O Globo
Em pouco tempo, o brasileiro acostumou-se a
votar para presidente e a acompanhá-los depois no curioso reality da pré-prisão
Até o Natal, deveremos ter dois
ex-presidentes presos. Collor, por corrupção; Bolsonaro, por tentativa de golpe
contra a democracia. Desde a redemocratização, já houve outros dois: Lula por
corrupção e Michel Temer, sob acusação de maracutaias diversas e cabeludas. A
Presidência só perde para o cargo de governador do Rio. Já passaram pela cadeia
Moreira Franco, Cabral, Pezão, Garotinho, Rosinha, Witzel, enquanto Castro dá
seus tiros para mostrar resistência.
De todos, Bolsonaro é o mais lamuriento. À beira da cela, comporta-se sem heroísmo. Seus parceiros plantam notícias da decadência de seu estado de saúde para angariar empatia. Compungido, o ex-ministro José Dirceu, uma de suas nêmesis, defende que ele cumpra a pena em prisão domiciliar. Este parece ser o tema a dominar as conversas de bar sob a atual primavera sem personalidade — onde Bolsonaro estará nos próximos anos?
Em pouco tempo, o brasileiro acostumou-se a
votar para presidente e a acompanhá-los depois no curioso reality da
pré-prisão. É uma profissão conturbada. Antes de seguir para Curitiba, Lula
discursou bastante em diferentes lugares, em tom de despedida. Logo, inventou o
road show do encarceramento. Temer foi interceptado sem esperneio durante um
telefonema, e Collor mostrou-se rapidamente adoentado — até apneia! Mestre. O
troféu de pior performance ainda está com Anthony Garotinho. O ex-governador,
num misto de pastelão e drama, jogou-se no chão aos gritos. Nota para o
desempenho: 1. A França subiu a régua do reality carcerário. O ex-presidente
Sarkozy não deu um pio antes de chegar a pé até o presídio. Francês tem classe.
Difícil um encontro entre amigos em que não
haja palpites técnicos e jurídicos sobre a próxima casa de Bolsonaro. Passamos
pela dosimetria, estamos nos embargos (de declaração e infringentes) e às
vésperas de seu degredo. Discute-se a idade do condenado, sua saúde, histórico
médico (facada, soluços, vômitos...). Tenho dúvidas sobre a sinceridade das
preocupações de seus correligionários, e até de seus filhos. A situação sugere
jogo de cena para externar empatia e ficar com seus votos, sua herança. A política
tem dessas coisas: por poder, entregam a mãe.
No clássico “Guerra e paz”, Tolstói, que foi
soldado do Exército czarista, narra a bênção em dar a vida por seu país. Há um
desejo manifesto pela morte em batalha, para engrandecer a vida. Por seu
currículo de homem público, Bolsonaro não brilharia nas páginas épicas do
escritor russo. Seu perfil biográfico encaixa-se melhor no romance “Triste fim
de Policarpo Quaresma”, de Lima Barreto, em que o personagem é acusado e preso
por traição ao presidente Floriano Peixoto. Spoiler: como ocorria naqueles
tempos, ele termina executado.
Cioso com os seus, um Bolsonaro precavido
trata de deixar a família em boa situação. Vai saber como serão os próximos
anos. Para a mulher, deseja o emprego de senadora pelo Distrito Federal. Flávio
parece encaminhado a buscar a reeleição no Rio, com a plataforma de chamar os
americanos até a costa carioca. Carluxo pode ficar com a capitania de Santa
Catarina, enquanto Jair Renan, o mais articulado de todos, continuará em
Camboriú. A incógnita financeira se dá com Eduardo, certamente impossibilitado
de concorrer a novo mandato de deputado por razões alheias à sua vontade. Como
futuro ex-parlamentar, pode reivindicar aposentadoria antecipada. Não ficará na
chuva!
No balanço familiar de resultados, Bolsonaro
demonstra ser um patriarca zeloso, valendo-se do patrimonialismo que lhe
contamina o ser. Começou no Exército, foi aposentado, tornou-se parlamentar,
depois presidente. Criou família grande, passou por vários casamentos, numa
dinâmica bancada pelo contribuinte. Preso, seja na Papuda ou em casa,
continuará sem preocupações previdenciárias. É um bom trajeto, mesmo agora
manchado pela prisão. Situação confortável se comparada com a maioria dos
brasileiros, com aposentadoria rala e incapazes de indicar sinecuras aos filhos
ou à mulher.
Há o outro lado da moeda.
Haver dois ex-presidentes presos, à primeira
vista, pode deixar o brasileiro envergonhado. É como falar do cunhado
extremista. Não deveria. Pelo contrário, mostra uma democracia com viço. Revela
um país que olha no espelho e não pisca, que deseja ser outra coisa, e não um
esbulho. Os livros de História usarão os episódios como exemplo do momento em
que o Brasil finalmente não dobrou a espinha.

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