Prioridade é reforma administrativa, não reajustes salariais
Por O Globo
Congresso parece mais preocupado em preservar
distorções que em tornar Estado mais eficiente, mais justo e mais barato
A multiplicação de aumentos salariais para o funcionalismo público chancelada no Congresso é uma afronta ao bom senso e ao espírito republicano. Apenas o pacote de bondades aprovado na Câmara até o momento supera R$ 22 bilhões em custos, num Orçamento já engessado por gastos fixos que se refletem na crônica crise fiscal vivida por praticamente todos os governos. Evidentemente, como costuma acontecer nessas situações, a pressão de sindicatos por equiparação salarial com outras categorias promete tornar essa conta maior.
Não é novidade a ineficiência renitente da
máquina pública brasileira, resultado de décadas de inércia e pressão de
corporações incrustadas no Estado. Tal situação resulta não apenas em maior
custo ao contribuinte, mas também na má qualidade do serviço prestado ao
cidadão — da Justiça à educação, da segurança à saúde. Para aperfeiçoar a
gestão, impor um mínimo de ordem às carreiras dos servidores, eliminar
injustiças e privilégios, como supersalários e benesses variadas, tramita no
Congresso uma proposta sensata de reforma
administrativa, relatada pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ).
Mas, em vez de dedicar tempo e energia a analisá-la e a votá-la, os
congressistas, sob pressão das corporações do funcionalismo, parecem mais
preocupados em garantir a manutenção das distorções. “Certas classes estão
vendo que serão incluídas na reforma e fazendo o movimento político para se
retirar, ao mesmo tempo que há uma corrida para garantir penduricalhos, para
que aquilo vire direito adquirido”, diz Pedro Paulo.
Em outubro, os deputados aprovaram uma
Proposta de Emenda à Constituição garantindo aposentadoria integral e paridade
com servidores da ativa a agentes comunitários de saúde e de combate a
endemias. Técnicos do Congresso estimam que o custo nos próximos três anos
alcançará R$ 11 bilhões. Outra iniciativa que avançou na Câmara foi o aumento
de 26% para servidores do Judiciário, escalonado em três anos, ao custo de R$
8,7 bilhões. Por fim, foi criado um adicional de qualificação para servidores
com formação superior ou pós-graduação. Mais R$ 2,6 bilhões até 2028.
Nenhuma dessas medidas se justifica. Não há
motivo para privilegiar esta ou aquela categoria — como agentes de saúde — em
detrimento das demais. O reajuste para o Judiciário, em particular, é
especialmente injusto, já que — mesmo excluindo os magistrados que desfrutam os
maiores supersalários e regalias — se trata da categoria mais beneficiada por aumentos
reais ao longo das últimas décadas, cuja remuneração é superior ao dobro do que
ganham funcionários em funções equivalentes no Executivo ou no Legislativo.
“Infelizmente, as vantagens para o Judiciário, que em média já ganha mais, se
mantêm num momento em que o ideal seria corrigir as desigualdades”, diz o
jurista Carlos Ari Sundfeld, da FGV-SP.
Ainda que seja difícil, os senadores poderiam
transmitir um recado inequívoco de seriedade ao barrar esses e quaisquer outros
projetos destinados a assegurar benesses antes da reforma administrativa. A
prioridade do Congresso deve ser reformar o Estado para que o gasto seja mais
eficiente e a remuneração mais justa. A sociedade não tolera mais a conivência
dos Poderes com corporações que recebem muito e pouco dão em troca — e decerto
cobrará isso de seus representantes nas urnas em 2026.
Chile tomado pelos extremos não é bom exemplo
para América Latina
Por O Globo
Ultradireitista que admira ditadura chega
como favorito ao segundo turno, encarnando rejeição ao governo Boric
O ultradireitista José Antonio Kast é favorito no segundo turno das eleições chilenas, em 14 de dezembro, apesar de ter ficado em segundo lugar no primeiro, atrás da comunista Jeannette Jara. Os candidatos à direita somaram ao redor de 70% dos votos, melhor resultado desde o fim da ditadura de Augusto Pinochet — e mais que o suficiente para eleger Kast na segunda rodada. O recado do eleitor foi uma rejeição enfática ao governo do presidente Gabriel Boric, representado na coalizão encabeçada por Jara.
Depois de perder para Boric há quatro anos,
Kast — que jamais escondeu sua admiração por Pinochet e é comparado a próceres
da ultradireita como Jair Bolsonaro ou Viktor Orbán — deverá sagrar-se seu
sucessor, confirmando a onda direitista que tem varrido a América Latina, com
vitórias recentes no Peru, no Equador, no Paraguai, na Argentina e na Bolívia,
na esteira da eleição de Donald Trump.
