Apesar da dificuldade, os critérios
estabelecidos pelo projeto parecem razoáveis e adequados para os fins a que se
propõem: impedir o uso de PJs para fins criminosos, baseados na sonegação de
impostos e no uso de “laranjas” para esconder identidades dos beneficiários
finais de operações escusas e eliminar vantagens competitivas desleais que
grupos que adulteram mercadorias e nunca pagam impostos têm sobre empresários
que cumprem em dia suas obrigações.
A linha de corte do projeto são débitos
iguais ou acima de R$ 15 milhões, já inscritos na dívida ativa da União ou
então declarados e não pagos, e que sejam superiores ao patrimônio declarado no
balanço contábil e sejam também injustificados. É “devedor contumaz”, além
disso, quem deixou de recolher impostos e tributos estaduais e municipais por 4
meses consecutivos ou seis alternados em um período de um ano, também sem
justificativa.
O relator Efraim Filho (União Brasil-PB), com
base em estudo da FGV, estima que a sonegação dessas empresas, que trocam de
CNPJ com frequência, atinja R$ 200 bilhões por ano. Para coibir fraudes, o
projeto impede os devedores renitentes de obterem benefícios fiscais,
participarem de licitações, pedirem recuperação judicial ou conseguirem novos
CNPJs. Como inovação, o projeto cria vantagens aos contribuintes PJs em dia com
informações cadastrais e recolhimento de tributos, ao estabelecer para eles um
bônus sobre a CSLL de R$ 250 mil no primeiro ano, R$ 500 mil no segundo e R$ 1
milhão no terceiro ano e anos subsequentes. O PL reduz em 70% juros de mora e
multas no caso comprovado de capacidade reduzida de pagamento eventual desses
contribuintes.
Um capítulo especial engloba o setor de
combustíveis, onde foi constatada ampla presença do PCC. Foi estipulado um
capital mínimo de R$ 1 milhão para a revenda de combustíveis, de R$ 10 milhões
para a distribuição e de R$ 200 milhões para a produção. Cabe à Agência Nacional
do Petróleo (ANP) zelar pelo cumprimento, assim como eventualmente reduzir os
valores do capital de acordo com as peculiaridades de cada região.
Os ramos da infiltração do crime organizado
no setor financeiro, revelados pela Carbono Oculto, também foram objeto de
novos marcos restritivos. As fintechs, algumas utilizadas pelo PCC para lavar
dinheiro, terão as mesmas obrigações de transparência que os bancos e terão de
fornecer à Receita Federal dados de movimentação de recursos, pagamentos,
informações cadastrais e outras. O capital das instituições de pagamento foi
elevado de R$ 1 milhão para R$ 9,2 milhões, assim como as que realizam serviços
com maior tecnologia e Pix. Foram extintas as “contas bolsão” das fintechs,
contas coletivas que centralizavam recursos de vários clientes e permitiam
movimentar dinheiro sem identificação.
Ontem o Banco Central acabou com o limbo
regulatório dos criptoativos: as empresas que operam com eles terão de ter
licença obrigatória da autoridade monetária, e algumas transações virtuais, em
especial pagamentos internacionais, foram incluídas nas regras do mercado de
câmbio.
Ainda que as mudanças sejam reativas, e mostrem a rapidez e a expertise do crime organizado em aproveitar as possibilidades dos setores de tecnologia e as omissões do Legislativo, o BC, a Receita e o Congresso agiram com relativa rapidez e em conjunto para cobrir as lacunas. É o tipo de atitude que deve e precisa se repetir no futuro.
PL Antifacção precisa de mais debate
Por O Povo (CE)
É preciso um pouco mais de debate em torno do
assunto, visto que, na correria, existe o risco de prevalecer a solução
eleitoreira
O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo
Motta (Republicanos-PB), tornou um assunto já difícil em uma polêmica ainda
mais espinhosa. Motta parece ter um certo talento para tornar as situações mais
problemáticas do que elas, por si só, já se apresentam.
Existe uma disputa de "narrativas"
entre governo e oposição sobre como enfrentar as organizações criminosas, que
hoje se espalham pelo Brasil, ocupando territórios e impondo a lei do crime a
milhões de brasileiros.
Depois do trágico acontecimento no Rio de Janeiro,
quando uma operação policial nos complexos da Penha e do Alemão resultou em 121
mortes, incluindo quatro policiais, o assunto passou a ser discutido com mais
energia.
Uma das iniciativas resultantes dessa
conjuntura foi a decisão de Hugo Motta de analisar, em regime de urgência, o
projeto de lei 5.582, enviado ao Congresso pelo governo federal, conhecido como
PL Antifacção. O dispositivo endurece o combate às organizações criminosas,
reforça a integração entre órgão de segurança e prevê o aumento de penas aos
líderes faccionados.
O tema segurança tem pelo menos duas
dimensões, uma técnica e outra política, sendo necessário encontrar um ponto de
equilíbrio para se chegar a um resultado positivo — não para um ou outro lado
—, mas que atenda aos interesses da sociedade brasileira, que paga o preço da
insegurança.
Portanto, foi um erro de Motta indicar como
relator de um projeto, enviado pelo governo federal, o deputado Guilherme
Derrite (PP-SP), que se licenciou do cargo de secretário de Segurança do Estado
de São Paulo unicamente para assumir a relatoria.
Apesar de sua experiência no tema, Derrite
carece da equidistância necessária — entre as propostas do governo e da
oposição — para ser visto apenas como um quadro "técnico" ou como um
mediador que pudesse promover uma aproximação entre os dois campos.
Ao contrário, Derrite acirrou as tensões ao
incluir itens que desfiguram a proposta do governo, que busca manter a
integração entre os órgãos de segurança, resguardando a competência de cada um.
Uma das propostas mais contraditórias de
Derrite é a que condiciona as investigações do crime organizado pela Polícia
Federal a pedido do governador do Estado, restringindo a atuação da PF. A
proposição peca, inclusive, pela inconstitucionalidade. A Constituição estabelece
ser da competência da Polícia Federal "prevenir e reprimir o tráfico
ilícito de entorpecentes e drogas afins" (artigo 144), que são crimes
praticados pelas facções.
Depois da reação, Derrite fez alteração no
texto, sem eliminar o problema. Além disso, algumas medidas propostas pelo
relator dificultam o sufocamento financeiro das organizações criminosas,
alertam especialistas.
É preciso um pouco mais de debate em torno do assunto, visto que, na correria, existe o risco de prevalecer a solução eleitoreira.

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