quinta-feira, 20 de novembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Ruína do Master expõe incúria de fundos públicos

Por O Globo 

Não há justificativa para Previdência do funcionalismo investir em papéis do banco que todos sabiam definhar

É fundamental que a polícia investigue com rigor os investimentos dos fundos de Previdência de estados e municípios em títulos do Banco Master, cuja liquidação extrajudicial foi decretada nesta semana. De outubro de 2023 a dezembro de 2024, R$ 1,9 bilhão foi aplicado em papéis do Master por 18 fundos do funcionalismo público — metade disso pelo Rioprevidência, do governo do Rio de Janeiro. As dificuldades do Master eram conhecidas, e não há justificativa plausível para tais investimentos. No fim do ano passado, o Tribunal de Contas do Estado do Rio apontou irregularidades e fez um pedido para o Rioprevidência suspender novas aplicações no Master. Foi ignorado. Não há notícia de que o governador Cláudio Castro (PL-RJ) tenha se esforçado para proteger o patrimônio dos funcionários do estado.

Não é difícil mapear os fundos do funcionalismo que investiram no Master e políticos que mantinham relações com o banqueiro Daniel Vorcaro, preso pela Polícia Federal. Como revelou a colunista do GLOBO Malu Gaspar, além do Rio, também fizeram aplicações no Master fundos de Previdência do Amapá, do Amazonas e da Prefeitura de Maceió (AL) — todos sob a esfera de influência do União Brasil, cujos caciques eram próximos a Vorcaro.

Os indícios de ingerência política nesses investimentos precisam ser investigados. No total, os fundos de estados e municípios brasileiros mantêm R$ 400 bilhões sob gestão. Bancos e gestoras mal-intencionados costumam lançar mão de laços políticos e contrapartidas ilegais para atrair esse dinheiro. “Nesse setor, o criminoso fica rico. Cada um que sai incólume é estímulo para que a mesma situação se repita”, diz o economista Paulo Tafner, diretor-presidente do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS) e especialista em Previdência.

A governança na gestão dos fundos também precisa ser aperfeiçoada. Desde o final do século passado, o governo federal decidiu incentivar sistemas de capitalização nos fundos de Previdência pública, para que pudessem seguir regras semelhantes às da iniciativa privada. Mas, ao contrário dos fundos privados ou mesmo das estatais, os do funcionalismo, constituídos sob o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), não estão sujeitos à supervisão da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc). É a porta aberta para ingerência política.

A relutância histórica de governadores e prefeitos em adotar práticas de transparência só faz aumentar as suspeitas. No fim de 2024, de 2.100 fundos, perto de 1.100 não haviam cumprido as regras de transparência exigidas desde 2004 (700 com ajuda de decisões judiciais e 400 sem justificativa alguma). Foi necessária uma decisão do Supremo para a regularização crescer. Para evitar que as relações pessoais interfiram na gestão do patrimônio alheio, o Congresso também deveria proibir que governadores ou prefeitos possam indicar a maioria dos conselhos supervisores de políticas de investimento. É o mínimo de proteção que a situação exige.

A ingerência política já cavou rombos bilionários nos fundos das estatais. A derrocada do Banco Master põe agora os holofotes sobre os fundos de estados e municípios. Vale lembrar: todo ano há avaliação atuarial dos resultados e, em caso de déficit, ele é coberto pelo caixa das prefeituras e dos estados — menos dinheiro para urbanização, saneamento, educação ou segurança.

PL Antifacção representa avanço, mas Senado precisa corrigir falhas

Por O Globo

Apesar da superposição com outras leis, proposta aprovada na Câmara fortalece combate a crime organizado

Mesmo contestado pelo governo, não faltam méritos ao Projeto de Lei Antifacção — agora rebatizado Novo Marco Legal de Combate ao Crime Organizado —, aprovado pela Câmara por 370 votos a 110 na noite de terça-feira. A proposta enviada ao Congresso pelo Executivo foi bastante modificada ao longo das seis versões apresentadas pelo relator, deputado Guilherme Derrite (PP-SP), secretário de Segurança licenciado de São Paulo. O texto avança ao tornar mais rigorosa a legislação para enfrentar organizações criminosas cuja atuação escapa aos instrumentos jurídicos disponíveis. A lei precisa ser atualizada para lidar com quadrilhas armadas atuando dentro e fora do país.