A eleição de domingo confirma outro padrão
chileno: desde 2009, a oposição conquista a maioria dos votos. Foi assim com o
conservador Sebastián Piñera em 2014 e 2022, com a socialista Michelle Bachelet
em 2018 — e não poderia ser diferente com Boric, cuja aprovação está na casa
dos 30%. Desta vez, porém, o pêndulo oscilou com mais intensidade para o outro
lado.
Até os protestos violentos há seis anos,
o Chile era
conhecido pelo sistema político estável e visto como exemplo de
desenvolvimento. A coalizão que sucedeu a Pinochet manteve uma política
econômica responsável e inovou em políticas sociais. O primeiro mandato de
Piñera em 2010 promoveu o crescimento econômico e baixou o desemprego. Mas o
histórico positivo e as nítidas vantagens chilenas não evitaram que jovens
saíssem às ruas em 2019 para denunciar o que viam como “esgotamento do
sistema”.
De lá para cá, o eleitorado foi de um extremo
ao outro. Na eleição para a Assembleia Constituinte convocada por Piñera como
consequência dos protestos, candidatos de esquerda conquistaram 79% dos votos.
Boric, um rosto jovem que emergiu nas ruas, foi eleito naquele ano com promessa
de transformar o Chile “no túmulo do neoliberalismo”. A aventura constitucional
resultou numa Carta cheia de desvarios esquerdistas, como o fim de indenizações
a preços de mercado para imóveis expropriados e o reconhecimento de sistemas
jurídicos de povos indígenas. A Constituição distante da sociedade foi
rejeitada em 2022. No ano seguinte, a direita venceu a eleição para o Conselho
cuja missão era escrever outra versão para a Constituição.
Boric tentou apresentar a face moderna da esquerda, repudiando ditaduras como Venezuela, Cuba e Nicarágua. Mas jamais se desvinculou da associação com uma agenda radical. Implantou conquistas sociais, mas não fez o bastante para controlar a ação de gangues e a criminalidade, temas explorados por Kast. A disputa no mês que vem para ver quem chegará ao Palácio de La Moneda revela um Chile tomado pelos extremos: de um lado um apologista da ditadura, do outro uma comunista. Nada disso é bom para o continente.
Emprego recorde não deixa para trás mazelas
do trabalho
Por Folha de S. Paulo
Taxa de desocupação está em 5,6%, mas alta
informalidade se mantém e produtividade avança pouco
Modernizar relações trabalhistas e abrir-se à
competição externa são caminhos para que emprego e renda tenham expansão
duradoura
O Brasil celebra, com razão, a taxa de desemprego em
mínima histórica de 5,6%, com 4,6 milhões de vagas formais abertas
desde 2023 e total de 102,4 milhões de pessoas ocupadas. Entretanto tais
recordes não refletem nem prenunciam um momento de especial pujança econômica,
como se pode perceber pelas nuances do mercado de
trabalho nacional.
A aparente boa situação não deixou para trás as
mazelas da informalidade exagerada, beirando os 40% —ou 40,8
milhões de trabalhadores, segundo o IBGE,
padrão que se mantém quase estável há uma década.
Ademais, um dos motores da alta ocupação é o
crescimento acelerado dos microempreendedores individuais (MEI) e outros
profissionais enquadrados como pessoas jurídicas.
Desde 2012, a parcela dos trabalhadores por
conta própria com CNPJ saltou de 3,3% para quase 7%, impulsionada por 5,5
milhões de migrações
diretas de contratos pela CLT para esses regimes entre 2022 e
julho de 2025. Tal crescimento se explica não só pelo empreendedorismo mas
também por adaptações forçadas.
O ainda elevado custo da formalização pela
CLT —encargos sociais, previdenciários e fiscais chegam a 70% sobre o salário
bruto— dificulta a contratação nesses moldes em empresas de pequeno e médio
porte.
Há aspectos positivos inegáveis no
crescimento das modalidades PJ, dado que 59% dos brasileiros afirmam que
preferem trabalhar por conta própria, segundo pesquisa do Datafolha.
Além disso, a renda média desses
profissionais é superior: média de R$ 4.947 mensais ante R$ 3.200 dos
empregados formais no setor privado (excluindo domésticos). Essa disparidade
sugere que, para perfis qualificados, o modelo PJ/MEI pode elevar ganhos por
meio de menores custos e múltiplos clientes.
Com a ressalva de que é preciso vigilância
para evitar precarização, o efeito geral da ampliação de outras modalidades
contratuais é benéfico, pois traz dinamismo ao mercado de trabalho.
O grande problema, porém, é a produtividade,
que avança a passos lentos —aumento de somente 0,3% ao ano por hora trabalhada
nos últimos cinco anos.
