terça-feira, 18 de novembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Prioridade é reforma administrativa, não reajustes salariais

Por O Globo

Congresso parece mais preocupado em preservar distorções que em tornar Estado mais eficiente, mais justo e mais barato

A multiplicação de aumentos salariais para o funcionalismo público chancelada no Congresso é uma afronta ao bom senso e ao espírito republicano. Apenas o pacote de bondades aprovado na Câmara até o momento supera R$ 22 bilhões em custos, num Orçamento já engessado por gastos fixos que se refletem na crônica crise fiscal vivida por praticamente todos os governos. Evidentemente, como costuma acontecer nessas situações, a pressão de sindicatos por equiparação salarial com outras categorias promete tornar essa conta maior.

Não é novidade a ineficiência renitente da máquina pública brasileira, resultado de décadas de inércia e pressão de corporações incrustadas no Estado. Tal situação resulta não apenas em maior custo ao contribuinte, mas também na má qualidade do serviço prestado ao cidadão — da Justiça à educação, da segurança à saúde. Para aperfeiçoar a gestão, impor um mínimo de ordem às carreiras dos servidores, eliminar injustiças e privilégios, como supersalários e benesses variadas, tramita no Congresso uma proposta sensata de reforma administrativa, relatada pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ). Mas, em vez de dedicar tempo e energia a analisá-la e a votá-la, os congressistas, sob pressão das corporações do funcionalismo, parecem mais preocupados em garantir a manutenção das distorções. “Certas classes estão vendo que serão incluídas na reforma e fazendo o movimento político para se retirar, ao mesmo tempo que há uma corrida para garantir penduricalhos, para que aquilo vire direito adquirido”, diz Pedro Paulo.

Em outubro, os deputados aprovaram uma Proposta de Emenda à Constituição garantindo aposentadoria integral e paridade com servidores da ativa a agentes comunitários de saúde e de combate a endemias. Técnicos do Congresso estimam que o custo nos próximos três anos alcançará R$ 11 bilhões. Outra iniciativa que avançou na Câmara foi o aumento de 26% para servidores do Judiciário, escalonado em três anos, ao custo de R$ 8,7 bilhões. Por fim, foi criado um adicional de qualificação para servidores com formação superior ou pós-graduação. Mais R$ 2,6 bilhões até 2028.

Nenhuma dessas medidas se justifica. Não há motivo para privilegiar esta ou aquela categoria — como agentes de saúde — em detrimento das demais. O reajuste para o Judiciário, em particular, é especialmente injusto, já que — mesmo excluindo os magistrados que desfrutam os maiores supersalários e regalias — se trata da categoria mais beneficiada por aumentos reais ao longo das últimas décadas, cuja remuneração é superior ao dobro do que ganham funcionários em funções equivalentes no Executivo ou no Legislativo. “Infelizmente, as vantagens para o Judiciário, que em média já ganha mais, se mantêm num momento em que o ideal seria corrigir as desigualdades”, diz o jurista Carlos Ari Sundfeld, da FGV-SP.

Ainda que seja difícil, os senadores poderiam transmitir um recado inequívoco de seriedade ao barrar esses e quaisquer outros projetos destinados a assegurar benesses antes da reforma administrativa. A prioridade do Congresso deve ser reformar o Estado para que o gasto seja mais eficiente e a remuneração mais justa. A sociedade não tolera mais a conivência dos Poderes com corporações que recebem muito e pouco dão em troca — e decerto cobrará isso de seus representantes nas urnas em 2026.

Chile tomado pelos extremos não é bom exemplo para América Latina

Por O Globo

Ultradireitista que admira ditadura chega como favorito ao segundo turno, encarnando rejeição ao governo Boric

O ultradireitista José Antonio Kast é favorito no segundo turno das eleições chilenas, em 14 de dezembro, apesar de ter ficado em segundo lugar no primeiro, atrás da comunista Jeannette Jara. Os candidatos à direita somaram ao redor de 70% dos votos, melhor resultado desde o fim da ditadura de Augusto Pinochet — e mais que o suficiente para eleger Kast na segunda rodada. O recado do eleitor foi uma rejeição enfática ao governo do presidente Gabriel Boric, representado na coalizão encabeçada por Jara.

Depois de perder para Boric há quatro anos, Kast — que jamais escondeu sua admiração por Pinochet e é comparado a próceres da ultradireita como Jair Bolsonaro ou Viktor Orbán — deverá sagrar-se seu sucessor, confirmando a onda direitista que tem varrido a América Latina, com vitórias recentes no Peru, no Equador, no Paraguai, na Argentina e na Bolívia, na esteira da eleição de Donald Trump.

