segunda-feira, 17 de novembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Leis de IA não podem incentivar o ‘roube primeiro, acerte depois’

Por O Globo

Europeus têm aplicado multas por violação de direitos autorais, mas recuo em regras de privacidade é preocupante

O Brasil precisa ficar atento aos movimentos de regulação da inteligência artificial (IA) na Europa. A legislação europeia foi inspiração da brasileira na proteção de dados e à privacidade. O PL das Redes Sociais, infelizmente ainda parado no Congresso, se inspira no regramento europeu ao atribuir às plataformas digitais corresponsabilidade pelo conteúdo que veiculam, exigindo que retirem posts do ar assim que notificadas da ilegalidade, em vez de esperar decisão judicial — que, lenta, é insuficiente para reparar danos quando tomada. A IA impôs novas questões aos reguladores e, mais uma vez, a União Europeia (UE) adotou regras que embasam as propostas em discussão no Congresso. Mas é motivo de preocupação o recuo encetado pelas autoridades europeias.

É esperada para esta semana a publicação de novas diretrizes para uso de dados pelos modelos de inferência de IA. Propostas preliminares divulgadas pelo site Politico revelam que o plano é enfraquecer as regras de privacidade, assegurando mais liberdade às plataformas e menos proteção ao usuário. Várias informações hoje protegidas — como religião, crenças políticas, etnia ou dados de saúde — poderiam ser usadas para treinar modelos de IA, desde que preservando a identidade. A flexibilização é vista como consequência da pressão do governo Donald Trump em favor das plataformas e como concessão aos empreendedores digitais europeus, hoje retardatários numa corrida liderada por americanos e chineses. Os riscos, contudo, são evidentes.

O descaso das empresas de IA por direitos consagrados reflete a cultura de rapina dominante no Vale do Silício, a mentalidade do “roube primeiro, acerte as contas depois”. Basta lembrar que, na semana passada, a OpenAI, criadora do ChatGPT, foi condenada na Alemanha por violar direitos de letristas de músicas usadas para aperfeiçoar seus modelos. Em sua defesa, a empresa alegou que seus sistemas apenas incorporaram o que aprenderam, sem copiar o conteúdo. É uma justificativa sem sentido. Poderia ser usada por quem acessa sites fechados sem pagar, depois alega que invadiu aquele espaço apenas para “se informar”.

Multiplicam-se os conflitos entre plataformas digitais e detentores de propriedade intelectual na Europa. O Google foi multado em € 500 milhões por desrespeito às regras de direitos autorais da UE em 2021. Em setembro, foi novamente multado em € 2,95 bilhões, pela Comissão Europeia, por prejudicar concorrentes no mercado de anúncios digitais. Ao todo, as multas aplicadas contra o Google na Europa já somam € 9,5 bilhões, e autoridades europeias acabam de abrir nova investigação antitruste. Na França, na semana passada, uma associação de escritores abriu processo contra a Meta, também pelo uso de suas obras sem autorização para treinar modelos de IA.

A violação de direitos com pagamento de multa parece estratégia deliberada. Tanto que a própria OpenAI anunciou em maio do ano passado um entendimento com a News Corp, de Rupert Murdoch, para obter acesso a conteúdos de jornais na Austrália, no Reino Unido e nos Estados Unidos mediante compensação. Ao mesmo tempo, não consegue chegar a um acordo com o New York Times, que a processa desde dezembro de 2023, pelo mesmo motivo dos escritores franceses. A Austrália propôs um projeto de taxação e incentivo fiscal para plataformas que remunerarem produtores de conteúdo jornalístico, que deve ser acompanhado com atenção.

É evidente que, à medida que a tecnologia avança, as autoridades não devem sufocar o espírito inovador dos empreendedores digitais. Mas não podem incentivar o atropelo de direitos consagrados. Vale para propriedade intelectual, privacidade, livre concorrência — e tudo o que as plataformas digitais, movidas pela sanha de treinar seus modelos de IA, parecem desprezar.

