Brasil tem de fazer mais para cumprir metas de emissões
Por O Globo
Queda recorde no desmatamento é um alento. Infelizmente, insuficiente para país honrar compromissos
Pela primeira vez, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente reconheceu oficialmente aquilo que já se sabia: será impossível para a humanidade cumprir a meta de conter o aquecimento global até fim do século a apenas 1,5oC acima da temperatura da Era Pré-Industrial levando em conta as metas traçadas no âmbito do Acordo de Paris. O Relatório da Lacuna de Emissões divulgado nesta semana como subsídio para as discussões na COP30 em Belém estima, a partir da simulação de vários modelos científicos baseada nos compromissos assumidos até agora, um aumento entre 2,3oC e 2,5oC — isso se tais compromissos forem cumpridos. Como não têm sido, a estimativa realista fala em 2,8oC, o equivalente a um quadro climático no limiar do catastrófico. Não há, portanto, tempo a perder.
O Brasil vive, em escala menor, uma situação
semelhante à do planeta como um todo. É reconfortante constatar que, depois do
negacionismo dominante no governo Jair Bolsonaro, a parceria entre o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, tem mais
uma vez se provado eficaz para combater nossa principal fonte de emissões: o
desmatamento. Em 2024, o saldo foi queda de 64% na comparação com 2023, a maior
da série histórica, segundo o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de
Efeito Estufa (SEEG), da ONG Observatório do Clima. Embora o feito deva ser
comemorado, mesmo assim o Brasil provavelmente não cumprirá neste ano a meta
que estabeleceu.
O compromisso de 2025 é limitar as emissões —
somando destruição florestal, processos industriais, resíduos, energia e
agropecuária — ao equivalente a 1,32 bilhão de toneladas de gás carbônico. De
acordo com o SEEG, os dados disponíveis “não permitem fazer projeções otimistas”.
Ao examinar a trajetória de todos os setores, incluindo as estimativas de
desmatamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), os técnicos
preveem emissões de 1,44 bilhão de toneladas. A diferença de 9% entre a
promessa e a realidade mostra que é preciso fazer mais.
A começar pelo próprio desmatamento. Em que
pese a redução já notável, Lula prometeu zerá-lo até 2030 (e mantê-lo zerado).
É uma meta desafiadora. O Ibama tem obtido sucesso com a estratégia de cruzar
dados sobre títulos de propriedade, licenças de exploração e imagens de
satélites para localizar desmatamentos ilegais. Áreas onde foram praticados
crimes ambientais ficam embargadas e deixam de ter acesso a crédito subsidiado.
Mas faltam dados sobre a propriedade de 28% do território da Amazônia,
dificultando a ação das autoridades. É preciso maior envolvimento de estados e
municípios.
E nem tudo se resume à conservação florestal.
“O desmatamento cai, mas todos os outros setores sobem”, diz David Tsai,
coordenador do SEEG. “Toda a mitigação fica nas costas do combate ao
desmatamento, e isso precisa mudar.” Desde 1970, as emissões da agropecuária
praticamente triplicaram. Do total do setor, a agricultura responde por 20%, e
a pecuária pelo restante. A principal fonte é a fermentação proveniente da
ruminação do gado. Na agricultura, o problema está no uso persistente de
fertilizantes sintéticos nitrogenados. Os setores de energia, indústria e
transporte também deveriam acelerar a transição. Não há como escapar da adoção
de novas tecnologias e novas práticas. Para fechar a conta, todos devem
contribuir.
Anvisa deve acelerar aprovação de vacina do
Butantan contra dengue
Por O Globo
Diante de cenário de alta nos casos que se prenuncia, celeridade é essencial para evitar epidemia grave
É preocupante o cenário traçado por
cientistas para a dengue no
ano que vem. Uma projeção entregue ao Ministério da Saúde prevê 1,8 milhão de
casos no Brasil na próxima temporada, que começa no fim deste ano e vai até
outubro de 2026. A estimativa é do Infodengue-Mosqlimate Dengue Challenge,
iniciativa que reúne 52 pesquisadores de 15 equipes no mundo para desenvolver
modelos preditivos e contribuir para o combate à doença.
Comparada a 2024, quando o Brasil registrou
6,6 milhões de casos e 6,3 mil mortes, a projeção pode não parecer tão
assustadora. Mas é preciso levar em conta que no ano passado a doença bateu
todos os recordes. Se confirmado, o patamar de 1,8 milhão corresponderá ao
segundo pior ano da série histórica, iniciada em 2000. E ao quinto ano
consecutivo com mais de 1 milhão de casos (neste ano já são 1,6 milhão de casos
e 1.702 mortes). Sob nenhum aspecto, a situação se mostra confortável.
