segunda-feira, 10 de novembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Desequilíbrio fiscal esvazia Bolsa de Valores

Por O Globo

Com necessidade de manter juros altos, renda fixa é mais atraente que ações, e mais empresas fecham capital

A falta de compromisso firme do governo com o equilíbrio fiscal tem consequências negativas em toda a economia. A mais imediata é a inflação, resultado da falta de confiança que se dissemina pelo mercado. O Banco Central (BC) é então forçado a subir os juros, com isso impõe um freio ao crescimento econômico e à geração de empregos. Quando os juros ficam altos por muito tempo, os efeitos são perniciosos. Na semana passada, mais uma vez a taxa básica de juros, a Selic, foi mantida em 15% anuais. Descontada a inflação — em torno de 5,2% ao ano —, o juro real se aproxima de 10%, desempenho que tem garantido ao Brasil há um bom tempo lugar no pódio dos juros mais altos do mundo.

A persistência dos juros altos provoca distorções no mercado financeiro. Ao garantir ganho superior a qualquer investimento, os títulos de renda fixa emitidos pelo governo — dívida pública — ou por empresas — dívida privada — se tornam bem mais atraentes para o investidor do que apostar o capital em ações. O resultado desse movimento na direção da renda fixa tem sido o esvaziamento da Bolsa de Valores.

Há quatro anos novas empresas não abrem o capital na Bolsa B3 ou promovem movimentos de lançamento de ações para captar recursos. Ao contrário, tem havido fuga do mercado acionário. Como o preço das ações está baixo diante do potencial de gerar dividendos, muitas empresas têm aproveitado para fechar o capital. Recompram as próprias ações e abandonam a Bolsa. Neste ano, até agora, nove fizeram isso. Nos últimos quatro anos, foram 36. Nem sempre se trata de decisão estratégica. Algumas recompram as ações apenas pela oportunidade financeira.

Pode parecer paradoxal que, com o esvaziamento, o índice da B3, o Ibovespa, venha batendo recordes sucessivos. Mas só na aparência. Como há menos ações em negociação, as empresas têm adotado políticas generosas de distribuição de dividendos, aumentando seu poder de atração. E a migração do capital para a renda fixa torna o preço das ações convidativo. Por isso há tanto investidor estrangeiro aproveitando o momento para comprar ações, e o Ibovespa não para de subir.

O índice preço/lucro (PL) da B3 está em 8,8, segundo a chefe de pesquisa econômica do Santander, Aline Cardoso — isso significa que o investidor levaria pouco menos de nove anos para obter de volta o que aplicou na ação por meio dos dividendos. De acordo com ela, o PL dos últimos dez anos é de 11. Negócios têm sido fechados abaixo da média histórica. Receber mais rápido pode favorecer o investidor, mas é sinal de mercado depreciado. O PL baixo é pior para as empresas, obrigadas a dar desconto para captar. No robusto mercado americano de ações, o PL é de 22.

É indiscutível que o desequilíbrio das contas públicas, responsável pelos juros altos, sufoca por tabela o mercado acionário. Não se trata apenas de uma fonte importante de financiamento de empresas em toda economia que se preze, mas sobretudo da forma mais justa de alocar recursos aos projetos mais relevantes para o futuro. Além disso, as empresas de capital aberto são obrigadas por lei a cumprir normas de transparência e governança que contribuem para melhorar a gestão, com efeitos indiretos no mercado de trabalho, no meio ambiente e na sociedade como um todo. A piora na qualidade do capitalismo brasileiro é mais uma consequência da falta de compromisso do governo com a responsabilidade fiscal.

Data centers de IA são oportunidade que Brasil deve avaliar com sensatez

Por O Globo

Matriz elétrica limpa favorece investimento, mas é preciso cuidar de impacto no consumo de água e energia

inteligência artificial (IA) traz uma oportunidade que precisa ser analisada com atenção pelo Brasil: a construção das enormes centrais onde é realizado o processamento de dados dos modelos de inferência da IA, conhecidas como data centers. Os investimentos nessas instalações deverão somar US$ 252,3 bilhões neste ano, salto de 50% em relação a 2024, de acordo com o AI Index Report da Universidade Stanford. As estimativas mais otimistas falam em US$ 456 bilhões em 2026, um crescimento de 80,7%. Dos 10 mil centros de processamento existentes no mundo, mais de 50% estão nos Estados Unidos, e apenas 189 ficam no Brasil. Se houver uma política equilibrada de incentivo, essa parcela pode crescer. Para atrair projetos, porém, são necessários alguns requisitos.