Falta dinheiro para brasileiros casarem ‘de papel passado’

Por O Globo

Há menos conservadorismo nos costumes, mas razão para crescimento de uniões informais é financeira

O casal Michelli Almeida e Rafael Zaffari, retratado em reportagem do GLOBO, integra um grupo em expansão no Brasil: as uniões consensuais. São casamentos informais, “sem papel passado” (o IBGE também inclui aí as uniões civis estáveis). Pela primeira vez no Censo 2022, esse foi o grupo predominante entre os 51% dos brasileiros que viviam algum tipo de união conjugal.

Uniões consensuais representaram 38,9% dos casais, ante 37,9% para casados no civil e no religioso, 20,5% para casados apenas no civil e 2,6% apenas no religioso. Seis décadas atrás, em 1960, 60,5% eram casados no civil e no religioso, 20,2% apenas no religioso, 12,8% apenas no civil, e 6,4% não tinham papel passado. A inversão nas proporções traduz uma transformação profunda da sociedade brasileira.

Casais com formalização religiosa e civil estão em franca retração, depois de representarem 64,5% das uniões no Censo de 1970. Destaca-se também a redução na proporção de casamentos religiosos. Em 1970, 88,9% das uniões contavam com chancela confessional. Em 2022, apenas 40,5%.

Há, sem dúvida, menos conservadorismo nos costumes brasileiros. Nada deixa isso tão patente quanto o crescimento das uniões homoafetivas. Em 2010, os recenseadores encontraram casais gays em 0,1% dos lares, ou 58 mil. Em 2022, eles foram multiplicados por oito, para 480 mil, ou 0,7% do total. Mas a razão mais provável para o crescimento das uniões informais é outra: com a popularização das uniões civis estáveis, tornou-se mais simples e mais barato para um casal partilhar bens comuns e usufruir os mesmos direitos que os casados formalmente.

Uma evidência de que a razão para haver mais uniões consensuais é financeira está no grupo dos que recebem até meio salário mínimo: casais “sem papel passado” alcançam 52,1%, ante 44,1% casados no cartório (incluindo os unidos em cerimônia religiosa). Outra evidência: as maiores proporções de união consensual estão em estados de renda baixa: Amapá (62,6%), Roraima (58,4%) e Amazonas (55,9%). No outro extremo, estão estados ricos como Minas (29,4%), Espírito Santo (31,2%) e São Paulo (31,3%). Casar, seja no civil, seja no religioso, custa caro. É o que revela o casal Michelli e Rafael. Eles até pensaram em formalizar a união depois que nasceu o filho Apollo, hoje com 1 ano. Mas desistiram. “Estamos esperando um momento financeiro mais adequado”, diz Rafael.

Descalabro das estatais sob Lula não se limita aos Correios

Por Folha de S. Paulo

Tesouro aponta que nove empresas controladas pelo governo representam risco de perda para contribuintes

Desastre atual foi ajudado por decisão de 2023 de Ricardo Lewandowski, então ministro do STF, que suspendeu trechos da Lei das Estatais

Numa gestão marcada por ideologia estatista e desapreço por regras básicas de boa governança, não é surpresa que as empresas estatais federais se encontrem depauperadas.

É o que revela o 7º Relatório de Riscos Fiscais do Tesouro Nacional: nove empresas controladas pelo governo federal acumulam perdas recorrentes, o que amplia o risco de aportes bilionários por parte da União —vale dizer, do contribuinte brasileiro.

Para um universo de 27 estatais que têm receitas próprias e são consideradas no cálculo do déficit público (excluindo Petrobras e bancos oficiais), o relatório projeta déficits de R$ 6,2 bilhões neste ano e R$ 6,7 bilhões em 2026.

O caso mais grave é o dos Correios, que amargaram prejuízo de R$ 2,6 bilhões só no segundo trimestre de 2025, quase cinco vezes o do período correspondente de 2024 (R$ 553 milhões), totalizando R$ 4,4 bilhões no semestre.

Diante do descalabro, aventa-se um empréstimo à empresa de R$ 20 bilhões, com aval do Tesouro, algo que apenas adiaria o inevitável e traria ainda mais custos financeiros para a sociedade.

Outro exemplo é o da ENBPar, controladora da Eletronuclear, que demanda aporte urgente de R$ 1,4 bilhão para cumprir despesas até o final do ano. A conta ainda pode ser muito maior, dado que toda a conclusão da usina nuclear inacabada de Angra 3 demandaria cerca de R$ 20 bilhões, segundo estimativas.