As autoridades sanitárias deveriam aproveitar
a relativa trégua deste ano para se preparar. É fundamental que a Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) dê celeridade à análise da vacina do Instituto
Butantan contra a dengue. O pedido foi submetido no fim do ano
passado. É bem verdade que a análise deve ser criteriosa, para avaliar eficácia
e segurança, mas é essencial que os trâmites sejam acelerados.
Já existe uma vacina contra dengue disponível
no SUS, a Qdenga, da japonesa Takeda, aplicada em duas doses. Ela foi aprovada
pela Anvisa em 2023 para a faixa de 4 a 60 anos. Por limitações de produção,
tem sido usada de forma restrita. O Ministério da Saúde tem priorizado crianças
de 10 a 14 anos, público que se mostra mais vulnerável às formas graves da
doença.
A nova Butantan-DV protege contra os quatro
tipos de dengue, com a vantagem de ser aplicada em dose única, facilitando a
logística. Demonstrou eficácia de 89% contra dengue grave nos estudos. Se
aprovada pela Anvisa, não representará solução imediata. Depois de liberada,
deverá ser submetida à Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS
(Conitec).
Ainda que todas as exigências tenham sido
cumpridas, haverá o gargalo da produção. Mesmo antes da aprovação, o Butantan
afirma ter mais de 1 milhão de doses prontas. Ainda assim, diz não ter
condições de entregar em curto prazo o número necessário para imunizar a
população brasileira (140 milhões). A expectativa é que a entrega aumente
somente no segundo semestre de 2026.
Quanto antes a Anvisa der aval à nova vacina, melhor. A dengue não espera. Enquanto aguardam a produção em larga escala, as autoridades de saúde precisarão usar os velhos — e eficazes — métodos de prevenção: campanhas educativas maciças e combate aos focos do mosquito Aedes aegypti. A julgar pelas projeções sinistras para o ano que vem, devem começar já.
Voto distrital misto não é remédio contra
crime organizado
Por Folha de S. Paulo
Após operação policial no Rio, Câmara discute
mudança do regime eleitoral; argumentos a favor são frágeis
Folha, que já apoiou voto distrital misto, mudou de posição; reformas radicais do modelo eleitoral embutem mais riscos do que recompensas
Uma nova moda parece se espalhar pelo Congresso
Nacional: o projeto de lei que altera a forma de eleger deputados e
vereadores no Brasil. Em vez do modelo atual, o país adotaria o voto distrital
misto, alardeado no Legislativo como remédio contra a infiltração do crime
organizado na política.
É difícil imaginar que isso de fato possa
ocorrer, e os arautos da proposta na Câmara dos
Deputados são os primeiros a não dispor de argumentos
convincentes para defendê-la.
No sistema distrital, os estados e as cidades
são divididos em unidades geográficas menores (os distritos), nas quais tudo se
passa como se fosse uma disputa majoritária. Ou seja, vence quem receber mais
votos dentro dessa nova circunscrição territorial.
No regime misto, reserva-se apenas metade das
cadeiras legislativas para os distritos. A outra parte é preenchida pelo modelo
proporcional, em que se distribuem as vagas de acordo com a proporção de votos
recebidas pelos partidos na cidade ou no estado.
Trata-se de engenharia complexa, mas o
presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), considera que
vale o esforço. "Se não, vamos ter parlamentares sendo eleitos financiados
pelo crime organizado, que é quem tem acesso a dinheiro vivo, que é quem tem
dominado muitos territórios nas comunidades mais populosas do país."
Pode-se afirmar muita coisa sobre Motta, mas
não que ele tenha formulado uma boa conexão entre o voto distrital misto e a
diminuição da criminalidade na política. Seu colega Domingos Neto (PSD-CE),
relator do projeto na Câmara, não se saiu melhor.
"O principal trunfo do distrital misto é
o ‘accountability’, é poder cobrar do seu representante, já que ele tem
pertença com o território. Isso vai jogar um holofote sobre a eleição e só isso
já afasta bastante as facções criminosas."
São palavras vagas, e a experiência concreta
não os ajuda. Entre os países onde vigora o voto distrital misto está o México,
que enfrenta preocupações cada vez maiores com o financiamento ilícito oriundo
do narcotráfico.
Isso não significa que o modelo seja
desprovido de vantagens. Uma delas é estimular a redução do número de partidos.
Ocorre que, em 2017, tal objetivo foi contemplado quando se deu cabo das
coligações proporcionais e se instituiu a cláusula de desempenho.