Trata-se de instalações cujo consumo de energia é brutal e cuja expansão impõe um enorme desafio ambiental, em razão da emissão de gases de efeito estufa necessária para gerar a eletricidade consumida. Hoje os data centers já representam 2% do consumo mundial de energia, parcela que deverá chegar a 3% nos próximos cinco anos. Por ter matriz elétrica limpa — 88% de fontes renováveis —, o Brasil se credencia como forte candidato a atrair projetos de data centers sustentáveis.

As condições brasileiras são invejáveis. Da energia consumida por data centers no mundo todo, as fontes eólica e solar fornecem 24%, o carvão mineral 15% e a energia nuclear 20%. No ano passado, o Brasil também usou 24% de energia solar e eólica, mas o carvão responde por meros 3% e usinas nucleares por 2%. O grosso (56%) ainda é energia hidrelétrica.

Além de eletricidade, os data centers são consumidores vorazes de água para refrigeração. Apenas no estado americano da Virgínia, região onde o abastecimento de água já é crítico, eles consumiram 7 bilhões de litros em 2023, ou 63,5% acima de 2019. Para aproveitar a oportunidade estratégica, portanto, o Brasil precisaria assegurar a conservação de mananciais, já ameaçados pelo consumo crescente num quadro de clima em mutação.

Outra questão diz respeito à regulação. O Regime Especial de Tributação para Serviços de Data Center (Redata) já oferece incentivos fiscais para esses investimentos, de acordo com a pesquisadora em IA Dora Kaufman, da PUC-SP. Seria desejável que a legislação impusesse compensações na forma de transferência tecnológica e aquisição de competências pelo Brasil.

Uma vantagem dos data centers no Brasil seria aumentar a confiabilidade na demanda por eletricidade. Com a profusão de parques eólicos e painéis solares, tem havido excesso de geração durante o dia, por vezes criando a necessidade de cortes no fornecimento. Como o Brasil dispõe de um sistema interligado de distribuição, data centers munidos de capacidade de armazenamento em baterias permitiriam escoar a eletricidade hoje desperdiçada.

Há argumentos persuasivos para o Brasil aproveitar a oportunidade, desde que cuide com sensatez do impacto no consumo de água e energia.

Câmara deve aprovar punição a devedor contumaz

Por Folha de S. Paulo

Projeto que institui o Código de Defesa do Contribuinte prevê rigor contra sonegação tributária elevada

Estima-se que contumazes seriam 1.200 pessoas jurídicas com mais de R$ 200 bilhões em dívidas; manobra é usada pelo crime organizado

Em um país onde a sonegação fiscal drena bilhões dos cofres públicos, facilita a infiltração do crime organizado em atividades legais e prejudica o funcionamento da livre concorrência, é positivo que a Câmara dos Deputados esteja prestes a votar o projeto de lei complementar 125/2022.

Aprovado no Senado, o diploma institui o Código de Defesa do Contribuinte, com direitos e deveres dos pagadores de impostos e do fisco, e traz outro avanço fundamental: a tipificação do chamado devedor contumaz.

Trata-se do contribuinte —pessoa física ou jurídica— cuja inadimplência é substancial (débitos tributários de pelo menos R$ 15 milhões e que superem 100% do patrimônio conhecido), reiterada (em pelo menos quatro períodos consecutivos ou seis alternados em 12 meses) e injustificada.

O projeto endurece punições nesses casos, com inaptidão cadastral, veto a participação em licitações, exclusão de benefícios e revogação da extinção penal por pagamento tardio.

O foco é na má-fé sistemática de pessoas e empresas que não pagam impostos e ocultam bens. Não se busca enquadrar o inadimplente ocasional, mas o sonegador profissional que organiza seu negócio em torno da fraude.

A infiltração desses participantes no tecido econômico legal não raro é uma ponte com o crime organizado. No estágio de consolidação, quadrilhas lavam capitais ilícitos por meio de empresas fantasmas que sonegam tributos para disputar mercados formais.

Essa prática desvirtua o funcionamento do mercado. Empresas idôneas fecham portas ante preços predatórios cobrados por devedores contumazes. Esse fenômeno já foi bem identificado no setor de combustíveis, mas permeia outras atividades.

Segundo estimativas, os contumazes seriam apenas 1.200 pessoas jurídicas, que acumulam mais de R$ 200 bilhões em dívidas. A facilidade com que alteram as estruturas societárias para deixar dívidas para trás e incorrer novamente na sonegação com um novo CNPJ é o problema central.