Também há prejuízos e queda de receita na Infraero, na Casa da Moeda e nas Companhias Docas de Rio de Janeiro, Bahia, Ceará, Rio Grande do Norte e Pará. Tardiamente, o Tribunal de Contas da União (TCU) criou uma força-tarefa para auditar essas entidades.

O desastre atual não é acidente e foi ajudado pela liminar concedida em março de 2023 por Ricardo Lewandowski, então ministro do Supremo Tribunal Federal e hoje ministro da Justiça, que suspendeu trechos da Lei das Estatais e facilitou nomeações sem qualificação técnica.

A decisão abriu as portas para que diretorias e conselhos das empresas fossem preenchidos com aliados partidários e sindicalistas. Mesmo após o STF, em maio de 2024, validar as restrições legais, os indicados durante o período de vigência da liminar foram autorizados a permanecer até o fim dos mandatos.

A administração petista repete um padrão. Luiz Inácio Lula da Silva prometeu retomada das estatais como motores de desenvolvimento, mas entrega novamente a sangria de recursos públicos.

Sem um amplo programa de recuperação, com gestão profissional e corte de benesses, não há solução —e, onde for possível, a privatização é o antídoto.

Os Correios, com sua rede obsoleta e prejuízos crônicos, já deveriam ter sido passados há mais tempo para o controle privado. O risco a essa altura é não haver interessados, e o menos custoso nessa hipótese seria fechar a estatal. Manter o modelo atual é condenar os pagadores de impostos a mais um ciclo de rombos.

O crime também desmata a Amazônia

Por Folha de S. Paulo

Relatório indica que facções impulsionam devastação; é preciso aliar segurança com política ambiental

Em 2022, 77% do garimpo na amazônia brasileira era ilegal; no mesmo ano, o ouro gerou R$ 18,2 bilhões de lucro ao crime organizado

Nos últimos anos, o garimpo ilegal, a extração ilícita de madeira e a grilagem de terras têm sido cada vez mais usados pelo crime organizado tanto para diversificar negócios e ampliar lucratividade, outrora concentrada no tráfico de drogas, quanto como forma de lavagem de dinheiro.

Por isso, além do debate sobre políticas de combate ao aquecimento global, países da região amazônica —onde ocorre a COP30— têm se debruçado sobre a expansão local de facções e seu impacto ambiental e na segurança da população. O presidente da conferência climática da ONU, embaixador André Côrrea do Lago, reconheceu o desafio.

O alerta foi acionado durante o evento em Belém pela Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, com a divulgação de um relatório em que o crime organizado figura como agente importante da devastação ambiental.

Segundo o estudo, 77% do garimpo na amazônia brasileira era ilegal em 2022, ocupando mais de 2,6 mil km² do território.

Levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública estima que, em 2022, dos R$ 348,1 bilhões faturados por organizações criminosas, 42% (R$146,8 bilhões) vieram dos mercados de combustíveis, cigarros e bebidas e ouro —com o minério, o lucro foi de R$ 18,2 bilhões, ante R$ 15,2 bilhões com tráfico de drogas.

Relatório da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) deste mês mostra que o garimpo ilegal na fronteira entre Brasil e Colômbia é o principal ilícito ambiental na região e fonte de recursos para facções, que elevam indicadores de violência com disputas territoriais.

O uso de mercúrio na atividade e o fluxo de embarcações poluem rios, impactando tribos indígenas e comunidades que deles dependem para subsistência.

A grilagem de terras também preocupa, de acordo com o relatório apresentado na COP30. Grande parte delas é vendida para criação de gado, e no Brasil a abertura de pasto e plantações é o principal vetor de desmatamento, responsável pela maior parte de emissões de CO2 do país.

Ademais, garimpo, extração de madeira e pastagens impulsionam a degradação florestal, ao diminuírem a umidade da mata com áreas expostas ao vento e ao sol, facilitando incêndios.

É preciso aumentar a presença do Estado na região com ação integrada de forças das três esferas de governo e também entre países. Sem políticas efetivas de segurança pública na amazônia, medidas de proteção ambiental e contenção do aquecimento global correm risco de fracassar.