Por esse motivo, entre outros, a Folha, que já apoiou
o voto distrital misto, mudou de posição. Entendendo que reformas
radicais do modelo eleitoral embutem mais riscos do que recompensas, o jornal
passou a escudar avanços incrementais, não alterações em pilares do sistema.
E isso é ainda mais verdade quando faltam aos
legisladores boas razões para suas propostas. É como se, cientes de que
poderiam surfar na comoção e no medo suscitados pela operação contra o Comando
Vermelho, mas sem saber como aproveitar a onda, tivessem sacado da
cartola uma reforma não só desnecessária, mas que pode piorar o regime atual.
Populismo de esquerda contra populismo de
direita em NY
Por Folha de S. Paulo
Democrata que se declara socialista e fez
promessas tresloucadas conquista a Prefeitura de Nova York
Partido Republicano também teve outros
reveses eleitorais; disputa legislativa de 2026 testará governo Trump e coesão
oposicionista
Eleições estaduais
e municipais recém-realizadas nos Estados
Unidos refletiram a rejeição a Donald Trump em
parcelas expressivas do eleitorado. O resultado mais expressivo das urnas foi a
vitória de Zohran Mamdani, democrata autodeclarado socialista, na disputa pela
Prefeitura de Nova York.
Deputado estadual de 34 anos, imigrante
nascido em Uganda, pais de origem indiana, militante pró-Palestina, ex-rapper e
integrante da ala mais à esquerda de seu partido, ele será o
primeiro prefeito muçulmano da cidade natal do presidente
americano.
Com 93% das urnas apuradas, Mamdani obteve
50,4% dos votos. Andrew Cuomo, ex-governador democrata do estado de Nova York
que concorreu como independente, 41,6%. Abandonado por Trump, o republicano
Curtis Sliwa conseguiu só 7,1%.
No discurso de vitória, o prefeito eleito
deixou clara sua oposição veemente à Casa Branca, em especial à agressiva
política anti-imigração. "Nova York vai continuar a ser uma
cidade de imigrantes. Então ouça, presidente Trump, quando eu digo: para chegar
a qualquer um de nós, terá de passar sobre todos nós."
Em uma campanha centrada em postagens nas
redes sociais sobre como contornar o alto custo de vida em Nova York, fez promessas
populistas, muitas consideradas inviáveis por não levarem em
conta cálculos econômicos, como o congelamento de aluguéis, a gratuidade dos
ônibus e a criação de supermercados públicos com preços de atacado.
Anunciou que tributaria moradores com renda
anual superior a US$ 1 milhão para financiar as propostas. Não será poupado
pelo presidente, que anunciou repasses mínimos ao município.
Reveses de Trump nas urnas completaram-se com
a eleição de democratas para os governos de Nova Jersey e da Virgínia, estado
historicamente conservador, e em pelo menos cinco capitais e cidades de grande
porte.
Note-se que nesses locais, assim como em Nova
York, o discurso dos vencedores se baseou no custo de vida e em propostas
melhoria da situação financeira.
A resposta do eleitorado dá sinal de
dificuldades previsíveis para Trump em manter a atual maioria republicana nas
duas casas do Congresso nas eleições de meio de mandato em 2026. Uma virada,
porém, não dependerá apenas da reação da sociedade às ações de seu governo até
lá mas também da coesão da oposição.
Se o Partido Democrata abraçará de vez seu espectro mais radical ainda é incerto, mas a aversão da liderança da legenda a Mamdani não o impediu de vencer.
A coerência do Banco Central
Por O Estado de S. Paulo
Sem surpresas, BC mantém juros em 15% ao ano
e adia expectativa sobre início dos cortes para 2026, enquanto governo Lula
chia e vê aprovação subir com inflação mais baixa e sob controle
Era bola cantada que o Comitê de Política
Monetária (Copom) manteria a taxa básica de juros em 15% ao ano. Não havia nada
a justificar uma mudança de rota por parte do Banco Central (BC), a não ser as
tradicionais pressões de integrantes do governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Nesse sentido, a unanimidade em torno da decisão enfatizou a coesão e a
coerência de seus membros na definição da política monetária.
Os indicadores não ajudam muito. A economia
desacelerou, mas a taxa de desemprego no trimestre encerrado em setembro
atingiu 5,6%, menor nível da série histórica, iniciada em 2012. A inflação
arrefeceu, mas tanto o índice cheio como os núcleos, que excluem os itens mais
voláteis, permanecem acima da meta de 3%, assim como as expectativas para o IPCA
deste ano e o de 2026. As projeções para o segundo trimestre de 2027, horizonte
que guia as decisões do Copom, recuaram de 3,4% para 3,3%, mas ainda estão em
nível acima da meta.