São positivos vários itens aprovados: o aumento de penas para integrantes de facções (de 20 a 40 anos, ou até 66 anos para chefes de quadrilhas); o confisco de bens de criminosos a partir da fase de inquérito, sem esperar o trânsito em julgado; o banco nacional de dados sobre integrantes de facções; o monitoramento das conversas de líderes criminosos em presídios; restrições à progressão de regime penal, brecha de que se aproveitam os bandidos para voltar às ruas e reincidir. Sem falar no recuo no equívoco de equiparar facções a grupos terroristas. Nenhum desses avanços pode ser desprezado.

Outros pontos, é verdade, merecerão atenção do Senado. O governo alega que a tipificação penal adotada para as organizações criminosas se sobrepõe a leis existentes, mais brandas. Isso abre brecha para beneficiar criminosos. O financiamento da Polícia Federal (PF) é outra questão que demanda análise. O texto estabelece divisão dos bens apreendidos entre fundos estaduais e federais, mas não satisfez à demanda do governo, que queria recursos no fundo que aparelha a PF. Tudo isso deve ser discutido sem paixões.

O relator do projeto será o senador Alessandro Vieira (MDB-SE), também relator da CPI do Crime Organizado. Vieira tem mostrado independência em relação aos blocos governista e oposicionista. Espera-se que, no Senado, não se repita a exploração política que afetou o projeto na Câmara. Ele não existe para beneficiar candidaturas ou partidos, mas para dar respostas à população, hoje refém de facções sanguinárias que aterrorizam o Brasil.

Ainda que não seja o ideal, o texto aprovado supre lacunas cruciais no combate ao crime organizado. Não faria sentido prorrogar a discussão. O importante é aproveitar os consensos — e há muitos — para avançar. Os parlamentares deveriam entender a urgência. A segurança é hoje a maior preocupação dos brasileiros. Nas últimas décadas, o crime organizado cresceu, se alastrou por todas as regiões, infiltrou-se em atividades formais e impôs maior dificuldade às autoridades. O enfrentamento às facções criminosas precisa ser visto como política de Estado, sem ser contaminado por disputas políticas efêmeras. O Senado tem oportunidade de manter os avanços obtidos na Câmara e corrigir eventuais equívocos. Não se trata de agradar ao governo ou à oposição, mas ao cidadão, que não aguenta mais tanta violência.

Senado terá a missão de ajustar projeto contra facções

Por Folha de S. Paulo

Texto aprovado na Câmara é contaminado por embate político, acirrado próximo das eleições

Derrite tratou as mudanças como novo marco legal, o que implica riscos; ao menos, piores ideias à direita foram deixadas de lado

Aprovado na noite de terça-feira (18) pela Câmara dos Deputados, o projeto de lei que busca fortalecer o combate às facções do narcotráfico não escapou de ser contaminado por disputas políticas e ideológicas, ainda que as piores ideias cogitadas tenham ficado de fora.

No que diz respeito ao embate de forças, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), autor da proposta original, foi amplamente derrotado. Por 370 votos a 110, os parlamentares endossaram o texto do oposicionista Guilherme Derrite (PP), secretário licenciado da Segurança Pública da gestão paulista de Tarcísio de Freitas (Republicanos), potencial candidato ao Planalto em 2026.

O Planalto tem sua parcela de responsabilidade na confusão criada em torno do projeto —cujo envio ao Congresso Nacional foi precipitado pela operação policial contra o Comando Vermelho que deixou 121 mortos no Rio de Janeiro e, não obstante, teve o apoio da maioria do eleitorado nacional atestado em pesquisas.

Já em sua versão original, o diploma abusava de acenos ao populismo penal, com endurecimento de punições a membros de organizações criminosas violentas. São medidas que arrancam aplausos fáceis da população, mas têm pouco impacto concreto na segurança pública.