Acordo Trump-Milei cria problemas a Mercosul e EU

Por Valor Econômico

O lance de Trump coloca em xeque a união do Mercosul e desafia o acordo do bloco com a Europa

O governo Trump fez nova investida para recuperar terreno perdido pelos EUA na América Latina, ao anunciar na quinta-feira acordos comerciais com governos ideologicamente próximos, como os de Argentina, El Salvador, Guatemala e Equador. Com esses países alinhados à direita, Trump ofereceu alguma redução de tarifas nos principais produtos exportados por eles, enquanto assegurou menores barreiras tarifárias e não tarifárias para produtos e serviços americanos, em especial os digitais. O caso da Argentina traz problemas sérios para o Brasil. Sendo uma união aduaneira, a Argentina teria de obter permissão especial para oferecer o que quer que seja em relação a acesso tarifário e de mercados, ou fazer uma polêmica mudança em sua lista de exceções tarifárias. Isso é particularmente divisivo, porque o presidente Javier Milei se compromete a eliminar restrições a veículos americanos, por exemplo, enquanto tem um acordo automobilístico de décadas com o Brasil, que permitiu integração produtiva no setor entre os dois países.

Os “acordos” comerciais Trump faz estão longe de serem compromissos documentados e firmados de fato, com aprovação dos respectivos Legislativos. São promessas verbais com alguns garatujos alinhavados em comunicados com poucos detalhes e nível muito precário de informação. Sua validade é tão durável quanto os humores de Trump, como demonstra, entre outros, o episódio em que resolveu ampliar tarifas em 10% sobre o Canadá, com o qual tem um acordo de livre comércio formal, porque a província de Ontário divulgou propaganda em que o então presidente Ronald Reagan critica tarifas.

Além disso, a abertura de mercado argentino a bens americanos e alguma reciprocidade dos EUA a produtos argentinos reabrem antigas divisões no Mercosul. Carlos Menem, peronista que governou o país de 1989 a 1999, e idolatrado por Milei, pretendia acordo à parte do Mercosul com os EUA, com os quais manifestou o desejo de “relações carnais”. O Uruguai, quando governado por partidos liberais, mostrou diversas vezes a intenção de fazer acordos em separado, com a China e EUA. Foram manifestações de inconformismo com a paralisia do Mercosul, também esposadas pelo governo Bolsonaro, que acreditava que o bloco era um empecilho para o Brasil ampliar suas redes comerciais mundo afora.

A investida de Trump pode ter um poder destrutivo maior sobre o bloco. O entendimento com a Argentina envolve tarifas, propriedade industrial, trabalho e comércio digital. Milei prometeu eliminar barreiras de todo tipo à importação de veículos e carne de frango, da qual o Brasil é um dos maiores produtores mundiais, além de carne bovina e produtos agrícolas não especificados, medicamentos, produtos químicos e máquinas.

A Argentina é grande produtora mundial de soja e o Brasil, o maior de carne bovina, e ambos concorrem com os EUA no mercado mundial. Não são conhecidos os detalhes do acordo, mas tende a ser polêmico e impopular que Milei aceite estimular concorrência aberta no mercado doméstico a um dos produtos símbolos do país, a carne, enquanto põe em xeque a integração do mercado de automóveis com o Brasil, possivelmente a mais bem-sucedida realizada no Mercosul.

Há muito mais em jogo. O Mercosul poderá firmar, após mais de 20 anos de idas e voltas, um acordo comercial com a União Europeia. A Argentina foi um dos obstáculos a esse entendimento e a proteção da indústria automobilística foi um dos entraves nas longas discussões. Os presidentes peronistas, Cristina Kirchner e Alberto Fernández, eram contra a globalização e aberturas comerciais. Milei defende a liberdade de mercados, mas, ao que parece, deixando de lado tratados de décadas assinados com os países vizinhos.

Carros e produtos agrícolas têm cláusulas especiais no acordo com a União Europeia — período de 15 a 30 anos para o fim das tarifas sobre os primeiros, cotas e várias restrições de acesso mútuas nos últimos. O entendimento de Milei com Trump deixa de lado a negociação com a UE que poderá ser sacramentado até o fim do ano. As conversas com o governo americano podem ser o motivo pelo qual a Argentina tem se esquivado de participar de encontro dos chefes de Estado do Mercosul marcado pelo Brasil para o próximo mês.