Não havia, portanto, como sinalizar algum
alívio no curto prazo. Para marcar essa posição, o BC preferiu repetir uma
frase mencionada em divulgações anteriores, segundo a qual é preciso manter as
taxas de juros elevadas por período “bastante prolongado”. Assim, foi
praticamente sepultada a possibilidade de que a Selic possa cair ainda em 2025,
além de ter sido reduzida sobremaneira a aposta em uma queda em janeiro. Agora,
a maioria do mercado passou a acreditar que os cortes só devem começar em
março.
A boa notícia é que o BC cravou que os juros
em 15% ao ano, no maior nível em quase 20 anos, serão suficientes para
assegurar que a inflação convirja rumo à meta. Pode parecer pouca coisa em um
comunicado tão duro, mas, até então, o Copom ainda manifestava dúvidas sobre a
eficácia dessa estratégia. Isso, de certa forma, deixava implícita a
possibilidade de que a Selic teria de ir além para alcançar a meta de 3%.
O governo chiou, mas parece ter sido mais
para cumprir tabela. Um dia antes da decisão do Copom, o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, disse que, se fosse diretor do BC, votaria pela redução dos
juros. Convenientemente, no entanto, preferiu responsabilizar os bancos em vez
de culpar o BC ou a si mesmo – Haddad, afinal, foi um dos que votaram pela
manutenção da meta de inflação em 3%.
Nas redes sociais, a ministra de Relações
Institucionais, Gleisi Hoffmann, disse que a manutenção dos juros era
prejudicial aos investimentos produtivos, ao acesso ao crédito, à geração de
empregos e ao equilíbrio das contas públicas. “Nada justifica uma decisão tão
descasada da realidade, dos indicadores econômicos, das necessidades do País”,
disse. Para quem já foi chamada de pitbull do governo, pode-se dizer que são
críticas leves.
Já o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias
(RJ), optou por ignorar o assunto nas redes sociais. O deputado preferiu
comemorar a aprovação da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5
mil, defender o projeto de lei antifacção do governo e celebrar a eleição do
democrata Zohran Mamdani para a prefeitura de Nova York.
A verdade é que fica cada vez mais difícil
para o governo manter uma postura aguerrida contra o BC. De um lado, a maioria
dos diretores do Copom foi indicada por Lula, a começar pelo presidente da
autoridade monetária, Gabriel Galípolo. De outro, é inegável que uma inflação
mais baixa beneficia Lula.
Se o tarifaço imposto pelos Estados Unidos
aos produtos brasileiros deu ao petista o discurso da soberania, Lula sabe que
preços sob controle são um excelente ativo eleitoral. A se confirmarem as
projeções do BC e do mercado, os juros podem começar a cair em março, às
vésperas do início da campanha eleitoral.
A maior ameaça a esse cenário é o próprio
governo, que, com tantas medidas populistas, é quem mais contribui para
desancorar as expectativas de inflação. Uma política fiscal mais austera
certamente ajudaria a compor um cenário mais favorável à redução dos juros, mas
o governo optou pelo caminho oposto e não vê relação entre o aumento do gasto
público e a inflação. Falta coerência ao governo, mas felizmente sobra no Banco
Central.
Novo impulso à impunidade
Por O Estado de S. Paulo
Revisão da multa da J&F é mais um ato de
revisionismo judicial da Lava Jato que tenta apagar crimes confessos e
transformar poderosos beneficiários de acordos de leniência em vítimas de
‘coação’
O processo de desmonte da responsabilização
por corrupção no Brasil ganhou novo impulso. No dia 1.º de novembro, o juiz
Antonio Claudio Macedo da Silva, da 10.ª Vara Federal Criminal do Distrito
Federal, acolheu uma ação revisional movida pela J&F contra o Ministério
Público Federal (MPF) e anulou a multa de R$ 10,3 bilhões fixada como
contrapartida no acordo de leniência firmado pela holding dos irmãos Joesley e
Wesley Batista em 2017. A decisão contraria os fatos, afronta a inteligência
alheia e insulta o bom senso ao admitir que os donos de um dos maiores
conglomerados empresariais do mundo teriam assinado “sob coação” um acordo que
eles próprios buscaram para escapar de punições mais severas para os crimes que
confessaram ter cometido.