A eleição de domingo confirma outro padrão chileno: desde 2009, a oposição conquista a maioria dos votos. Foi assim com o conservador Sebastián Piñera em 2014 e 2022, com a socialista Michelle Bachelet em 2018 — e não poderia ser diferente com Boric, cuja aprovação está na casa dos 30%. Desta vez, porém, o pêndulo oscilou com mais intensidade para o outro lado.

Até os protestos violentos há seis anos, o Chile era conhecido pelo sistema político estável e visto como exemplo de desenvolvimento. A coalizão que sucedeu a Pinochet manteve uma política econômica responsável e inovou em políticas sociais. O primeiro mandato de Piñera em 2010 promoveu o crescimento econômico e baixou o desemprego. Mas o histórico positivo e as nítidas vantagens chilenas não evitaram que jovens saíssem às ruas em 2019 para denunciar o que viam como “esgotamento do sistema”.

De lá para cá, o eleitorado foi de um extremo ao outro. Na eleição para a Assembleia Constituinte convocada por Piñera como consequência dos protestos, candidatos de esquerda conquistaram 79% dos votos. Boric, um rosto jovem que emergiu nas ruas, foi eleito naquele ano com promessa de transformar o Chile “no túmulo do neoliberalismo”. A aventura constitucional resultou numa Carta cheia de desvarios esquerdistas, como o fim de indenizações a preços de mercado para imóveis expropriados e o reconhecimento de sistemas jurídicos de povos indígenas. A Constituição distante da sociedade foi rejeitada em 2022. No ano seguinte, a direita venceu a eleição para o Conselho cuja missão era escrever outra versão para a Constituição.

Boric tentou apresentar a face moderna da esquerda, repudiando ditaduras como Venezuela, Cuba e Nicarágua. Mas jamais se desvinculou da associação com uma agenda radical. Implantou conquistas sociais, mas não fez o bastante para controlar a ação de gangues e a criminalidade, temas explorados por Kast. A disputa no mês que vem para ver quem chegará ao Palácio de La Moneda revela um Chile tomado pelos extremos: de um lado um apologista da ditadura, do outro uma comunista. Nada disso é bom para o continente.

Emprego recorde não deixa para trás mazelas do trabalho

Por Folha de S. Paulo

Taxa de desocupação está em 5,6%, mas alta informalidade se mantém e produtividade avança pouco

Modernizar relações trabalhistas e abrir-se à competição externa são caminhos para que emprego e renda tenham expansão duradoura

O Brasil celebra, com razão, a taxa de desemprego em mínima histórica de 5,6%, com 4,6 milhões de vagas formais abertas desde 2023 e total de 102,4 milhões de pessoas ocupadas. Entretanto tais recordes não refletem nem prenunciam um momento de especial pujança econômica, como se pode perceber pelas nuances do mercado de trabalho nacional.

A aparente boa situação não deixou para trás as mazelas da informalidade exagerada, beirando os 40% —ou 40,8 milhões de trabalhadores, segundo o IBGE, padrão que se mantém quase estável há uma década.

Ademais, um dos motores da alta ocupação é o crescimento acelerado dos microempreendedores individuais (MEI) e outros profissionais enquadrados como pessoas jurídicas.

Desde 2012, a parcela dos trabalhadores por conta própria com CNPJ saltou de 3,3% para quase 7%, impulsionada por 5,5 milhões de migrações diretas de contratos pela CLT para esses regimes entre 2022 e julho de 2025. Tal crescimento se explica não só pelo empreendedorismo mas também por adaptações forçadas.

O ainda elevado custo da formalização pela CLT —encargos sociais, previdenciários e fiscais chegam a 70% sobre o salário bruto— dificulta a contratação nesses moldes em empresas de pequeno e médio porte.

Há aspectos positivos inegáveis no crescimento das modalidades PJ, dado que 59% dos brasileiros afirmam que preferem trabalhar por conta própria, segundo pesquisa do Datafolha.

Além disso, a renda média desses profissionais é superior: média de R$ 4.947 mensais ante R$ 3.200 dos empregados formais no setor privado (excluindo domésticos). Essa disparidade sugere que, para perfis qualificados, o modelo PJ/MEI pode elevar ganhos por meio de menores custos e múltiplos clientes.

Com a ressalva de que é preciso vigilância para evitar precarização, o efeito geral da ampliação de outras modalidades contratuais é benéfico, pois traz dinamismo ao mercado de trabalho.