Os acordos de Trump na América Latina podem ter vários objetivos. Um deles é isolar os governos de esquerda, acenando com concessões (poucas) a aliados e tratando duramente os demais. Nesse caso, as recém-iniciadas negociações com o Brasil não iriam longe. Ou, mais provável, Trump quer recuperar o terreno perdido para a China. Nesse sentido, faria concessões importantes ao Brasil, ainda que condicionais. Nesse caso, a Argentina, que tem um acordo de swap originalmente do mesmo tamanho que o concedido pelos EUA (US$ 20 bilhões), é que teria de fazer uma opção difícil.

O lance de Trump embaralha todas as cartas. Coloca em xeque a união do Mercosul, desafia o acordo do bloco com os europeus e tenta conter a crescente influência chinesa no continente. É desagregador, mas é um jogo que o presidente americano sabe fazer bem.

O êxodo indígena e quilombola

Por O Estado de S. Paulo

IBGE mostra que a maioria dos indígenas e quilombolas abandona terras demarcadas na Amazônia, o que põe em xeque a política de demarcação e escancara a falta de oportunidades nessas áreas

Publicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em Belém, durante a COP-30, a pesquisa Áreas Protegidas na Amazônia Legal: um retrato ambiental e estatístico apresentou dados demográficos do Censo de 2022 que põem em questão a finalidade da demarcação e da ocupação das terras indígenas e quilombolas para essas populações.

Enquanto os ativistas travam suas cruzadas ideológicas em defesa da ampliação da demarcação sob a justificativa da preservação cultural e ambiental, os indígenas e os quilombolas que eles dizem defender parecem estar em fuga desses territórios já consolidados, onde, em tese, poderiam viver conforme suas tradições.

Segundo o IBGE, a maioria dos indígenas (53,52%) da Amazônia Legal, região que se espalha por nove Estados do Norte, Centro-Oeste e Nordeste do Brasil, vive fora de sua terra. Já entre os quilombolas, nada menos que 81,01% optaram por sair do seu território.

Os pesquisadores do IBGE lançaram hipóteses para tentar explicar esse fenômeno. Algumas parecem óbvias, como a migração para as cidades, o isolamento dos territórios e a falta de estrutura nas áreas demarcadas. Outras, como a necessidade de demarcação de mais terras, não parecem razoáveis.

Sem dúvida, os territórios indígenas e quilombolas garantem uma gigantesca porção de floresta intocada. E isso não é pouca coisa em tempos de mudanças climáticas, haja vista que o desmatamento responde pelo maior volume de gases de efeito estufa no Brasil. Mas não parece plausível o argumento, inclusive invocado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na abertura da COP, de que “talvez ainda seja pouco” o tanto de terra demarcada.

Hoje, as terras indígenas equivalem a mais de 13% de todo o território nacional, para um contingente de 1,7 milhão de pessoas – ou 0,83% da população. Só na Amazônia Legal, 1,1 milhão dos seus aproximadamente 5 milhões de quilômetros quadrados é de terras indígenas, segundo a Fundação Nacional do Povos Indígenas (Funai).

É legítimo, por isso, questionar se de fato falta terra aos indígenas e quilombolas ou se não tem faltado, na verdade, motivação para que esses brasileiros aceitem viver nesses territórios. E, ao que tudo indica, sobram razões para que eles deixem suas terras para trás.

A taxa de analfabetismo nas áreas indígenas, por exemplo, é de 23%, ante 5,3% em todo o País, conforme o IBGE. Segundo a pesquisa, 75,19% dos habitantes dessas terras enfrentam alguma precariedade no abastecimento de água, na destinação de esgoto ou na coleta de lixo.