A Fundação Getulio Vargas projeta até R$ 30 bilhões anuais em dívidas fiscais recuperáveis, recursos fundamentais também para reforçar o Orçamento deficitário sem elevação de impostos.

Destaque-se, por fim, o aspecto educador do projeto: o devedor comum, com problemas legítimos, ganha reforço em direitos —ampla defesa, transparência, reparação por erros fiscais.

Programas como Confia e Sintonia oferecem incentivos a bons pagadores: redução de multas, prazos estendidos e canais prioritários. É correto que contribuintes honestos em dificuldades tenham caminhos legais claros para que possam voluntariamente reestabelecer sua conformidade.

A aprovação de regras mais duras contra devedores contumazes é, portanto, justa. Trata-se também de arma financeira contra o crime organizado e suas ramificações legais, de modo a proteger a economia formal.

Aborto legal na prática

Por Folha de S. Paulo

Ao derrubar resolução sobre procedimento, Câmara põe ideologia acima de direito garantido por lei

Norma do Conanda estabelece diretrizes sobre aborto em menores de idade, estrato que enfrenta mais obstáculos no acesso ao serviço

Com 317 votos favoráveis e 111 contrários, a Câmara dos Deputados aprovou na quinta-feira (5) um projeto de decreto que derruba a resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e Adolescente sobre aborto legal em menores de idade —o projeto vai ao Senado.

Mas a norma do Conanda apenas reafirma o direito desse estrato à interrupção da gravidez a partir de diretrizes como prioridade no acesso ao serviço de aborto legal, o sigilo e o atendimento seguro e humanizado.

A medida obscurantista dos deputados parte de viés ideológico e desconsidera os obstáculos no acesso ao aborto legal no país, colocando a saúde e até a vida das brasileiras mais jovens em risco —a mortalidade materna no estrato até 14 anos (62,57 mortes a cada 100 mil nascidos vivos) é superior à média nacional (52,7).

Ademais, é uma tentativa de confundir a população sobre o alcance da resolução, que não altera a lei em vigor desde a década de 1940. Trata-se, assim, de esvaziar a aplicação dos dispositivos sobre aborto do Código Penal.

No Brasil, a interrupção da gravidez é permitida em casos de risco de vida para a gestante, estupro e anencefalia fetal. A lei estabelece que manter relação sexual com menor de 14 anos é estupro de vulnerável, não cabendo alegação de consenso da vítima.

Os dados são alarmantes. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 61% dos 87,5 mil estupros registrados no ano passado foram contra crianças e adolescentes nessa faixa etária.

Sabe-se que o tema é controverso e motivo de embate político estridente. O próprio governo petista se opôs à resolução do Conanda em dezembro e, após críticas, agora indicou voto contrário à sua derrubada na Câmara.

Contudo o conhecimento técnico deveria guiar políticas públicas, não a ideologia. Legisladores criticam a resolução porque ela não impõe um tempo limite de gestação para autorizar o aborto, embora tal limitação só possa ser instituída por lei, já que o o Código Penal não a impõe.

Crianças e adolescentes, principalmente as mais pobres, são as que tendem a realizar o procedimento em gravidez avançada porque desconhecem o próprio corpo, não conseguem denunciar abusos sofridos no ambiente doméstico e não têm acesso regular a serviços médicos.

Por isso é o público que mais enfrenta obstáculos para ter garantido o aborto legal. Ao derrubar a resolução, os deputados colocam uma disputa política tacanha acima do direito, da saúde e da vida de crianças e adolescentes que dizem proteger.

Recursos e combustíveis fósseis, os desafios da COP30

Valor Econômico

A transição pode ser financiada pelo petróleo se ao avanço das energias alternativas corresponder a diminuição de sua exploração ao longo do tempo, e se boa parte dos recursos forem destinados para combater o aquecimento global

A COP30, conferência do clima da Organização das Nações Unidas, começa hoje em Belém tendo diante de si o agravamento das mudanças climáticas, a falta de ambição para combatê-las com medidas enérgicas para isso e escassez de recursos para realizar as gigantescas tarefas à frente. Os avisos emitidos pela ONU são eloquentes: já não será mais possível evitar que o aquecimento do planeta fique abaixo de 1,5° C. Não é possível esperar a resolução dos complexos problemas que as 29 outras conferências deixaram. Além disso, os líderes dos três maiores poluidores do mundo em 2024, China, EUA e Índia, não estão presentes, além de os americanos terem se retirado do Acordo de Paris. Dentro do que é possível obter nessas circunstâncias, avanços em algum plano para reduzir o uso dos combustíveis fósseis (fazendo a transição energética) e em formas de obtenção de recursos para mitigação e adaptação às mudanças climáticas seriam encorajadores.