O grande problema, porém, é a produtividade, que avança a passos lentos —aumento de somente 0,3% ao ano por hora trabalhada nos últimos cinco anos.

As mudanças do emprego não alteram essa realidade. O desempenho dos informais é um quarto do medido entre os formais. Quanto a estes, os de pequeno porte no formato de MEI têm produtividade inferior à de empresas limitadas (LTDA), que têm maior escala, quadros com melhor qualificação técnica e acesso a crédito, perpetuando um ciclo de baixa inovação.

Outros fatores, como a economia fechada ao comércio internacional e o custo elevado de capital, travam o progresso.

Nesse contexto, persistir em reformas é imperativo. Modernizar relações trabalhistas, abrir-se à competição externa e fomentar poupança doméstica são caminhos para que emprego e renda tenham expansão duradoura.

Encruzilhada chilena

Por Folha de S. Paulo

Comunista de situação e ultradireitista de oposição vão polarizar o segundo turno da eleição no país

Outrora exemplo de estabilidade econômica e bom convívio político no continente, o Chile ainda lida com os impactos dos protestos de 2019

A onda de polarização política experimentada no Brasil e no mundo também se instalou no Chile. Na eleição de domingo (16), a candidata do Partido Comunista, Jeanette Jara, obteve 26,8% dos votos, e o ultradireitista José Antônio Kast, do Partido Republicano do Chile, 23,9%. Ambos disputarão o segundo turno em 14 de dezembro.

O presidente Gabriel Boric, de esquerda, não participou da disputa porque a Constituição chilena não permite a reeleição para mandato consecutivo.

Jara, que foi ministra do Trabalho de Boric, foi escolhida nas primárias para ser a representante da situação. Fez uma campanha de tom mais pragmático ao se distanciar de sua atividade militante. Tem pela frente o desafio de superar a baixa popularidade da atual gestão federal e propor políticas efetivas em segurança pública —uma dificuldade histórica da esquerda, não só no Chile.

O tema dominou a campanha eleitoral. Mesmo que o país tenha baixos índices de criminalidade comparado a seus vizinhos, a intensidade da violência tem aumentado com maior participação do crime organizado. Daí a percepção de insegurança entre os chilenos aferida por pesquisas.

Kast aproveitou essa sensação de medo. O ex-deputado apresentou propostas linha-dura e populistas de combate a organizações criminosas, como aumentos de penas e até a construção de um muro para conter a entrada de imigrantes, que ele associa à expansão da violência.

Como a direita não participou das primárias, seus votos se dispersaram entre diferentes candidaturas. O também ultradireitista Johannes Kaiser, do Partido Nacional Libertário, obteve 13,9%, e a experiente representante da direita tradicional Evelyn Matthei, do União Democrática Independente, alcançou 12,5%.

Kast tende a atrair esses eleitores e surge como favorito. Franco Parisi, populista que rejeita esquerda e direita, surpreendeu com 19,4%, e seu eleitorado pode ter papel decisivo doravante.

Ao lado da polarização, o Chile convive com outro retrocesso. Esse foi o primeiro pleito presidencial com voto obrigatório no país desde 2012, depois que uma reforma constitucional de 2022 derrubou o voto voluntário. Especialistas chilenos cogitam que a mudança poderia favorecer postulantes radicais.

Outrora exemplo raro de estabilidade econômica e bom convívio político no continente, o Chile ainda lida com os impactos dos inesperados e violentos protestos populares de 2019 —sem rumo claro entre radicalismos e populismos de variadas vertentes.

Bolsonaro merece tratamento especial

Por o Estado de S. Paulo

Como ex-presidente, Bolsonaro não pode ser tratado como um preso qualquer. O ideal, em razão de sua saúde precária, é que fosse condenado a cumprir pena em prisão domiciliar

A publicação da ata de julgamento dos embargos de declaração interpostos por Jair Bolsonaro na Ação Penal (AP) 2.668 abre a etapa derradeira do processo que o condenou a 27 anos e 3 meses de prisão por tentativa de golpe de Estado, entre outros crimes conexos. Mantida a decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), como de resto era esperado, sobram poucas alternativas processuais para a defesa, e nenhuma delas com o condão de alterar o destino do ex-presidente.

Em poucos dias, portanto, será certificado o trânsito em julgado e expedido o mandado de prisão definitiva contra Bolsonaro. Caberá ao ministro Alexandre de Moraes, relator da AP 2.668, determinar o local onde a pena será cumprida. É uma hora grave. Prender um ex-presidente da República impõe ao juiz uma reflexão que transcende a dimensão individual do condenado. Moraes deve combinar senso de justiça, prudência institucional e respeito às prerrogativas inerentes ao cargo. Sobre sua decisão, seja ela qual for, não pode pairar dúvida de que se trata de uma justa reparação, não de vingança.