As mudanças do emprego não alteram essa
realidade. O desempenho dos informais é um quarto do medido entre os formais.
Quanto a estes, os de pequeno porte no formato de MEI têm produtividade
inferior à de empresas limitadas (LTDA), que têm maior escala, quadros com
melhor qualificação técnica e acesso a crédito, perpetuando um ciclo de baixa
inovação.
Outros fatores, como a economia fechada ao
comércio internacional e o custo elevado de capital, travam o progresso.
Nesse contexto, persistir em reformas é
imperativo. Modernizar relações trabalhistas, abrir-se à competição externa e
fomentar poupança doméstica são caminhos para que emprego e renda tenham
expansão duradoura.
Encruzilhada chilena
Por Folha de S. Paulo
Comunista de situação e ultradireitista de
oposição vão polarizar o segundo turno da eleição no país
Outrora exemplo de estabilidade econômica e
bom convívio político no continente, o Chile ainda lida com os impactos dos
protestos de 2019
A onda de polarização política experimentada
no Brasil e no mundo também se instalou no Chile.
Na eleição de domingo (16), a candidata do Partido Comunista, Jeanette Jara,
obteve 26,8% dos votos, e o ultradireitista José Antônio Kast, do Partido
Republicano do Chile, 23,9%. Ambos
disputarão o segundo turno em 14 de dezembro.
O presidente Gabriel Boric,
de esquerda, não participou da disputa porque a Constituição chilena não
permite a reeleição para mandato consecutivo.
Jara, que foi ministra do Trabalho de Boric,
foi escolhida nas primárias para ser a representante da situação. Fez uma
campanha de tom mais pragmático ao se distanciar de sua atividade militante.
Tem pela frente o desafio de superar a baixa popularidade da atual gestão
federal e propor políticas efetivas em segurança pública —uma dificuldade
histórica da esquerda, não só no Chile.
O tema dominou a campanha
eleitoral. Mesmo que o país tenha baixos índices de criminalidade
comparado a seus vizinhos, a intensidade da violência tem
aumentado com maior participação do crime organizado. Daí a percepção
de insegurança entre os chilenos aferida por pesquisas.
Kast aproveitou essa sensação de medo. O
ex-deputado apresentou propostas linha-dura e populistas de combate a
organizações criminosas, como aumentos de penas e até a construção de um muro
para conter a entrada de imigrantes, que ele associa à expansão da violência.
Como a direita não participou das primárias,
seus votos se dispersaram entre diferentes candidaturas. O também
ultradireitista Johannes Kaiser, do Partido Nacional Libertário, obteve 13,9%,
e a experiente representante da direita tradicional Evelyn Matthei, do União
Democrática Independente, alcançou 12,5%.
Kast tende a atrair esses eleitores e surge
como favorito. Franco Parisi, populista que rejeita esquerda e direita,
surpreendeu com 19,4%, e seu eleitorado pode ter papel decisivo doravante.
Ao lado da polarização, o Chile convive com
outro retrocesso. Esse foi o primeiro pleito presidencial com voto obrigatório
no país desde 2012, depois que uma reforma constitucional de 2022 derrubou o
voto voluntário. Especialistas chilenos cogitam que a mudança poderia favorecer
postulantes radicais.
Outrora exemplo raro de estabilidade econômica e bom convívio político no continente, o Chile ainda lida com os impactos dos inesperados e violentos protestos populares de 2019 —sem rumo claro entre radicalismos e populismos de variadas vertentes.
Bolsonaro merece tratamento especial
Por o Estado de S. Paulo
Como ex-presidente, Bolsonaro não pode ser
tratado como um preso qualquer. O ideal, em razão de sua saúde precária, é que
fosse condenado a cumprir pena em prisão domiciliar
A publicação da ata de julgamento dos
embargos de declaração interpostos por Jair Bolsonaro na Ação Penal (AP) 2.668
abre a etapa derradeira do processo que o condenou a 27 anos e 3 meses de
prisão por tentativa de golpe de Estado, entre outros crimes conexos. Mantida a
decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), como de resto era
esperado, sobram poucas alternativas processuais para a defesa, e nenhuma delas
com o condão de alterar o destino do ex-presidente.
Em poucos dias, portanto, será certificado o
trânsito em julgado e expedido o mandado de prisão definitiva contra Bolsonaro.
Caberá ao ministro Alexandre de Moraes, relator da AP 2.668, determinar o local
onde a pena será cumprida. É uma hora grave. Prender um ex-presidente da
República impõe ao juiz uma reflexão que transcende a dimensão individual do
condenado. Moraes deve combinar senso de justiça, prudência institucional e
respeito às prerrogativas inerentes ao cargo. Sobre sua decisão, seja ela qual for,
não pode pairar dúvida de que se trata de uma justa reparação, não de vingança.