Os números das emissões globais de gases de efeito estufa e suas consequências são negativos. Segundo o Programa das Nações Unidas para Meio Ambiente (Pnuma), o lançamento de gases na atmosfera não só não está diminuindo como se acelerou. Em 2024, cresceu 2,3%, ritmo quatro vezes maior que a média da década passada (0,6%) e na mesma velocidade da média dos anos 2000 (2,2%). “Os países tiveram três tentativas para cumprir as metas do Acordo de Paris e em todas falharam”, disse Inger Andersen, diretor-executivo do programa da ONU.

Outros relatórios, como o da Organização Meteorológica Mundial, ressaltam os efeitos negativos do atraso do combate às mudanças climáticas. Entre 2015 e 2025 ocorreram as 11 mais elevadas temperaturas da Terra em 176 anos, desde quando se iniciaram os cômputos, e 3 das temperaturas recordes ocorreram nos últimos três anos. A concentração de gases estufa e o aquecimento dos oceanos bateram recordes no ano passado. A extensão do gelo do Ártico após o inverno foi a menor já registrada, e, na Antártica, bem abaixo da média histórica. O ritmo de elevação do nível do mar quase dobrou. A conclusão é de que a meta de 1,5° C será temporariamente ultrapassada.

As chances de que esse teto seja atingido estão diminuindo. Mesmo com o agravamento evidente das condições climáticas, apenas 64 países entregaram suas novas metas de emissões em tempo hábil. Com elas, a ONU estimou que a temperatura em relação à era pré-industrial subirá entre 2,3° e 2,5° C e atingirá 2,8° C em 2100, delineando condições ambientais que tornarão boa parte do planeta inabitável.

Como anfitrião da COP, o Brasil fez uma boa parte da lição de casa. As emissões de carbono líquidas (que consideram a absorção de CO2 por florestas e áreas de preservação) caíram 22% em 2024 - o segundo maior declínio desde 1990 -, ao contrário das emissões globais, que aumentaram 21%. Apesar disso, houve aumento de 0,8% das emissões provocadas por energia, 2,8% por processos industriais e 3,6% por resíduos (tratamento de lixo e esgoto). Assim, o Brasil não deverá cumprir sua meta para 2025, de corte ao equivalente de 1,32 bilhão de toneladas de CO2. As estimativas são de que o ano fechará com despejo na atmosfera de 1,44 bilhão de toneladas.

Com o financiamento como o nó a ser desamarrado na COP, o Brasil deu um impulso original prático para progredir na solução da questão, ao lançar o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês), com o qual pretende obter US$ 25 bilhões por meio de adesão de países e, com isso, alavancar outros US$ 100 bilhões de capital privado para remunerar a permanência das florestas. No primeiro dia, ao lado do aporte de US$ 1 bilhão do Brasil, houve adesões que somaram US$ 5,6 bilhões.

O fundo é uma operação de engenharia financeira que oferecerá aos investidores uma remuneração semelhante às do título do Tesouro dos Estados Unidos de 25 anos, correspondente aos de um investimento de muito baixo risco) e aplicará os recursos em títulos de maior risco e rentabilidade. O spread entre a remuneração oferecida e a recebida pelas aplicações será utilizada para destinar verbas para países com florestas tropicais que não desmatarem ou desmatarem até 0,5%. A Noruega, que se comprometeu com US$ 3 bilhões, só os tornará disponíveis ao longo de dez anos. Se dará certo, só o tempo dirá.

A questão ambiental central é o que fazer com os combustíveis fósseis. Após apoiar que a Petrobras fosse autorizada a perfurar petróleo na Margem Equatorial, o presidente Lula cobrou da COP um mapa do caminho para reduzir a influência do combustível. A transição pode ser financiada pelo petróleo se ao avanço das energias alternativas corresponder a diminuição da exploração ao longo do tempo, e se boa parte dos recursos forem destinados para combater o aquecimento global. O Fundo do Pré-Sal quase nada destinou ao ambiente, e suas verbas irão agora financiar até gastos em Defesa. Com a exploração de petróleo sem um plano eficiente de transição, as temperaturas do planeta só terão uma direção: para cima.