Têm-se discutido quatro destinos possíveis para Bolsonaro: o Complexo Penitenciário da Papuda, uma sala de Estado-Maior em instalação do Exército, uma cela especial na sede da Polícia Federal ou prisão domiciliar. Todos são juridicamente plausíveis, mas nem todos são igualmente adequados à condição do apenado. Este jornal entende que Bolsonaro não é um preso qualquer. O Estado sancionador pode – e deve – aplicar-lhe a lei com firmeza, mas sem ignorar as prerrogativas associadas à Presidência da República nem as circunstâncias excepcionalíssimas do ex-presidente.

A saúde de Bolsonaro, debilitada após múltiplas cirurgias decorrentes do atentado a faca, não pode ser tratada como mera questão lateral. Ainda que seus apoiadores a tenham explorado politicamente, a fragilidade de Bolsonaro é real e impõe cuidados médicos contínuos, difíceis de serem prestados num sistema penitenciário reconhecidamente falho. Prender um ex-chefe de Estado e de governo na Papuda, uma das prisões mais degradadas do País, seria imprudente, pois poderia precipitar uma crise de contornos imprevisíveis caso um agravamento do quadro clínico de Bolsonaro, sobretudo fatal, ocorresse sob custódia do Estado.

Jamais houve espaço para ingenuidade nesta página. É sabido que milhares de presos em situação vulnerável não recebem cuidado remotamente semelhante ao que será dispensado a Bolsonaro. Isso é grave e inaceitável. Mas a resposta a essa desigualdade não é replicar a negligência, e sim elevá-la ao debate público e exigir reformas estruturais. O Estado de Direito não será mais forte enquanto o País seguir cometendo, deliberadamente, os mesmos erros que reconhece como tais – o STF, afinal, já declarou que o sistema penitenciário brasileiro configura um “estado de coisas inconstitucional”.

Dito isso, é irônica, para dizer o mínimo, a súbita preocupação dos bolsonaristas com as condições da Papuda, após anos defendendo a deterioração das cadeias e o absoluto desprezo pela dignidade dos detentos. Agora, às vésperas da prisão de seu “mito”, os bolsonaristas descobrem, ora vejam, quão precário é o sistema que ajudaram a legitimar. Esse fato, contudo, não altera o dever do Supremo: aplicar a lei de forma isonômica, lembrando que isonomia não significa ignorar condições específicas, mas tratá-las com o rigor técnico adequado.

Há precedentes claros na história recente do País. Luiz Inácio Lula da Silva cumpriu 580 dias de prisão em cela especial na Superintendência da PF em Curitiba (PR). Fernando Collor de Mello, também condenado por corrupção, está em prisão domiciliar humanitária graças a uma concessão do mesmo ministro Alexandre de Moraes, à luz da comprovação das graves doenças de que padece, incompatíveis com a vida no cárcere. O caso de Bolsonaro se enquadra nessa situação. Ademais, a prisão domiciliar, além de adequada à sua condição clínica, não é indulgente – nenhuma privação de liberdade o é.

A democracia brasileira não será aprimorada com o martírio de ninguém. Ao contrário. Só tem a ganhar quando o Judiciário demonstra que sabe punir com firmeza, mas também com magnanimidade – pois é assim que uma República civilizada trata seus criminosos.

A desafiadora realidade energética

Por O Estado de S. Paulo

Agência Internacional de Energia agora prevê que a demanda por petróleo seguirá em alta até 2050. Aumento da temperatura global preocupa, mas fontes renováveis também estão em alta

Na edição mais recente de seu relatório Perspectivas para a Energia Mundial, a Agência Internacional de Energia (AIE) estima que a demanda global por petróleo e gás pode continuar crescendo até 2050. No ano passado, a mesma AIE previu que o pico da demanda por combustíveis fósseis se daria em 2030, visão amplamente contestada por grupos como a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep).

Ressalte-se que, entre um relatório e outro, mudou o presidente dos EUA – que sozinhos respondem por 18% do orçamento da AIE, criada nos anos 1970 em resposta ao choque de preços do petróleo. Com o retorno do republicano Donald Trump à Casa Branca, o estímulo à exploração de combustíveis fósseis voltou a ser a política energética preferencial dos EUA, em detrimento da agenda verde do ex-presidente democrata Joe Biden.