Têm-se discutido quatro destinos possíveis
para Bolsonaro: o Complexo Penitenciário da Papuda, uma sala de Estado-Maior em
instalação do Exército, uma cela especial na sede da Polícia Federal ou prisão
domiciliar. Todos são juridicamente plausíveis, mas nem todos são igualmente
adequados à condição do apenado. Este jornal entende que Bolsonaro não é um
preso qualquer. O Estado sancionador pode – e deve – aplicar-lhe a lei com
firmeza, mas sem ignorar as prerrogativas associadas à Presidência da República
nem as circunstâncias excepcionalíssimas do ex-presidente.
A saúde de Bolsonaro, debilitada após
múltiplas cirurgias decorrentes do atentado a faca, não pode ser tratada como mera
questão lateral. Ainda que seus apoiadores a tenham explorado politicamente, a
fragilidade de Bolsonaro é real e impõe cuidados médicos contínuos, difíceis de
serem prestados num sistema penitenciário reconhecidamente falho. Prender um
ex-chefe de Estado e de governo na Papuda, uma das prisões mais degradadas do
País, seria imprudente, pois poderia precipitar uma crise de contornos
imprevisíveis caso um agravamento do quadro clínico de Bolsonaro, sobretudo
fatal, ocorresse sob custódia do Estado.
Jamais houve espaço para ingenuidade nesta
página. É sabido que milhares de presos em situação vulnerável não recebem
cuidado remotamente semelhante ao que será dispensado a Bolsonaro. Isso é grave
e inaceitável. Mas a resposta a essa desigualdade não é replicar a negligência,
e sim elevá-la ao debate público e exigir reformas estruturais. O Estado de
Direito não será mais forte enquanto o País seguir cometendo, deliberadamente,
os mesmos erros que reconhece como tais – o STF, afinal, já declarou que o
sistema penitenciário brasileiro configura um “estado de coisas
inconstitucional”.
Dito isso, é irônica, para dizer o mínimo, a
súbita preocupação dos bolsonaristas com as condições da Papuda, após anos
defendendo a deterioração das cadeias e o absoluto desprezo pela dignidade dos
detentos. Agora, às vésperas da prisão de seu “mito”, os bolsonaristas
descobrem, ora vejam, quão precário é o sistema que ajudaram a legitimar. Esse
fato, contudo, não altera o dever do Supremo: aplicar a lei de forma isonômica,
lembrando que isonomia não significa ignorar condições específicas, mas
tratá-las com o rigor técnico adequado.
Há precedentes claros na história recente do
País. Luiz Inácio Lula da Silva cumpriu 580 dias de prisão em cela especial na
Superintendência da PF em Curitiba (PR). Fernando Collor de Mello, também
condenado por corrupção, está em prisão domiciliar humanitária graças a uma
concessão do mesmo ministro Alexandre de Moraes, à luz da comprovação das
graves doenças de que padece, incompatíveis com a vida no cárcere. O caso de
Bolsonaro se enquadra nessa situação. Ademais, a prisão domiciliar, além de
adequada à sua condição clínica, não é indulgente – nenhuma privação de
liberdade o é.
A democracia brasileira não será aprimorada
com o martírio de ninguém. Ao contrário. Só tem a ganhar quando o Judiciário
demonstra que sabe punir com firmeza, mas também com magnanimidade – pois é
assim que uma República civilizada trata seus criminosos.
A desafiadora realidade energética
Por O Estado de S. Paulo
Agência Internacional de Energia agora prevê
que a demanda por petróleo seguirá em alta até 2050. Aumento da temperatura
global preocupa, mas fontes renováveis também estão em alta
Na edição mais recente de seu relatório Perspectivas para a Energia Mundial,
a Agência Internacional de Energia (AIE) estima que a demanda global por
petróleo e gás pode continuar crescendo até 2050. No ano passado, a mesma AIE
previu que o pico da demanda por combustíveis fósseis se daria em 2030, visão
amplamente contestada por grupos como a Organização dos Países Exportadores de
Petróleo (Opep).
Ressalte-se que, entre um relatório e outro,
mudou o presidente dos EUA – que sozinhos respondem por 18% do orçamento da
AIE, criada nos anos 1970 em resposta ao choque de preços do petróleo. Com o
retorno do republicano Donald Trump à Casa Branca, o estímulo à exploração de
combustíveis fósseis voltou a ser a política energética preferencial dos EUA,
em detrimento da agenda verde do ex-presidente democrata Joe Biden.
Além de eliminar subsídios federais a carros
elétricos, Trump vem pressionando petroleiras a produzirem mais e agências como
a AIE a pararem de defender a energia renovável. O republicano já chamou
turbinas eólicas de “patéticas”.