A COP sob o signo do ceticismo

Por O Estado de S. Paulo

Espera-se que a COP-30, que começa hoje, ratifique o que já foi exaustivamente negociado. Mas a ausência de Trump, Xi e até do papa mostra que será difícil alcançar consensos relevantes

A COP-30 começa em Belém sob o lema da “implementação”. “Não é mais hora de negociar, é hora de implementar, implementar, implementar”, conclamou o secretário-geral da ONU, António Guterres. O anfitrião Luiz Inácio Lula da Silva ecoou o apelo: “Chega de discussão, agora tem que implementar o que já discutimos”. Mas o cenário contradiz o slogan. A ausência de líderes como o americano Donald Trump, o chinês Xi Jinping e até do papa simboliza um esvaziamento político. A conferência que promete inaugurar uma “nova era” pode acabar como tantas outras: a da boa vontade sem entrega – um ritual fatigado de esperanças, cobranças e frustrações.

Trinta anos e vinte e nove COPs depois, o roteiro se repete: metas grandiosas, retórica apocalíptica e perspectivas modestas. Apesar de retórica do “fim de papo”, ainda há muito a negociar. Guterres quer mobilizar US$ 1,3 trilhão anuais em financiamento climático até 2035 – uma soma que ninguém sabe de onde virá e para onde irá. Enquanto isso, as potências priorizam segurança energética e crescimento econômico. A fé na governança global cede lugar à competição por gás, petróleo e minerais críticos. A liturgia das COPs tornou-se previsível: indignação no púlpito, hesitação na prática – e um abismo crescente entre os ideais e a realidade.

A transição energética é incontornável, mas pode ser brutalmente desigual e custosa. Segundo projeções da OCDE, no cenário de transição acelerada a descarbonização consumiria cerca de 8% do PIB global até 2050, tornando os países pobres três vezes mais pobres que os ricos – a menos que políticas inteligentes e novas tecnologias compensem esse custo. O dilema é brutal: a mesma descarbonização que pode salvar o planeta amanhã pode empobrecer a humanidade hoje. Eleitores, produtores e consumidores resistem, com razão, a políticas que impõem custos inviáveis à energia e corroem o bem-estar em nome de metas abstratas. A energia limpa custa caro, e políticas desastradas elevam tarifas e minam a produtividade. Sustentabilidade não é sacrificar energia e alimento em nome da atmosfera, mas harmonizar os três pilares – segurança energética, alimentar e ambiental – num equilíbrio possível.

Um novo realismo climático emerge, ainda que timidamente. Às vésperas da COP, o empresário Bill Gates pronunciou três verdades simples: o aquecimento global é sério, mas não o fim do mundo; prosperidade e saúde são as melhores defesas contra ele; e a inovação é mais eficaz que a penitência. As políticas dominantes são míopes – confundem virtude com eficiência. Ao taxar energia e punir o consumo para subsidiar energias verdes ineficazes, a Europa, por exemplo, transformou zelo ambiental em austeridade social. A energia limpa precisa ser acessível antes de ser obrigatória. O futuro verde será obra de engenheiros e empreendedores – não de burocratas penitentes.

Belém é o retrato do desafio global em escala local. O fundo para florestas tropicais, principal entrega brasileira, se bem implementado, pode transformar a floresta em ativo econômico e remunerar quem preserva. O Brasil combina uma matriz energética 50% renovável com recursos fósseis que podem financiar sua própria transição. O petróleo pode ser a ponte para a economia verde – capaz de sustentar pesquisa, inovação e inclusão social. A Amazônia pode ser o maior laboratório mundial de bioeconomia, biotecnologia e crédito de carbono. Cabe ao País provar que sustentabilidade não é austeridade, mas estratégia de desenvolvimento. Belém, nesse sentido, é mais que sede da COP: é um espelho das contradições e possibilidades do século 21.

A COP começou com o apelo da implementação, mas o mundo segue dividido entre o idealismo climático e a realidade energética. A retórica da urgência contrasta com a inércia dos resultados. Se Belém quiser deixar um legado, deve trocar a culpa pela eficiência e o moralismo pela engenharia. A transição energética é indispensável – mas só será sustentável se for tecnológica, gradual e justa. Do contrário, as COPs continuarão sendo o mais caro ritual de boas intenções do planeta – e a Amazônia, o cenário mais eloquente de um mundo que ainda prefere discursar a agir.