Em uma palavra, a tese da coação é
estapafúrdia. Os irmãos Joesley e Wesley Batista não são empresários ingênuos,
muito menos desassistidos. Quando firmaram o acordo de leniência, estavam
acompanhados por alguns dos mais preparados e bem pagos advogados do País, com
pleno acesso a todas as informações e recursos necessários para avaliar as
condições propostas pelo MPF. Beira o escárnio supor que teria havido
desequilíbrio de forças, intimidação ou constrangimento na assinatura daquele
pacto. O que houve, isso sim, foi uma escolha livre e racional diante de um
conjunto robusto de provas de corrupção ativa, muitas delas fornecidas pelos
próprios colaboradores.
Em maio de 2017, convém lembrar, Joesley
Batista prestou um dos depoimentos mais estarrecedores no âmbito da Operação
Lava Jato. Ele confessou, com espantoso nível de detalhes, que empresas da
J&F, como a gigante do setor alimentício JBS, pagavam propina a políticos
de diferentes partidos em troca de favores e oportunidades para expansão de
seus negócios. “Tem pagamento via oficial, caixa um, via campanha, tem via
caixa dois, tem dinheiro em espécie, essa era a forma de pagar”, disse Joesley
aos procuradores da República. “Os pagamentos são feitos das mais diversas
maneiras, nota fiscal fria, seja dinheiro, caixa dois, até mesmo doação
política oficial”, detalhou o empresário.
À luz de confissões tão explícitas e da
documentação abundante reunida pela força-tarefa da Lava Jato à época, não
havia margem para interpretações benevolentes sobre o papel central da J&F
no maior escândalo de corrupção de que o Brasil já teve notícia. O acordo de
leniência, que resultou na liberdade para os irmãos Batista e na multa de R$
10,3 bilhões para a holding – a ser paga em suaves prestações ao longo de 25
anos – foi uma solução negociada que, ao fim e ao cabo, saiu barato. Ainda
assim, oito anos depois, a J&F busca rever o compromisso, alegando, ora
vejam, ter sido “coagida” pelo MPF. Pior do que a desfaçatez dessa tese, só o
fato de ter encontrado guarida no Judiciário.
A sentença do juiz Antonio Macedo, que
determina a revisão do valor da multa, subverte completamente a lógica da
responsabilidade jurídica. Disse o magistrado que o MPF “explorou a
vulnerabilidade sistêmica da empresa” e que a escolha da J&F teria sido
entre “um acordo com cláusulas ilegais e a virtual aniquilação corporativa”.
Ora, é difícil acreditar que uma corporação que movimenta quase meio trilhão de
reais por ano e com operações em dezenas de países pudesse ser reduzida a uma
vítima indefesa de supostos abusos de poder de meia dúzia de procuradores da
República. É ainda mais inacreditável que a Justiça Federal tenha chancelado
essa fábula. Se delatores que se beneficiaram de acordos vantajosos podem
reescrever o passado e escapar de suas obrigações, nenhum acordo de leniência
ou de colaboração premiada está a salvo de um reposicionamento estratégico,
chamemos assim, no futuro.
O caso da J&F, desafortunadamente, não é
isolado. O País assiste a uma sequência de decisões do ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli que reescrevem a história da Operação Lava
Jato. Não há dúvida de que excessos ocorreram na condução da operação. O
combate à corrupção não pode se sobrepor à ordem jurídica vigente. Mas uma
coisa é corrigir abusos pontuais; outra é a tentativa, agora escancarada, de
apagar crimes confessos e benefícios ilícitos acumulados durante anos por
empresários e políticos, como se a Nação tivesse experimentado um surto
coletivo.
Licença-paternidade com pé no chão
Por O Estado de S. Paulo
Aumento do benefício aos pais de 5 para 20
dias alia ganho social e responsabilidade fiscal
A ampliação da licença-paternidade de 5 para
20 dias não é apenas um reconhecimento sobre a importância da cooperação dos
pais nos cuidados aos filhos recém-nascidos. É, sobretudo, um caso típico a
demonstrar que é necessário dosar a concessão de benefícios, por mais justos
que sejam. Substituir o ideal pelo possível é a forma correta de planejar
políticas públicas.
Programada para ser adotada gradualmente, a
medida condiciona a conclusão do cronograma ao cumprimento das regras fiscais
do governo, uma prudência que deveria ser observada na oferta de quaisquer
benefícios sociais. Afinal, boas intenções não pagam contas. No caso da
licença-paternidade, que teve o período original da proposta encurtado de 30
para 20 dias, o impacto fiscal previsto é de R$ 3,2 bilhões em 2027, R$ 4,3
bilhões em 2028, e R$ 5,4 bilhões em 2029.
