O Globo
A prevalência do grupo direitista no Chile
fecha um ciclo de renovada onda conservadora na América do Sul
A provável vitória do candidato de
ultradireita José Antonio Kast no segundo turno do Chile, onde cerca de 70% dos
votos do primeiro turno foram dados para partidos de direita, desenha-se de
maneira semelhante à situação atual brasileira. A direita chegou ao segundo
turno desunida, mas imediatamente passou de segunda colocada para primeira no
fim do primeiro turno. A esquerda estava unida, mas não teve força para obter
nem mesmo o mínimo de 30% de votos esperados, embora tenha chegado em primeiro
lugar.
A prevalência do grupo direitista no Chile fecha um ciclo de renovada onda conservadora na América do Sul, já governada pela direita na Argentina, Paraguai, Bolívia, Peru, Equador. Na Colômbia, existe a perspectiva de uma vitória da direita, embora o presidente Gustavo Petro, que não pode se reeleger, ainda tenha força política respeitável. Desde a reeleição de Donald Trump nos Estados Unidos, há uma tendência de união em torno dele do que os críticos já chamam de “internacional reacionária”.
Além da proximidade ideológica que tem tudo a
ver com o bolsonarismo brasileiro, existe uma visão comum entre eles sobre
equilíbrio fiscal e contenção de gastos para garantir o desenvolvimento
econômico. Essa tendência faz com que a esquerda queira se diferenciar
aumentando investimentos sociais, o que pode levar a problemas econômicos em
curto prazo. A confusão entre desequilíbrio fiscal e gastos sociais, como se
fossem antagônicos, leva a esquerda usar o populismo fiscal para se contrapor à
direita, exacerbando o perigo de descontrole.
A tendência direitista é vista como reação a
crises econômicas, desemprego e à frustração com a gestão de governos
anteriores, aguçando a polarização política, com visões diferentes sobre
desenvolvimento, papel do Estado e relações internacionais. No caso do Brasil,
mesmo com crescimento econômico razoável e taxa de desemprego no nível mais
baixo, o fantasma de uma crise econômica no médio prazo, como aconteceu com o
governo Dilma Rousseff, continua assustando a população. A necessidade de
manter uma taxa de juros tão alta quanto a brasileira para garantir que a
inflação não se desgarre das metas oficiais traz problemas para o cotidiano da
população. A insegurança pública é outro fator fundamental na região, e a
campanha de Trump contra o que chamam de “narcoterrorismo” fortalece a direita.
A polarização política também leva a
conflitos ideológicos acirrados, especialmente quando se recorda a “onda rosa”
que levou, durante o segundo governo Lula, a região a ser dominada por governos
de esquerda. A pressão militar de Trump para forçar a derrubada do governo de
Nicolás Maduro na Venezuela faz o debate ideológico dominar as campanhas
presidenciais, com tendência favorável à direita. Uma importante alteração é
quanto à inexistência de líderes personalistas nesses países, com exceção do
Brasil, onde Lula e Bolsonaro continuam se contrapondo.
Uma política Sul-Sul leva, em algumas
ocasiões, à tomada de decisões equivocadas, como no caso do Brics, quando o
Brasil assume posições favoráveis a posturas como as da Rússia contra a Ucrânia
e se coloca como simpatizante da China na disputa com os Estados Unidos. O
tarifaço imposto ao Brasil pelo governo Trump obrigou o governo brasileiro a
aproximar-se do americano, mas ainda não houve resultado prático.
O conceito de gestão competente, maior arma do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, tem prevalecido na região, notadamente com a vitória de Javier Milei na Argentina. Governos de direita na América do Sul tendem a favorecer ajustes fiscais, desregulamentação, privatização e maior alinhamento com o Ocidente, enquanto a esquerda concentra-se mais no papel do Estado, na distribuição de renda e na autonomia regional. Os prejuízos sucessivos das estatais brasileiras, reforçados pela crise dos Correios, aumentam a pressão contra o governo Lula.

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