A burocracia como negócio

Por O Estado de S. Paulo

Os oligopólios notariais são a mais próspera anomalia do Brasil: feudos travestidos de função pública, que prometem segurança jurídica, mas entregam privilégios, custos abusivos e atraso

Em 25 dos 27 Estados brasileiros, o ofício mais bem pago não é o de empresário, médico ou jogador de futebol. É o de tabelião – nos outros dois, é o de juiz ou procurador. Como radiografou uma reportagem do Estadão, uma casta de delegatários investidos de “fé pública” subverte há séculos uma função estatal em “mina de ouro vitalícia”. Ganha-se mais autenticando assinaturas do que dirigindo empresas ou salvando vidas. É o retrato do patrimonialismo: a burocracia como negócio.

O cartel cartorial é uma anomalia que sobreviveu à República, à industrialização e à revolução digital. Enquanto países modernos digitalizaram seus registros e integraram cadastros, o Brasil cultiva uma distopia de balcões, carimbos e taxas. Criados para dar segurança jurídica, os cartórios consolidaram um ecossistema de privilégios blindado pelas corporações de juízes e procuradores, que levam parte do butim. Um microcosmo do clientelismo, onde a função é pública, e os lucros, privados.

Em média, os tabeliães faturam R$ 156 mil mensais, e alguns mais de meio milhão. A receita anual dos cartórios – mais de R$ 30 bilhões – supera o orçamento somado de programas como o Farmácia Popular, o Mais Médicos e a merenda de todas as crianças da rede pública. Um enclave rentista sem concorrência cimentado por lei – verdadeiros feudos de arrecadação.

O mantra da “segurança jurídica” dá verniz a um Leviatã notarial que sobrevive de rituais anacrônicos. Em pleno século 21, o cidadão ainda precisa reconhecer firma, autenticar cópias e peregrinar de guichê em guichê para provar que é quem diz ser – eternamente cativo de uma burocracia bizantina que transforma o tempo em tributo e condena o País a ser um dos mais lerdos e caros do planeta para abrir empresas, registrar propriedades e executar contratos.

A distorção é, a um tempo, moral e econômica. Segundo a Câmara Brasileira da Indústria da Construção, a burocracia cartorial encarece a casa própria em até 12% – uma taxa informal sobre o direito de morar. As taxas formais variam grotescamente – o protesto de uma dívida pode custar R$ 69 no Ceará e R$ 4 mil no Piauí. Essa máquina de produzir desigualdades e asfixiar a produtividade não é acidente: é produto do lobby do carimbo e do balcão que bloqueia toda tentativa de simplificação, padronização ou transparência.

O contraste internacional é humilhante. Na Suécia, registros civis e fiscais são totalmente digitais e gratuitos. Portugal privatizou o notariado, mas fixou tarifas e limitou ganhos. Na França, os notários são oficiais nomeados pelo Estado, com tabela nacional e controle público. Até a Estônia permite abrir empresas em minutos, com total rastreabilidade digital. Já o Brasil conserva capitanias hereditárias sustentadas por selos, carimbos e taxas do século 19.

Não se trata de destruir a fé pública, mas de modernizá-la. O País precisa de um novo pacto cartorial, guiado por eficiência, transparência e concorrência. Isso implica consumar a digitalização dos registros públicos; fixar um teto remuneratório vinculado ao serviço público; padronizar e publicar os emolumentos sob autoridade independente; e permitir concorrência territorial e fé pública compartilhada com instituições certificadas, como já ocorre em Portugal. E, sobretudo, quebrar a simbiose entre burocracia, Justiça e política que perpetua essa reserva de mercado oligárquica.

Nenhum país que aspire à modernidade pode tolerar um despotismo capilarizado que transforma o ato de registrar uma escritura em privilégio de casta. A digitalização e a competição não ameaçam a segurança jurídica – apenas retiram dos carimbos o monopólio da confiança. É hora de devolver ao cidadão o tempo e o dinheiro sequestrados por uma elite extrativista.

Desburocratizar os cartórios é mais do que uma reforma administrativa: é um gesto civilizacional. É libertar o Brasil do cativeiro do papel, dos labirintos de formulários e dos rituais de submissão ao balcão. Nenhuma democracia decente transforma o selo público em fortuna privada. A República começa quando a assinatura deixa de ser negócio – e volta a ser um ato de fé na lei, não no tabelião.

A isenção do IR e o ‘mal menor’

Por O Estado de S. Paulo

Projeto passa sem sustos pelo Congresso, mas compensação pela renúncia ficou para depois

A aprovação unânime pelo Senado do projeto de lei que amplia a faixa de isenção do Imposto de Renda (IR) para R$ 5 mil mensais expôs muito mais do que o pavor dos parlamentares de votar contra uma medida que tem previsão de beneficiar 15 milhões de contribuintes. Confirmou também o desapreço fiscal que grassa nos Poderes. Depois de ser amplamente modificado, com 99 emendas apresentadas, o projeto do Executivo saiu do Congresso com mais beneficiados pela redução de impostos, menos cobranças dos mais ricos e nenhuma atualização de cálculo sobre a compensação dos benefícios pelo Ministério da Fazenda.