Além de eliminar subsídios federais a carros elétricos, Trump vem pressionando petroleiras a produzirem mais e agências como a AIE a pararem de defender a energia renovável. O republicano já chamou turbinas eólicas de “patéticas”.

Pressões políticas à parte, o mais recente relatório da agência internacional parece mais realista do que o anterior, que decretava que a demanda por petróleo atingiria o pico de 102 milhões barris por dia (mb/d) em 2030 e, a partir daí, passaria a cair. Sob o atual cenário político, a AIE prevê que a demanda por petróleo pode alcançar a marca de 113 mb/d em 2050, 13% a mais que em 2024.

Para chegar às conclusões da publicação, a AIE voltou a traçar cenários com base em políticas energéticas efetivamente adotadas, e não apenas em compromissos declarados. O modelo que leva em conta as políticas de fato adotadas soa mais racional do que o que considera apenas as aspirações climáticas dos países.

Como se sabe, anunciar e realizar são coisas completamente distintas. No mundo real, para além do negacionismo climático de Trump e do alarmismo apocalíptico de alguns ativistas do clima, tanto a exploração de fontes fósseis quanto o desenvolvimento de energias renováveis têm crescido significativamente, por uma infinidade de razões.

Grande consumidora de petróleo, a China, por exemplo, vem procurando reduzir essa dependência por meio do desenvolvimento de carros elétricos, cada vez mais presentes em todo o mundo, além de ser uma grande produtora de painéis solares. Já a Guiana, até pouco tempo atrás um pequeno e esquecido país da América do Sul, tem visto seu PIB crescer vertiginosamente nos últimos anos graças à exploração do petróleo.

Embora tenha se dado amplo destaque ao alerta que a AIE faz sobre o aumento da temperatura global, uma vez que a crescente demanda por combustíveis fósseis dificulta o cumprimento do Acordo de Paris, a agência também tratou de questões complexas no universo das fontes renováveis.

Na seção do relatório que trata da América Latina, a AIE destaca que o rápido crescimento das energias eólica e solar obrigou tanto o Brasil quanto o Chile a cortarem a geração de energia e a desligarem usinas ao longo de 2024.

A contribuição de fontes renováveis à adição de capacidade energética na América Latina saltou de 40%, em 2010, para 90% em 2025 (acima da média global), o que obviamente é positivo. No Brasil, porém, o consumidor vive a absurda realidade de pagar caro por energia abundante e, ao mesmo tempo, enfrentar riscos de apagão por sobrecarga elétrica.

O momento, portanto, exige equilíbrio, e não catastrofismo. A demanda por energia, independentemente do tipo, voltou a acelerar após a pandemia de covid-19.

No caso do petróleo, paradoxalmente, o aumento da exploração pode levar a um enfraquecimento de preços, o que por si só inviabiliza projetos mais custosos e, em consequência, a produção.

Já em relação às fontes renováveis, é necessária toda cautela do mundo para que a necessária transição energética não seja mera desculpa para o pagamento perpétuo de subsídios injustificáveis.

A realidade é que fontes fósseis e renováveis coexistem e a chamada energia limpa só suplantará a velha gasolina quando questões como preço e oportunidade assim o permitirem.

O julgamento dos chilenos

Por O Estado de S. Paulo

Entre a insegurança e a estagnação, a esquerda é repudiada, a direita avança e o centro desmorona

O Chile cravou no primeiro turno das eleições um recado inequívoco: a direita avançou em todos os tabuleiros e a esquerda sofreu sua pior derrota em décadas. Não se trata necessariamente de uma guinada ideológica, mas certamente de um julgamento severo sobre quatro anos de insegurança crescente, estagnação econômica e expectativas frustradas após o “estallido” social de 2019. A eleição não enterra o progressismo, mas expõe seu esgotamento momentâneo.

Jeannette Jara chegou ao topo da esquerda, mas com um teto duplo: o de seu Partido Comunista e o do governo de Gabriel Boric, cuja desaprovação expressiva contaminou sua candidatura. A coalizão governista permaneceu unida, mas incapaz de expandir sua base. O eleitorado que em 2021 votou por mudança agora vota para corrigir o que considera um desvio. A calibragem “social-democrata” veio tarde e incompleta: a economia segue anêmica, a segurança se deteriorou e a promessa de um novo pacto social desmoronou após dois processos constituintes fracassados. O desempenho de Jara é, sobretudo, um veredicto sobre a gestão Boric.

Do outro lado, o conservador José Antonio Kast não só sobreviveu à multiplicação de candidaturas rivais: consolidou-se como líder de um campo direitista que, somado, supera metade dos votos. A centro-direita tradicional encolheu, mas aderiu de imediato à sua candidatura, garantindo-lhe unidade e um favoritismo pleno no segundo turno. A coalizão liderada pelo Partido Republicano de Kast avançou expressivamente nas duas Casas do Congresso.