Como se vê, essas populações são alijadas de educação e saneamento básico, mas não só isso: a saúde é precária e a mortalidade, alta. Segundo pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) feita com base no DataSUS e divulgada no ano passado, a taxa de mortalidade materna entre as indígenas era de 115 mortes a cada 100 mil bebês nascidos vivos, bem acima da taxa brasileira, de 67 por 100 mil nascidos vivos. Já a taxa de mortalidade infantil era de 34,7 mortes a cada mil crianças de até quatro anos em 2022 (último dado disponível), segundo pesquisa do Núcleo Ciência Pela Infância (NCPI) divulgada no ano passado. Já a taxa do País era de 14,2 mortes.

Quem vive nesses territórios enfrenta privações e miséria. E, não raro, vivencia o medo causado pela escalada da violência na Amazônia. Ou pior: pode até se aliar ao crime organizado ou dele depender, por falta de alternativa. Nessas terras, os criminosos exploram a extração de madeira, o garimpo de ouro e a pesca ilegal.

Esse modelo de demarcação de terra, portanto, não parece funcionar. De nada adianta o governo petista prometer destinar mais terras para indígenas ou quilombolas, se os abandona sem qualquer assistência ou infraestrutura. Sem políticas públicas e o incentivo ao desenvolvimento econômico e social, com a exploração da terra e de suas riquezas, essa população partirá em busca de oportunidades. Para piorar, esse êxodo carrega as vulnerabilidades dessa população para os centros urbanos. Perdem todos: os indígenas, os quilombolas, as florestas e as cidades.

Força-tarefa para inglês ver

Por O Estado de S. Paulo

TCU decide fiscalizar estatais em dificuldades financeiras, mas é difícil haver uma solução definitiva com um governo que descarta a possibilidade de privatizar ou liquidar essas empresas

O Tribunal de Contas da União (TCU) anunciou a criação de uma força-tarefa para fiscalizar nove das 27 empresas estatais que estão em dificuldades financeiras. A decisão foi tomada após a publicação do Relatório de Riscos Fiscais da União, por meio do qual o Tesouro Nacional reconheceu que algumas delas podem precisar de aporte de dinheiro público para se manter.

Entre as que estão em situação de fragilidade estão os Correios; a Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional (ENBPar), responsável por Itaipu e pela Eletronuclear; a Infraero; a Casa da Moeda; e Companhias Docas na Bahia, no Ceará, no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Norte e no Pará.

A lista que, a bem da verdade, não surpreende ninguém tampouco deveria ter espantado o TCU. Em janeiro, o Banco Central divulgou que o conjunto de estatais havia registrado um déficit de R$ 8,1 bilhões em 2024, ante R$ 2,2 bilhões no ano anterior.

À época, o governo minimizou os problemas. A ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, alegou que déficit não necessariamente significava prejuízo, já que algumas empresas estavam utilizando o caixa para realizar investimentos. Bastaram alguns meses para que a situação se agravasse, com destaque para os Correios.

O prejuízo da empresa, que era de R$ 597 milhões em 2023, subiu para R$ 2,6 bilhões em 2024 e alcançou R$ 4,4 bilhões apenas no primeiro semestre deste ano, mas até então não havia despertado o interesse do TCU. Agora, os Correios buscam um empréstimo de R$ 20 bilhões junto de bancos públicos e privados para sobreviver. A operação não configura um aporte, mas só sairá se houver garantia da União – ou seja, na hipótese de um calote, quem paga é a viúva.

A ENBPar, por sua vez, foi mencionada como uma das mais expostas ao risco de aporte em razão da situação da Eletronuclear. No mês passado, a própria empresa reconheceu haver risco de colapso operacional e financeiro e disse precisar de dinheiro para arcar com os investimentos de Angra 1 e para preservar o canteiro e os equipamentos de Angra 3, cujas obras estão paralisadas há meses.

O presidente do TCU, Vital do Rêgo, disse que o escopo da fiscalização da corte de contas será ampliado e que atuará de forma preventiva. Não apenas os aspectos financeiros serão analisados, mas também as dimensões de governança, experiência operacional e qualidade da gestão, que, na avaliação dele, frequentemente estão na origem das dificuldades fiscais dessas empresas.

O ministro tem toda razão, mas parece tarde demais para prevenir qualquer coisa. Na situação em que se encontram, os Correios irão à falência sem o empréstimo, e o plano de reestruturação da empresa não parece ser suficiente para fazê-la recuperar o mercado perdido para suas concorrentes.