De quebra, a avaliação por deputados e senadores, concluída quase oito meses depois de enviado o projeto, escancarou a atual conjuntura de disputa política, que envolve não apenas Legislativo e Executivo, mas as duas Casas do próprio Congresso. A belicosidade deu o tom do discurso de apresentação do relatório do senador Renan Calheiros (MDB-AL), que disse preferir votar o texto como o recebeu da Câmara para não ter que “devolver a vítima de um sequestro ao cativeiro original, cujo novo resgate seria impagável”.

Por fim, restou a sugestão de um projeto autônomo, com o intuito de corrigir as brechas incluídas no texto original, o que todos sabem ser um trato destinado ao esquecimento, que se presta a manter aparente preocupação fiscal em uma matéria que, por si só, constitui um arremedo da discussão maior de reforma tributária da renda. A alegação de Calheiros, de que a votação simbólica no Senado buscou “o mal menor”, não convence, ainda que as “correções” sejam previstas para o projeto que aumenta a taxação de bets e fintechs.

Ao sustentar os cálculos do projeto enviado em março pelo Executivo, a Fazenda estimou receita de R$ 25,2 bilhões com o imposto mínimo de 10% para 141,4 mil contribuintes de alta renda. Havia também a previsão de arrecadação de R$ 8,9 bilhões com a retenção de IR sobre dividendos remetidos ao exterior. De acordo com o governo, seria suficiente para compensar os R$ 25,84 bilhões de renúncia fiscal com as isenções e descontos para contribuintes de renda mais baixa.

Na Câmara, depois das inúmeras mudanças, a estimativa de renúncia subiu para R$ 31,2 bilhões. Medidas arrecadatórias, como a tributação de títulos e rendimentos, foram retiradas ou postergadas e os descontos no imposto, ampliados. Lira e Calheiros, rivais políticos em Alagoas, comprovaram que projetos em que todos os congressistas podem amparar suas pretensões eleitorais passam pelo crivo parlamentar sem muitas dificuldades.

O aumento da isenção do imposto tende a se transformar na vitrine da campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à reeleição em 2026 e estará presente também em todas as plataformas de deputados e senadores candidatos a novos mandatos. Todos contam com a vantagem do fator tempo. Afinal, o prazo curto não permitirá que se conheçam os estragos da nova bomba fiscal armada a partir de uma arrecadação da alta renda insuficiente para compensar as benesses com as quais esperam angariar popularidade – e votos.

Educação infantil tem importância estratégica

Por Correio Braziliense

No contexto da educação infantil, base fundamental para os desenvolvimentos cognitivo, emocional e social do cidadão, ainda há muito a ser superado, o que revela esforços lentos e insuficientes

O Brasil está próximo de encerrar mais um ano letivo e, novamente, antigas questões seguem sem apresentar soluções definitivas. A desigualdade de acesso e a falta de qualidade de infraestrutura, de atividades pedagógicas ideais e de formação de professores são realidades contemporâneas que aumentam os desafios. No contexto da educação infantil, base fundamental para os desenvolvimentos cognitivo, emocional e social do cidadão, ainda há muito a ser superado, o que revela esforços lentos e insuficientes.

No último dia 5 de agosto, o Decreto nº 12.574 instituiu a Política Nacional Integrada da Primeira Infância (PNIPI). O objetivo é coordenar as ações públicas de diferentes áreas (como educação, saúde e assistência) para garantir a evolução integral das crianças de 0 a 6 anos, com a colaboração dos governos federal, estadual e municipal. Assegurar a presença dos pequenos nas instituições de ensino é o primeiro ponto. Embora a matrícula na educação infantil tenha crescido nas últimas décadas, muitas crianças, especialmente as que vivem em áreas rurais ou periféricas, ficam excluídas do sistema de creches e pré-escolas.

A meta estipulada no Plano Nacional de Educação (PNE) era atender 50% das crianças com até 3 anos, de 2014 a 2024, o que não aconteceu. Estudo do Todos pela Educação — com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad-C) e o censo escolar — revelou que 41,3% desse público é atendido no país, e aproximadamente 2,3 milhões estão fora das creches. O atendimento por diferença de renda também é escancarado, registrando 30,6% de assistência para crianças de famílias carentes diante de 60% das mais ricas.