Pressões políticas à parte, o mais recente
relatório da agência internacional parece mais realista do que o anterior, que
decretava que a demanda por petróleo atingiria o pico de 102 milhões barris por
dia (mb/d) em 2030 e, a partir daí, passaria a cair. Sob o atual cenário
político, a AIE prevê que a demanda por petróleo pode alcançar a marca de 113
mb/d em 2050, 13% a mais que em 2024.
Para chegar às conclusões da publicação, a
AIE voltou a traçar cenários com base em políticas energéticas efetivamente adotadas,
e não apenas em compromissos declarados. O modelo que leva em conta as
políticas de fato adotadas soa mais racional do que o que considera apenas as
aspirações climáticas dos países.
Como se sabe, anunciar e realizar são coisas
completamente distintas. No mundo real, para além do negacionismo climático de
Trump e do alarmismo apocalíptico de alguns ativistas do clima, tanto a
exploração de fontes fósseis quanto o desenvolvimento de energias renováveis
têm crescido significativamente, por uma infinidade de razões.
Grande consumidora de petróleo, a China, por
exemplo, vem procurando reduzir essa dependência por meio do desenvolvimento de
carros elétricos, cada vez mais presentes em todo o mundo, além de ser uma
grande produtora de painéis solares. Já a Guiana, até pouco tempo atrás um
pequeno e esquecido país da América do Sul, tem visto seu PIB crescer
vertiginosamente nos últimos anos graças à exploração do petróleo.
Embora tenha se dado amplo destaque ao alerta
que a AIE faz sobre o aumento da temperatura global, uma vez que a crescente
demanda por combustíveis fósseis dificulta o cumprimento do Acordo de Paris, a
agência também tratou de questões complexas no universo das fontes renováveis.
Na seção do relatório que trata da América
Latina, a AIE destaca que o rápido crescimento das energias eólica e solar
obrigou tanto o Brasil quanto o Chile a cortarem a geração de energia e a
desligarem usinas ao longo de 2024.
A contribuição de fontes renováveis à adição
de capacidade energética na América Latina saltou de 40%, em 2010, para 90% em
2025 (acima da média global), o que obviamente é positivo. No Brasil, porém, o
consumidor vive a absurda realidade de pagar caro por energia abundante e, ao mesmo
tempo, enfrentar riscos de apagão por sobrecarga elétrica.
O momento, portanto, exige equilíbrio, e não
catastrofismo. A demanda por energia, independentemente do tipo, voltou a
acelerar após a pandemia de covid-19.
No caso do petróleo, paradoxalmente, o
aumento da exploração pode levar a um enfraquecimento de preços, o que por si
só inviabiliza projetos mais custosos e, em consequência, a produção.
Já em relação às fontes renováveis, é
necessária toda cautela do mundo para que a necessária transição energética não
seja mera desculpa para o pagamento perpétuo de subsídios injustificáveis.
A realidade é que fontes fósseis e renováveis
coexistem e a chamada energia limpa só suplantará a velha gasolina quando
questões como preço e oportunidade assim o permitirem.
O julgamento dos chilenos
Por O Estado de S. Paulo
Entre a insegurança e a estagnação, a
esquerda é repudiada, a direita avança e o centro desmorona
O Chile cravou no primeiro turno das eleições
um recado inequívoco: a direita avançou em todos os tabuleiros e a esquerda
sofreu sua pior derrota em décadas. Não se trata necessariamente de uma guinada
ideológica, mas certamente de um julgamento severo sobre quatro anos de
insegurança crescente, estagnação econômica e expectativas frustradas após
o “estallido” social
de 2019. A eleição não enterra o progressismo, mas expõe seu esgotamento
momentâneo.
Jeannette Jara chegou ao topo da esquerda,
mas com um teto duplo: o de seu Partido Comunista e o do governo de Gabriel
Boric, cuja desaprovação expressiva contaminou sua candidatura. A coalizão
governista permaneceu unida, mas incapaz de expandir sua base. O eleitorado que
em 2021 votou por mudança agora vota para corrigir o que considera um desvio. A
calibragem “social-democrata” veio tarde e incompleta: a economia segue
anêmica, a segurança se deteriorou e a promessa de um novo pacto social
desmoronou após dois processos constituintes fracassados. O desempenho de Jara
é, sobretudo, um veredicto sobre a gestão Boric.
Do outro lado, o conservador José Antonio
Kast não só sobreviveu à multiplicação de candidaturas rivais: consolidou-se
como líder de um campo direitista que, somado, supera metade dos votos. A
centro-direita tradicional encolheu, mas aderiu de imediato à sua candidatura,
garantindo-lhe unidade e um favoritismo pleno no segundo turno. A coalizão
liderada pelo Partido Republicano de Kast avançou expressivamente nas duas
Casas do Congresso.