A proposta é que, durante o período de
afastamento do trabalho, os pais recebam remuneração integral, com recursos da
Seguridade Social, um sistema que, todos sabemos, é o principal responsável
pelos sucessivos déficits bilionários das contas públicas do governo federal.
Por isso, o cuidado de atrelar a elevação do tempo de licença à meta fixada
pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) é mais do que providencial na
tentativa de evitar a aceleração do rombo.
Dito isso, dar aos pais um prazo maior do que
os atuais cinco dias corridos para colaborar na pesada rotina de cuidados
pós-parto não apenas é importante para o desenvolvimento dos bebês, como
essencial para o bem-estar físico e mental das mães. Em maior ou menor grau,
todas enfrentam os desafios do puerpério, com suas mudanças hormonais,
corporais e emocionais. Ter a parceria do companheiro por período mais
prolongado decerto tornará mais agradável e suave a experiência das mães.
Ademais, especialistas apontam como um efeito
colateral altamente benéfico da ampliação da licença-paternidade a redução das
desigualdades de gênero no mercado de trabalho. Por óbvio, não se trata de
consequência imediata, mas de um processo cujos resultados virão com o tempo. A
gravidez, a maternidade e as restrições que costumam afetar a vida profissional
das mulheres estão entre os principais fatores apontados para a baixa
remuneração delas em comparação com a dos homens.
Levantamento conjunto dos Ministérios das
Mulheres e do Trabalho e Emprego mostrou que, no segundo semestre de 2024 e no
primeiro semestre de 2025, as brasileiras receberam salários, em média, 21,2%
menores do que os homens. Um período equivalente de licença para homens e
mulheres tenderia a equilibrar a balança, mas esse é um ideal inalcançável.
A Divisão de Políticas Sociais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostrou, em 2024, que entre os 38 países que compõem o bloco, apenas 4 adotam licença parental equivalente. A Suécia é um caso à parte, com um total de 16 meses para o casal. Como o Brasil não é a Suécia, a prudência na adoção do benefício foi mesmo o melhor caminho.
Licença-paternidade: Brasil se volta à
tendência global
Por Correio Braziliense
Do ponto de vista internacional, a proposta
brasileira é modesta em duração, mas alinhada com uma tendência global de
ampliação gradual da licença-paternidade
A licença-paternidade no Brasil vem sendo objeto
de debates e propostas há anos. Atualmente, o quadro básico é conhecido por
força da Constituição e da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com o
direito mínimo de cinco dias, corridos a partir do nascimento (com exceções e
regimes próprios para servidores).
Há empresas que oferecem extensão de mais 15
dias, totalizando 20 dias para seus empregados, mas são exceções. No caso das
mães, a regra geral é de 120 dias (podendo chegar a 180 dias nas chamadas
empresas cidadãs). Esses arranjos são o ponto de partida da proposta que avança
no Congresso.
Na terça-feira, a Câmara dos Deputados
aprovou um substitutivo que amplia a licença-paternidade dos atuais cinco para
até 20 dias, mas com um detalhe não menos importante: em implantação escalonada
— sendo 10 dias nos dois primeiros anos após a sanção, 15 dias no terceiro ano
e 20 dias a partir do quarto ano de vigência; com condicionantes orçamentárias
apontadas no parecer.
O texto aprovado na Câmara altera projetos em
tramitação e, agora, retorna ao Senado para nova análise. Ou seja: aprovado na
Câmara, ainda não é lei, precisa voltar à apreciação dos senadores e, se
mantido, tem de ser sancionado pelo presidente da República.
Mais do que aumentar o tempo que o pai passa
com o recém-nascido, essa mudança tem efeitos sociais e econômicos
documentados: maior vínculo afetivo, apoio à amamentação, divisão de cuidados e
potencial redução de desigualdades de gênero no trabalho — quando a licença
paterna é significativa e bem remunerada, tende a facilitar que mães retornem à
carreira profissional sem arcar sozinhas com o cuidado.
Mas vale o alerta de organizações
internacionais, como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) e a Organização Internacional do Trabalho ( OIT). Elas lembram
que políticas voltadas a pais cresceram nos últimos anos e que a mera
existência de direitos não garante uso: importam duração e remuneração, entre
outros fatores.
Ainda há um longo caminho a ser percorrido.