Mas a governabilidade será difícil. O novo Parlamento combina posições mais duras com um grau elevado de fragmentação. O Partido de la Gente, hoje numeroso, é também imprevisível. E a Câmara, historicamente avessa à disciplina, tende a produzir dissidências. Kast pode governar com maioria, mas não necessariamente com estabilidade. Mesmo que Kast consiga articular uma maioria, dificilmente terá estabilidade.

Esse quadro se insere numa transformação mais ampla: a erosão do centro e a ascensão de forças antiestablishment. O desempenho do outsider Franco Parisi, novamente acima das expectativas, confirma a presença de um eleitor volátil, desconfiado e pouco ideológico. A centro-esquerda tradicional, por sua vez, encolhe a olhos vistos, incapaz de oferecer um relato convincente e recuperar sua tradicional centralidade. É a versão chilena de um fenômeno visto em outras democracias: moderados comprimidos entre polos cada vez mais assertivos.

No segundo turno, Kast e Jara disputarão o centro. A batalha será travada menos em torno de programas do que de percepções: ordem versus continuidade, mudança responsável versus risco de extremismo, autoridade versus medo. Ambos já ensaiam suavizar arestas; ambos dependem de um eleitorado que quer segurança, mas desconfia de aventuras; ambos sabem que não há vitórias perenes num país onde o pêndulo nunca para de oscilar.

O Chile não fez uma escolha definitiva, mas pronunciou um veredicto sobre o passado recente. O próximo mês dirá se esta guinada à direita é um episódio de correção ou o início de um novo ciclo político. A única certeza, por ora, é de que o país deixou de ser previsível.

Iniciativas do Brasil trazem avanços práticos na COP30

Por Valor Econômico

Por outro lado, o Congresso Nacional aprova legislação retrógrada na área socioambiental

Em meio ao debate sobre as metas de compromissos climáticos e como financiar a conta da transição energética, despontam na COP30 ideias práticas que trazem um olhar arejado sobre velhos problemas. Várias delas são iniciativas brasileiras, que podem ser replicadas em outros países e aperfeiçoadas.

Uma dessas ideias, já consagrada pela boa receptividade, é a do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês), que inovou ao transformar as concessões de recursos para a manutenção das florestas tropicais em investimento, diferentemente de iniciativas anteriores baseadas em doações e filantropia, geralmente de complexa concretização. Inspirado no mecanismo de “blended finance”, o TFFF ambiciona captar US$ 25 bilhões dos países participantes e alavancar US$ 100 bilhões no mercado. Administrados pelo Banco Mundial, os recursos serão aplicados em renda fixa, e parte do retorno será destinado aos projetos de florestas tropicais elegíveis.

O TFFF foi oficialmente lançado na COP30 e até agora angariou US$ 5,5 bilhões. O governo brasileiro espera chegar a US$ 10 bilhões ainda neste ano e considera certa uma colaboração substancial da Alemanha.

Vários especialistas em ambiente elogiaram o TFFF. Johan Rockström, renomado climatologista, considera positivo que o TFFF não dependa dos mercados voluntários de carbono, que ele considera frágeis e baseados em compensação, e não em redução real de emissões. Para Inger Andersen, chefe do Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente (Pnuma), o TFFF reforça a agenda de implementação e é um sinal de progresso prático dentro da COP30.

Ainda na área financeira, foi bem recebido na COP30 o Eco Invest, que despertou interesse de investidores estrangeiros para seu quarto leilão, lançado em Belém (PA) na semana passada, cujo foco será financiar projetos de turismo sustentável, bioeconomia e infraestrutura verde na região amazônica. Igualmente usando o “blended finance”, o Eco Invest já mobilizou cerca de R$ 70 bilhões entre recursos públicos e privados para financiamento de projetos de transição climática nas edições anteriores.

Inovações brasileiras em outras áreas também chamam a atenção. O governo brasileiro vai incluir a sustentabilidade entre os critérios para compra de bens e serviços pelo setor público — ganham prioridade os que causarem menor impacto ao ambiente. O objetivo é usar o poder de fogo das compras públicas, de 15% do PIB, considerando as três esferas de governo, para estimular setores econômicos sustentáveis. Na COP30, o Brasil formalizou sua entrada no “Green Public Procurement Pledge”, um compromisso global para impulsionar a descarbonização do setor de construção civil.