Mas a governabilidade será difícil. O novo
Parlamento combina posições mais duras com um grau elevado de fragmentação. O
Partido de la Gente, hoje numeroso, é também imprevisível. E a Câmara,
historicamente avessa à disciplina, tende a produzir dissidências. Kast pode governar
com maioria, mas não necessariamente com estabilidade. Mesmo que Kast consiga
articular uma maioria, dificilmente terá estabilidade.
Esse quadro se insere numa transformação mais
ampla: a erosão do centro e a ascensão de forças antiestablishment. O
desempenho do outsider Franco
Parisi, novamente acima das expectativas, confirma a presença de um eleitor
volátil, desconfiado e pouco ideológico. A centro-esquerda tradicional, por sua
vez, encolhe a olhos vistos, incapaz de oferecer um relato convincente e
recuperar sua tradicional centralidade. É a versão chilena de um fenômeno visto
em outras democracias: moderados comprimidos entre polos cada vez mais
assertivos.
No segundo turno, Kast e Jara disputarão o
centro. A batalha será travada menos em torno de programas do que de
percepções: ordem versus continuidade, mudança responsável versus risco de
extremismo, autoridade versus medo. Ambos já ensaiam suavizar arestas; ambos
dependem de um eleitorado que quer segurança, mas desconfia de aventuras; ambos
sabem que não há vitórias perenes num país onde o pêndulo nunca para de
oscilar.
O Chile não fez uma escolha definitiva, mas pronunciou um veredicto sobre o passado recente. O próximo mês dirá se esta guinada à direita é um episódio de correção ou o início de um novo ciclo político. A única certeza, por ora, é de que o país deixou de ser previsível.
Iniciativas do Brasil trazem avanços práticos
na COP30
Por Valor Econômico
Por outro lado, o Congresso Nacional aprova
legislação retrógrada na área socioambiental
Em meio ao debate sobre as metas de
compromissos climáticos e como financiar a conta da transição energética,
despontam na COP30 ideias práticas que trazem um olhar arejado sobre velhos
problemas. Várias delas são iniciativas brasileiras, que podem ser replicadas
em outros países e aperfeiçoadas.
Uma dessas ideias, já consagrada pela boa
receptividade, é a do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em
inglês), que inovou ao transformar as concessões de recursos para a manutenção
das florestas tropicais em investimento, diferentemente de iniciativas anteriores
baseadas em doações e filantropia, geralmente de complexa concretização.
Inspirado no mecanismo de “blended finance”, o TFFF ambiciona captar US$ 25
bilhões dos países participantes e alavancar US$ 100 bilhões no mercado.
Administrados pelo Banco Mundial, os recursos serão aplicados em renda fixa, e
parte do retorno será destinado aos projetos de florestas tropicais elegíveis.
O TFFF foi oficialmente lançado na COP30 e
até agora angariou US$ 5,5 bilhões. O governo brasileiro espera chegar a US$ 10
bilhões ainda neste ano e considera certa uma colaboração substancial da
Alemanha.
Vários especialistas em ambiente elogiaram o
TFFF. Johan Rockström, renomado climatologista, considera positivo que o TFFF
não dependa dos mercados voluntários de carbono, que ele considera frágeis e
baseados em compensação, e não em redução real de emissões. Para Inger
Andersen, chefe do Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente (Pnuma), o
TFFF reforça a agenda de implementação e é um sinal de progresso prático dentro
da COP30.
Ainda na área financeira, foi bem recebido na
COP30 o Eco Invest, que despertou interesse de investidores estrangeiros para
seu quarto leilão, lançado em Belém (PA) na semana passada, cujo foco será
financiar projetos de turismo sustentável, bioeconomia e infraestrutura verde
na região amazônica. Igualmente usando o “blended finance”, o Eco Invest já
mobilizou cerca de R$ 70 bilhões entre recursos públicos e privados para
financiamento de projetos de transição climática nas edições anteriores.
Inovações brasileiras em outras áreas também
chamam a atenção. O governo brasileiro vai incluir a sustentabilidade entre os
critérios para compra de bens e serviços pelo setor público — ganham prioridade
os que causarem menor impacto ao ambiente. O objetivo é usar o poder de fogo
das compras públicas, de 15% do PIB, considerando as três esferas de governo,
para estimular setores econômicos sustentáveis. Na COP30, o Brasil formalizou
sua entrada no “Green Public Procurement Pledge”, um compromisso global para
impulsionar a descarbonização do setor de construção civil.