Outro problema encarado diariamente é a infraestrutura precária — ausência de espaços apropriados, material pedagógico insuficiente e condições de higiene e segurança inadequadas estão presentes em diversas regiões do país. Fatos que contrastam com a importância da educação infantil para a sociedade.

A valorização dos profissionais também é ponto crítico. Muitos professores não recebem formação específica para atuar na educação infantil e, além disso, os salários costumam ser baixos, o que desmotiva e provoca alta rotatividade. Com as novas tecnologias e a introdução da inteligência artificial (IA), a capacitação inconsistente agrava o quadro.

Já o financiamento insuficiente no ensino básico, especialmente da primeira infância, continua sendo mais um obstáculo. Eliminar a função predominantemente assistencial e investir nessa etapa é assegurar melhores resultados futuros para os indivíduos e, consequentemente, para o país.

Nações que avançam nas estatísticas educacionais apostam no protagonismo dos anos iniciais dentro das escolas para evitar que os estudantes carreguem lacunas que, no decorrer dos estudos, provoquem baixo desempenho, desmotivação e evasão escolar. Priorizar a educação infantil é uma atitude estratégica para o desenvolvimento nacional. O país precisa assumir o compromisso político de valorização dessa fase do ensino para transformar vidas e acompanhar o crescimento acelerado do mundo globalizado. 

COP 30 no Brasil: é momento de adaptar

Por O Povo (CE)

A população, especialmente do Sul Global, é quem paga o preço pela dificuldade dos países de encontrarem um acordo ambicioso e efetivo. Cabe à presidência da COP 30 garantir que Belém seja um respiro de esperança

Começa oficialmente em Belém (PA), capital temporária do Brasil até o dia 21 de novembro, a 30ª Conferência das Partes do Clima (COP 30), da Organização das Nações Unidas (ONU). Após uma semana preparatória com a recepção de líderes mundiais e discursos dos anfitriões, especialmente na figura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a COP 30 dá o primeiro fôlego para guiar o mundo em um desafio cada vez mais latente. 

Segundo o relatório da Convenção do Clima da ONU (UNFCCC), lançado no dia 28 de outubro, as novas metas climáticas (NDCs) dos países são insuficientes para limitar o aquecimento global em 1,5°C, como estabelecido no Acordo de Paris. Mesmo assim, elas ainda reduzem as emissões de gases de efeito estufa (GEE) em 10% em 2035, em relação aos níveis de 2019. O necessário para frear o aquecimento global seria de 60% de redução. 

Essa ainda é uma previsão generosa, ao considerar as 64 NDCs entregues à ONU e os anúncios informais da China, da União Europeia e dos Estados Unidos — esse último, ainda com as promessas do ex-presidente Joe Biden. Pela incerteza das metas dos maiores emissores históricos e globais, o Observatório do Clima crava em 4% a redução de emissões de GEE até 2035, contabilizando apenas as NDCs entregues.

Na COP 30, os líderes procuram na adaptação uma forma de compensar as metas pouco ambiciosas. Ações de adaptação envolvem tornar as cidades e as comunidades mais resilientes e capazes de enfrentar os efeitos da crise climática. O Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNA), de 2016 e em processo de atualização, indica o Plano Diretor Municipal (PD), o levantamento de monitoramento de áreas de risco e os programas residenciais — como o Minha Casa, Minha Vida —, como instrumentos essenciais para a adaptação das cidades.

Em discurso, o presidente Lula disse estar "convencido de que, apesar das nossas dificuldades e contradições, precisamos de mapas do caminho para, de forma justa e planejada, reverter o desmatamento, superar a dependência dos combustíveis fósseis e mobilizar os recursos necessários para esses objetivos".

Espera-se que os líderes mundiais consigam superar as reiteradas contradições para garantir uma COP bem sucedida: concordando em retomar o aporte financeiro prometido para o financiamento climático, encontrando novos mecanismos de financiamento — como o Fundo Florestas Tropicais Para Sempre (TFFF, em inglês) — e implementando o Objetivo Global de Adaptação (GGA). O GGA quer quantificar a evolução global em vulnerabilidade e resiliência à emergência climática; em Belém, o objetivo é definir quais serão os indicadores comparáveis e rastreáveis para tal.

A cada ano, o desafio é maior. A população, especialmente do Sul Global, é quem paga o preço pela dificuldade dos países de encontrarem um acordo ambicioso e efetivo. Cabe à presidência da COP 30 garantir que Belém seja um respiro de esperança. 

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