Outro exemplo é o Cadastro Ambiental Rural (CAR). Criado em 2012, o CAR é agora uma plataforma eletrônica por meio da qual proprietários e produtores rurais informam dados sobre suas propriedades, atividades agropecuárias, áreas desmatadas e zonas de preservação ambiental, e comprovam a regularidade ambiental de imóveis rurais. Na COP30, o CAR foi tornado bem público digital voltado à ação climática. A ferramenta será incorporada ao Celeiro de Soluções da COP30, repositório global de iniciativas climáticas que integra o catálogo de soluções digitais abertas da ONU.

Já uma realidade é o uso compartilhado da ClimateScanner, ferramenta desenvolvida pelo Tribunal de Contas da União (TCU) que permite fazer auditorias das ações dos governos em enfrentamento das mudanças climáticas. Já aderiram 141 países. Uma das principais constatações feitas pelo ClimateScanner é que nove em cada dez países não sabem quanto gastam para enfrentar as mudanças climáticas.

Do seu lado, o Legislativo tentou sem muito sucesso mostrar adesão à pauta ambiental nas proximidades da COP30, aprovando algumas propostas bem antigas, entre as diversas que inexplicavelmente hibernam em seus arquivos (Valor, 6/11). Entre elas, foi aprovado o Acordo de Escazú, o primeiro tratado ambiental da América Latina e do Caribe, que prevê a proteção dos direitos de acesso à informação, justiça em questões ambientais e proteção de ativistas ambientais. O Brasil assinou o tratado em 2018, mas levou sete anos para que fosse agora ratificado pelo Congresso. A Câmara aprovou um projeto que define o crime de tráfico de animais silvestres inspirado em uma CPI ocorrida há nada menos que 22 anos.

Foram, no entanto, iniciativas tímidas frente ao arsenal de cerca de 50 projetos com alto potencial de dano socioambiental em tramitação, segundo o Observatório do Clima. Um dos mais nefastos foi aprovado: o “PL da Devastação”, convertido na Lei 15.190/2025, que traz grandes retrocessos. De quase 400 dispositivos, 63 foram vetados completa ou parcialmente pelo presidente Lula e 26 foram simplesmente excluídos. O Congresso aguarda o fim da COP30 para analisar os vetos, com grande probabilidade de derrubá-los.

A contradição entre as propostas modernas de conservação e financiamento verde, de um lado, com uma legislação retrógrada em muitos aspectos, de outro, expõe um dos desafios centrais que dificultam o avanço da agenda climática brasileira.

Brasil precisa de nova revolução financeira

Por Correio Braziliense

O Pix é considerado uma ferramenta inovadora justamente porque, em pouco tempo, mudou comportamentos de compra e venda. Apostar nessa abertura para disseminar o uso consciente do dinheiro será uma nova revolução

"Vou fazer um Pix" é, possivelmente, a promessa mais cumprida pelos brasileiros. O volume diário de transações financeiras por meio dessa ferramenta de pagamento instantâneo reforça a premissa: balanço do Banco Central (BC) indica que, no último 5 de setembro, foram 290 milhões de operações em 24 horas, somando um total de R$ 164,8 bilhões. Um recorde em uma sexta-feira, véspera de feriado, evidenciando que, com cinco anos de existência, esse sistema mudou a lógica de pagamento no país, colocou em xeque a ideia de que inovação e soluções estatais não podem caminhar juntas e, sobretudo, promoveu a inclusão financeira. 

No mês em que a ferramenta foi lançada, novembro de 2020, 6% dos brasileiros fizeram ao menos um Pix. Em outubro deste ano, 90% da população — nove em cada 10 pessoas — recorreu ao sistema para fazer pagamentos. Da média de R$ 500 nos dias seguintes à implementação, o país passou  para a soma de R$ 188, indicando a popularização do método que impulsiona as economias formal e informal. Durante 2024, foram movimentados R$ 26,4 trilhões com o sistema, calcula o BC. "Isso equivale a 2,5 PIBs. É um volume fantástico", enfatizou o diretor de Organização do Sistema Financeiro e de Resolução do banco, Renato Dias de Brito Gomes, em live recente.

Há de se ressaltar que os aprimoramentos da ferramenta — principalmente pela inclusão de novas funcionalidades — pavimentam essa trajetória exitosa. Ao mesmo tempo, levam o Pix para patamares mais complexos de interação entre agentes econômicos; e, portanto, mais desafiantes. Em discussão, as possibilidades de parcelamento de pagamentos e de realização de transações internacionais tensionam ainda mais as preocupações com a segurança e com o endividamento dos usuários. 