Outro exemplo é o Cadastro Ambiental Rural
(CAR). Criado em 2012, o CAR é agora uma plataforma eletrônica por meio da qual
proprietários e produtores rurais informam dados sobre suas propriedades,
atividades agropecuárias, áreas desmatadas e zonas de preservação ambiental, e
comprovam a regularidade ambiental de imóveis rurais. Na COP30, o CAR foi
tornado bem público digital voltado à ação climática. A ferramenta será
incorporada ao Celeiro de Soluções da COP30, repositório global de iniciativas
climáticas que integra o catálogo de soluções digitais abertas da ONU.
Já uma realidade é o uso compartilhado da
ClimateScanner, ferramenta desenvolvida pelo Tribunal de Contas da União (TCU)
que permite fazer auditorias das ações dos governos em enfrentamento das
mudanças climáticas. Já aderiram 141 países. Uma das principais constatações
feitas pelo ClimateScanner é que nove em cada dez países não sabem quanto
gastam para enfrentar as mudanças climáticas.
Do seu lado, o Legislativo tentou sem muito
sucesso mostrar adesão à pauta ambiental nas proximidades da COP30, aprovando
algumas propostas bem antigas, entre as diversas que inexplicavelmente hibernam
em seus arquivos (Valor,
6/11). Entre elas, foi aprovado o Acordo de Escazú, o primeiro tratado
ambiental da América Latina e do Caribe, que prevê a proteção dos direitos de
acesso à informação, justiça em questões ambientais e proteção de ativistas
ambientais. O Brasil assinou o tratado em 2018, mas levou sete anos para que
fosse agora ratificado pelo Congresso. A Câmara aprovou um projeto que define o
crime de tráfico de animais silvestres inspirado em uma CPI ocorrida há nada
menos que 22 anos.
Foram, no entanto, iniciativas tímidas frente
ao arsenal de cerca de 50 projetos com alto potencial de dano socioambiental em
tramitação, segundo o Observatório do Clima. Um dos mais nefastos foi aprovado:
o “PL da Devastação”, convertido na Lei 15.190/2025, que traz grandes
retrocessos. De quase 400 dispositivos, 63 foram vetados completa ou
parcialmente pelo presidente Lula e 26 foram simplesmente excluídos. O
Congresso aguarda o fim da COP30 para analisar os vetos, com grande
probabilidade de derrubá-los.
A contradição entre as propostas modernas de conservação e financiamento verde, de um lado, com uma legislação retrógrada em muitos aspectos, de outro, expõe um dos desafios centrais que dificultam o avanço da agenda climática brasileira.
Brasil precisa de nova revolução financeira
Por Correio Braziliense
O Pix é considerado uma ferramenta inovadora
justamente porque, em pouco tempo, mudou comportamentos de compra e venda.
Apostar nessa abertura para disseminar o uso consciente do dinheiro será uma
nova revolução
"Vou fazer um Pix" é,
possivelmente, a promessa mais cumprida pelos brasileiros. O volume diário de
transações financeiras por meio dessa ferramenta de pagamento instantâneo
reforça a premissa: balanço do Banco Central (BC) indica que, no último 5 de
setembro, foram 290 milhões de operações em 24 horas, somando um total de R$
164,8 bilhões. Um recorde em uma sexta-feira, véspera de feriado, evidenciando
que, com cinco anos de existência, esse sistema mudou a lógica de pagamento no
país, colocou em xeque a ideia de que inovação e soluções estatais não podem
caminhar juntas e, sobretudo, promoveu a inclusão financeira.
No mês em que a ferramenta foi lançada,
novembro de 2020, 6% dos brasileiros fizeram ao menos um Pix. Em outubro deste
ano, 90% da população — nove em cada 10 pessoas — recorreu ao sistema para
fazer pagamentos. Da média de R$ 500 nos dias seguintes à implementação, o país
passou para a soma de R$ 188, indicando a popularização do método que
impulsiona as economias formal e informal. Durante 2024, foram movimentados R$
26,4 trilhões com o sistema, calcula o BC. "Isso equivale a 2,5 PIBs. É um
volume fantástico", enfatizou o diretor de Organização do Sistema
Financeiro e de Resolução do banco, Renato Dias de Brito Gomes, em live
recente.
Há de se ressaltar que os aprimoramentos da
ferramenta — principalmente pela inclusão de novas funcionalidades — pavimentam
essa trajetória exitosa. Ao mesmo tempo, levam o Pix para patamares mais
complexos de interação entre agentes econômicos; e, portanto, mais desafiantes.
Em discussão, as possibilidades de parcelamento de pagamentos e de realização
de transações internacionais tensionam ainda mais as preocupações com a
segurança e com o endividamento dos usuários.