Quanto à Eletronuclear, o histórico de décadas de retomada e paralisação das obras de Angra 3, com custos crescentes para o consumidor, somado a uma conjuntura de excesso de energia no sistema, deveria ser mais que suficiente para recomendar prudência – e, quiçá, a desistência da obra, hipótese que o Ministério de Minas e Energia prefere não cogitar.

É a certeza de que algum socorro virá em algum momento que alimenta este círculo vicioso de má gestão e prejuízos. Algumas estatais sobreviveriam se fossem saneadas e posteriormente privatizadas, como as Companhias Docas e as empresas que atuam na área de transporte público. Outras, no entanto, deveriam simplesmente ser liquidadas e fechadas.

Não se trata de uma questão ideológica, mas econômica e até mesmo social. O País não tem dinheiro público sobrando para financiar atividades que poderiam perfeitamente ser exercidas por agentes privados, talvez de forma melhor e muito provavelmente de maneira mais barata. Mas esse é um debate completamente interditado no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Logo, é difícil imaginar o que o TCU pode propor de útil por meio dessa força-tarefa.

A necessária reforma das escolas

Por O Estado de S. Paulo

Plano de Tarcísio de dividir escolas para que tenham menos alunos e mais foco parece promissor

A rede estadual de ensino de São Paulo passará por uma reorganização com grande potencial de impacto sobre a gestão escolar e a qualidade do ensino. A proposta do governo Tarcísio de Freitas é reduzir o número de estudantes por colégios e desagregar as unidades paulistas. Com isso, cada uma das escolas oferecerá apenas uma etapa da educação básica: os anos iniciais ou os anos finais do ensino fundamental, ou somente o ensino médio.

Para isso, as chamadas unidades de grande porte serão divididas. Ou seja, aquelas com mais de 1,2 mil matriculados serão desmembradas. Hoje, cerca de 300 escolas das mais de 3 mil da rede pública paulista são consideradas grandes demais. E a ideia da Secretaria de Educação é de que em unidades menores toda a atenção dos professores, coordenadores e diretores esteja voltada a quem mais importa: o aluno.

A iniciativa parece promissora, pois o quadro de funcionários das unidades terá mais facilidade de fazer a gestão escolar, com maior dedicação ao enfrentamento dos desafios e das peculiaridades de cada fase do ensino, atendendo às necessidades dos estudantes de forma focalizada.

Não restam dúvidas de que as demandas de aprendizagem de uma criança de 6 anos de idade que está na primeira série do ensino fundamental são bem diferentes das de um pré-adolescente de 11 anos na sexta série, assim como ambos têm demandas bastante distintas das de um adolescente de 15 anos que acaba de ingressar no ensino médio.

Cada uma das escolas estaduais paulistas poderá, assim, cumprir o currículo de modo mais condizente com a fase de aprendizagem da criança ou do adolescente, com a forte expectativa de avanço nos indicadores de qualidade do ensino. Em caso de estagnação ou de retrocesso, as medidas mais adequadas poderão ser adotadas para a correção de rotas.

Não menos importante, a gestão Tarcísio de Freitas parece evitar os traumas do passado. Há dez anos, o então governador Geraldo Alckmin tentou reorganizar a rede com a proposta de fechamento de mais de 90 unidades e mudança das etapas de ensino em outras 700, mas teve de recuar após uma onda de invasões dos colégios por estudantes rebeldes.

Desta vez, os alunos não necessariamente mudarão de prédio: ou seja, um mesmo edifício poderá abrigar mais de uma escola, todas elas independentes e com equipes pedagógicas próprias, para atender a cada uma das etapas de ensino. Isso impede, por exemplo, que alunos piqueteiros ou sindicalistas oportunistas afirmem que o plano causará transtornos a todos os estudantes ou familiares por forçá-los a mudar de unidade.

A Secretaria de Educação pretende implementar o novo modelo de gestão escolar nas cem primeiras escolas já a partir de 2026. Caberá à direção de cada uma delas formalizar a decisão de aderir à reforma nessa primeira etapa ou não. Oxalá os gestores abracem essa causa, pois sobram argumentos a favor dessa reorganização.

 

 

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