Uma comparação rápida com outros países mostra que, enquanto o Brasil discute
saltos de dias, de cinco para 20, vários países europeus oferecem semanas ou
meses específicos para pais — e alguns, como a Espanha, estabeleceram períodos
longos e iguais para ambos os progenitores. Nos países nórdicos, há cotas não
transferíveis que estimulam a atenção total dos pais sobre seus filhos (os
chamados daddy months), com impacto efetivo na divisão de cuidados.
Do ponto de vista internacional, a proposta brasileira é modesta em duração, mas alinhada com uma tendência global de ampliação gradual. Não há dúvidas de que é um passo importante — sobretudo simbólico — rumo à parentalidade partilhada, mas é uma evolução, digamos, contida. Para que seja transformadora, é preciso acompanhar a tramitação no Senado, garantir remuneração estável, evitar condicionantes que tornem o direito volátil e combinar a norma com políticas que incentivem a tomada da licença pelos pais. Caso contrário, ficaremos com uma melhora técnica, útil, porém insuficiente frente ao que países que avançaram mostram ser possível: uma redistribuição real e duradoura do cuidado entre mulheres e homens.
Crises hídricas entram no radar das
autoridades financeiras
Por Valor Econômico
As dimensões econômicas e sociais do problema
chegaram aos bancos centrais e supervisores do setor financeiro
Mais de dez anos depois da crise hídrica de
2014-2015, a Região Metropolitana de São Paulo volta a enfrentar a redução da
pressão no abastecimento de água e potencial ameaça de racionamento. A
repetição do drama mostra que a lição do passado não foi aprendida, apesar da
realização de algumas obras desde então e do avanço do conhecimento ambiental.
As dimensões econômicas e sociais do problema chegaram aos bancos centrais e
supervisores do setor financeiro.
A retirada de água do sistema de
abastecimento da região pela Sabesp, responsável pelo saneamento da cidade,
precisou superar o volume registrado nos anos anteriores à crise hídrica de
2014. Com isso, os níveis atuais dos reservatórios estão similares aos de 2013,
mesmo após obras feitas para integrar novos mananciais. Há o receio de ser
necessário recorrer de novo ao “volume morto” das represas e de racionamento (Valor, 28/10). Há cerca de um
mês, a Sabesp acertou a compra do controle da Empresa Metropolitana de Água e
Energia, de olho na integração dos sistemas Guarapiranga e Billings, que pode
garantir a segurança hídrica de São Paulo.
O estudo “Demanda Futura por Água em 2050:
Desafios da Eficiência e das Mudanças Climáticas”, feito pelo Instituto Trata
Brasil em parceria com a consultoria Ex Ante, prevê que os racionamentos de
água podem ser mais frequentes e prolongados e se tornarem uma realidade em
várias regiões do país, como resultado dos problemas climáticos, agravados pela
expansão da atividade econômica e pelos desperdícios. Segundo o estudo, a
demanda por água vai aumentar em 24,9% até 2050 em consequência do aumento de
1º C que deve ocorrer até lá na temperatura máxima, em comparação aos níveis de
2023. A temperatura mínima vai subir 0,47 °C, também elevando o consumo de
água. Além disso, a cada aumento de um ponto percentual na umidade relativa do
ar, o consumo per capita de água crescerá mais 3,6%.
Também influencia a demanda a atividade
econômica. Segundo o relatório, considerando crescimento de PIB de 2,7% ao ano
e o atual índice de perdas, a demanda futura de água até 2050 exigiria o
aumento de 59,3% na produção de água tratada em comparação com 2023.
A oferta de água à população não deve
acompanhar esse aumento da demanda. Ao contrário, deverá cair 3,4% por volta de
2050, obrigando a racionamento, que deverá durar 12 dias por ano em média. Em
locais onde as chuvas já são mais escassas, como em partes do Nordeste e do
Centro-Oeste, a contenção poderá exceder 30 dias.
A redução das perdas de água por desperdícios
na distribuição e furtos conseguiria diminuir a defasagem prevista para 2050 ou
até suprir toda a demanda, dependendo da eficiência alcançada. Em 2023, a
produção de água foi de cerca de 18 bilhões de m3 para um consumo ao redor de
10,7 bilhões de m3, de acordo com o Sistema Nacional de Informações em
Saneamento Básico. O desperdício de água tratada ultrapassou os 7 bilhões de
m3, volume superior à demanda adicional estimada de 6,4 bilhões de m3 em 2050.
A Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) apresentou uma nova dimensão para a questão
hídrica, no relatório “Incorporação dos Riscos Relacionados à Água nos Marcos
de Estabilidade Financeira”, de outubro. O estudo menciona que o Fundo Monetário
Internacional (FMI) avalia que os bancos centrais e supervisores financeiros no
mundo todo estão apenas no início da necessária avaliação dos riscos
relacionados à escassez de água, secas e enchentes que podem interromper a
produção econômica e reduzir o valor de ativos, gerar perdas de crédito e
volatilidade nos mercados, afetando as instituições financeiras.