No ano em que o Pix completa meia década,
veio à tona o maior ataque hacker do país, responsável pelo desvio de R$ 800
milhões de bancos e empresas ligadas ao sistema de pagamento instantâneo. Em
2024, foram R$ 6,5 bilhões perdidos em fraudes, um aumento de 80% em
relação ao montante do ano anterior. O BC mudou protocolos, implementou
resoluções e lançou recursos — como o botão de contestação — para tranquilizar
cidadãos e empresas. Mas faz-se necessário ainda um trabalho intenso de
conscientização dos usuários para o uso seguro da ferramenta.
Nesse sentido, também é urgente a
concentração de esforços para uma educação financeira em massa dos brasileiros.
Há um desconhecimento crônico das práticas de gerenciamento do dinheiro que
leva a escolhas que deixam os indivíduos expostos a armadilhas de todas as
espécies e impactam a economia, levando à falência de empreendimentos e
alimentando os ciclos de vulnerabilidade. Levantamento da Confederação Nacional
do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) indica que oito em cada 10
famílias estão endividadas. Trata-se do maior patamar da série histórica
iniciada em 2010.
O Pix é considerado uma ferramenta inovadora justamente porque, em pouco tempo, mudou comportamentos de compra e venda entre indivíduos e empresas dos mais variados perfis. Há, portanto, uma disponibilidade da população para a adoção de novas práticas para adquirir bens e serviços, com potencial de capilaridade que condiz com o tamanho continental do país. Apostar nessa abertura para disseminar o uso consciente do dinheiro será uma nova revolução financeira que fará diferença estrutural ao Brasil.
A pressa e os erros do presidente Hugo Motta
Por O Povo (CE)
Guilherme Derrite, que sequer estava no
mandato e precisou retomá-lo para assumir a relatoria na Câmara, não apresenta
o perfil adequado quando se busca uma linha de acordo possível. Algo, que já
deveria ser previsto pelo claudicante Hugo Motta
O presidente da Câmara, deputado Hugo Motta
(Republicanos-PB), manteve na pauta desta terça-feira a análise pelo plenário
do relatório de Guilherme Derrite (PP-SP) sobre o texto do projeto de lei que o
Executivo encaminhou ao Congresso e que pretende organizar a base legal para o
enfrentamento das facções criminosas no Brasil. Oficialmente chamado de Marco
Legal de Combate ao Crime Organizado, popularmente batizado de PL
Antifacção.
Trata-se de um processo que parece errado em
boa parte dos aspectos pelos quais é analisado. Primeiro, expõe uma demora,
difícil para o próprio governo explicar, na adoção de medidas que visem
enfrentar o problema da criminalidade organizada. Ou seja, deixou-se que a
situação chegasse a um ponto de aproximação perigosa de um quadro extremo para
fazer um movimento objetivo no sentido de enfrentá-lo.
Também errou o presidente Hugo Mota quando,
ao receber a proposta do governo, escolheu para a estratégica função de relator
um parlamentar sem diálogo amplo, que notoriamente não apresentava
capacidade de se sentar à mesa com a totalidade das correntes políticas
presentes à Câmara para o esforço, inicial pelo menos, de encontrar os
consensos para, a partir deles, discutir as diferenças.
Guilherme Derrite, que sequer estava no
mandato e precisou retomá-lo para assumir a relatoria na Câmara, não
apresenta o perfil adequado quando se busca uma linha de acordo possível. O
resultado, que já deveria ser previsto pelo claudicante Hugo Motta, é uma
dificuldade clara dele fazer o debate avançar numa situação que o obrigou, até
agora, a fazer vários recuos no texto. Já são quatro versões apresentadas e
especula-se que uma quinta deva ser apresentada nas próximas horas como forma
de amenizar críticas, feitas à direita e à esquerda, e encaminhar uma
perspectiva de votação.
É evidente que o tema exigia muito mais
debate no parlamento, impunha que se garantisse espaço e voz para as visões
diferentes sobre a melhor política de combate às facções criminosas
e, por exemplo, precisava de um aprofundamento maior no debate sobre a
conveniência de uma classificação eventual de suas atividades ilegais como
"terrorismo". Há implicações nisso que a exígua discussão não permite
o aprofundamento que seria necessário.
O mais correto, a essa altura, seria mesmo, como sugeriram os próprios governadores da linha conservadora à qual Derrite está ligado, que um tempo mais, de pelo menos 30 dias, fosse oferecido para uma maturação do texto. Hugo Motta insiste na urgência do tema para manter sua ideia de votar a matéria a toque de caixa, apesar do risco que a pressa representa, no caso, para o esforço de encontrar um caminho que seja o mais equilibrado possível. Este é um dos temas em que interessa pouco à sociedade saber quem ganha ou quem perde eleitoralmente.

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