No ano em que o Pix completa meia década, veio à tona o maior ataque hacker do país, responsável pelo desvio de R$ 800 milhões de bancos e empresas ligadas ao sistema de pagamento instantâneo. Em 2024, foram  R$ 6,5 bilhões perdidos em fraudes, um aumento de 80% em relação ao montante do ano anterior. O BC mudou protocolos, implementou resoluções e lançou recursos — como o botão de contestação — para tranquilizar cidadãos e empresas. Mas faz-se necessário ainda um trabalho intenso de conscientização dos usuários para o uso seguro da ferramenta.

Nesse sentido, também é urgente a concentração de esforços para uma educação financeira em massa dos brasileiros. Há um desconhecimento crônico das práticas de gerenciamento do dinheiro que leva a escolhas que deixam os indivíduos expostos a armadilhas de todas as espécies e impactam a economia, levando à falência de empreendimentos e alimentando os ciclos de vulnerabilidade. Levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) indica que oito em cada 10 famílias estão endividadas. Trata-se do maior patamar da série histórica iniciada em 2010. 

O Pix é considerado uma ferramenta inovadora justamente porque, em pouco tempo, mudou comportamentos de compra e venda entre indivíduos e empresas dos mais variados perfis. Há, portanto, uma disponibilidade da população para a adoção de novas práticas para adquirir bens e serviços, com potencial de capilaridade que condiz com o tamanho continental do país. Apostar nessa abertura para disseminar o uso consciente do dinheiro será uma nova revolução financeira que fará diferença estrutural ao Brasil.

 

A pressa e os erros do presidente Hugo Motta

Por O Povo (CE)

Guilherme Derrite, que sequer estava no mandato e precisou retomá-lo para assumir a relatoria na Câmara, não apresenta o perfil adequado quando se busca uma linha de acordo possível. Algo, que já deveria ser previsto pelo claudicante Hugo Motta

O presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), manteve na pauta desta terça-feira a análise pelo plenário do relatório de Guilherme Derrite (PP-SP) sobre o texto do projeto de lei que o Executivo encaminhou ao Congresso e que pretende organizar a base legal para o enfrentamento das facções criminosas no Brasil. Oficialmente chamado de Marco Legal de Combate ao Crime Organizado, popularmente batizado de PL Antifacção.

Trata-se de um processo que parece errado em boa parte dos aspectos pelos quais é analisado. Primeiro, expõe uma demora, difícil para o próprio governo explicar, na adoção de medidas que visem enfrentar o problema da criminalidade organizada. Ou seja, deixou-se que a situação chegasse a um ponto de aproximação perigosa de um quadro extremo para fazer um movimento objetivo no sentido de enfrentá-lo.

Também errou o presidente Hugo Mota quando, ao receber a proposta do governo, escolheu para a estratégica função de relator um parlamentar sem diálogo amplo, que notoriamente não apresentava capacidade de se sentar à mesa com a totalidade das correntes políticas presentes à Câmara para o esforço, inicial pelo menos, de encontrar os consensos para, a partir deles, discutir as diferenças.

Guilherme Derrite, que sequer estava no mandato e precisou retomá-lo para assumir a relatoria na Câmara, não apresenta o perfil adequado quando se busca uma linha de acordo possível. O resultado, que já deveria ser previsto pelo claudicante Hugo Motta, é uma dificuldade clara dele fazer o debate avançar numa situação que o obrigou, até agora, a fazer vários recuos no texto. Já são quatro versões apresentadas e especula-se que uma quinta deva ser apresentada nas próximas horas como forma de amenizar críticas, feitas à direita e à esquerda, e encaminhar uma perspectiva de votação.

É evidente que o tema exigia muito mais debate no parlamento, impunha que se garantisse espaço e voz para as visões diferentes sobre a melhor política de combate às facções criminosas e, por exemplo, precisava de um aprofundamento maior no debate sobre a conveniência de uma classificação eventual de suas atividades ilegais como "terrorismo". Há implicações nisso que a exígua discussão não permite o aprofundamento que seria necessário.

O mais correto, a essa altura, seria mesmo, como sugeriram os próprios governadores da linha conservadora à qual Derrite está ligado, que um tempo mais, de pelo menos 30 dias, fosse oferecido para uma maturação do texto. Hugo Motta insiste na urgência do tema para manter sua ideia de votar a matéria a toque de caixa, apesar do risco que a pressa representa, no caso, para o esforço de encontrar um caminho que seja o mais equilibrado possível. Este é um dos temas em que interessa pouco à sociedade saber quem ganha ou quem perde eleitoralmente.


 

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