A experiência brasileira é tema de um box do
relatório da OCDE, que detalha a iniciativa do Banco Central (BC) de determinar
que as instituições financeiras avaliem e divulguem sistematicamente sua
exposição a riscos ambientais, e detalhem suas práticas de gestão desses
problemas, o que inclui informações sobre desmatamento, uso da água e outros
fatores de impacto ambiental relativos a seus clientes.
Para a OCDE, os riscos hídricos devem fazer
parte das agendas de estabilidade financeira e de supervisão; e as finanças
devem ser alinhadas a políticas que apoiem a segurança hídrica, a proteção da
natureza, e garantam o uso sustentável da água. Na avaliação do organismo, os
riscos econômicos relacionados à água equivalem a 7% a 9% do PIB global, o mais
alto entre os serviços ecossistêmicos.
Os gráficos pluviométricos da Região Metropolitana de SP não deixam dúvida de que as chuvas estão diminuindo ano a ano. São Paulo se situa em uma latitude em que existem alguns desertos, como em parte da Austrália e no Sul da África. Só não está em situação crítica porque recebe a umidade do Atlântico que entra pelo norte do país, rebate nos Andes e na Floresta Amazônica e desce pelo meio do continente. No entanto, as mudanças climáticas vêm neutralizando esses efeitos benéficos. Com o crescimento do consumo, da população, da atividade econômica, e continuidade das grandes perdas no abastecimento, a situação tende a piorar, exigindo uma atenção e providências contínuas dos governos.
O desafio de viver com meio salário mínimo
Por O Povo (CE)
A reforma tributária e a isenção de IR para
quem ganha até R$ 5 mil, compensando com a cobrança de impostos dos
super-ricos, apontam alguns caminhos para o início da redução das desigualdades
Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) apontam que 43,5% das famílias cearenses vivem
com renda média per capita de até meio salário mínimo. A média nacional de
famílias que vivem nessa condição precária é de 25,68%.
O mais grave é que essa situação pouco
evolui, caracterizando uma condição de "pobreza crônica", como
classifica, em entrevista a este jornal, a professora Alessandra Araújo,
economista e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre a Pobreza da
Universidade Federal do Ceará (LEP/UFC).
Ele lembra que esse recorte refere-se ao
censo de 2022, mas que, comparando com a atualização da Pesquisa Nacional de
Amostra por Domicílio (Pnad), verifica-se que a realidade não evolui o
suficiente. "Somos um Estado muito pobre, dependente de programas
sociais", diz ela.
A dimensão do problema pode ser avaliada
quando se observa que 50,9% dos lares brasileiros onde faltam alimentos têm
renda per capita até meio salário mínimo (Pnad-2023). São famílias que convivem
com a insegurança alimentar moderada ou grave.
Mas, é preciso reconhecer que, mesmo com um
grande contingente da população cearense sobrevivendo em condições precárias,
houve avanços na redução da extrema pobreza, com queda de 7,9% nos últimos dois
anos, o menor patamar desde que o IBGE iniciou a série histórica da Pnad.
O que contribui para minorar as dificuldades
das famílias de baixa renda são os benefícios sociais, oferecidos por governos
estaduais e federal, e programas de transferência de renda, como o Bolsa Família.
Essas iniciativas desempenham papel de grande importância para evitar a pobreza
absoluta e a fome. No entanto, apesar do necessário socorro que eles propiciam,
não conseguem resolver as questões estruturais que deixam as famílias
vulneráveis, e não conseguem reduzir significativamente as desigualdades.
Recentemente O POVO publicou notícia
mostrando que o 1% mais rico da população do Ceará tem a renda média anual de
R$ 570,9 mil, concentrando 21,1% da renda disponível bruta (RDB) do Estado. Os
dados são de um estudo realizado pelos economistas Frederico Nascimento Dutra,
Priscila Kaiser Monteiro e Sérgio Wulff Gobett, utilizando as declarações de
Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) de 2017 a 2023. O resultado não chega
a surpreender, pois o Brasil é conhecido como um dos países de maior
concentração de renda do mundo, com o 1% mais rico ficando com 28,3% da renda
total do país.
A reforma tributária e a isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil, compensando com a cobrança de impostos dos super-ricos, apontam alguns caminhos para o início da redução das desigualdades, mas o caminho ainda é muito longo.

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