Apoiado por direita e centrão, o substitutivo de Derrite aprofundou esse equívoco, ainda que tenha sido deixado de lado o despautério de equiparar o crime organizado ao terrorismo —o que é conceitualmente errado e poderia criar embaraços internacionais para o Brasil.

Mas o secretário-deputado, provável candidato ao Senado no próximo ano, fez mais: concentrou as modificações em um novo arcabouço, batizado de Marco Legal de Enfrentamento ao Crime Organizado, em vez de atualizar as normas que tratam do tema, como fazia a proposta original. Essa inovação decidida às pressas, em meio a um vaivém de versões do texto, implica riscos.

É que, ao gerar nova legislação sem revogar as anteriores, criam-se as contradições que bons advogados sabem explorar.

O projeto irá para o Senado, que tem a oportunidade de conduzir um debate mais sereno e qualificado, eliminar os equívocos e preservar os avanços já propostos, que existem.

São relevantes as providências que buscam dar ao poder público mais condições de enfrentar o crime organizado, seja por meio de infiltração de policiais, de asfixia financeira das facções ou da colaboração de órgãos como Banco Central e Receita Federal.

Em torno desses aspectos, as divergências entre governo e oposição parecem menores, se for superada a disputa mesquinha pela paternidade da lei —o que é mais difícil, obviamente, a menos de um ano das eleições.

O maior perigo pela frente será a aprovação de um texto justiceiro mas juridicamente falho, mais voltado para a propaganda de campanha do que para um aperfeiçoamento sólido da legislação.

Custos da crise climática para a saúde

Por Folha de S. Paulo

Plano brasileiro para adaptar setor ao aquecimento global recebe apoio na COP30; financiamento é desafio

A inciativa propõe integrar vigilância sanitária e climática, treinar profissionais e implementar uma cadeia produtiva da saúde sustentável

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, entre 2030 e 2050, a crise climática causada pelo aquecimento global provocará 250 mil mortes adicionais por ano, com custos de até US$ 4 bilhões anuais aos sistemas nacionais de saúde.

Nesse sentido, é pertinente o plano global para adaptação do setor apresentado pelo Brasil na COP30, em Belém. A iniciativa inédita recebeu apoio de mais de cem países e aporte modesto de US$ 300 milhões de organizações como a Wellcome Trust.

Financiamento é seu principal obstáculo, dada a pressão exercida pelo envelhecimento populacional em orçamentos de governos de todo o mundo.

O primeiro eixo do plano é integrar vigilância sanitária e monitoramento climático. Estados e municípios precisam identificar riscos ambientais (aumento de poluição e chuvas, qualidade da água e ondas de calor) para deixar unidades de saúde de prontidão e acionar protocolos de resposta rápida, como suspender atividades ao ar livre, prática já usada em cidades europeias.

A epidemia de dengue no Brasil em 2024 —que matou 5.873 pessoas, mais do que a soma dos oito anos anteriores (4.992)— revela a importância dessa integração.

Apesar de a Organização Mundial da Saúde ter emitido dois alertas no início de 2023 projetando risco de crise sanitária por arboviroses em regiões como a América do Sul devido às mudanças climáticas e ao El Niño, o Ministério da Saúde, estados e municípios não prepararam a rede básica de atendimento, e a pasta ainda protelou a autorização para a vacina Qdenga.

O segundo eixo trata da preparação dos serviços e dos profissionais, com protocolos de atendimento, treinamento e reformulação de infraestrutura.

Já o terceiro pretende tornar a cadeia produtiva da saúde mais sustentável, com medicamentos mais estáveis às variações térmicas, redução de embalagens plásticas e uso de energia renovável em hospitais e indústrias.

Dados os orçamentos engessados no país por gastos obrigatórios, como a Previdência, que deixam pouca margem de manobra para despesas discricionárias em saúde e infraestrutura, além da alta contínua de doenças relacionadas ao envelhecimento, o plano exige gestão mais racional de recursos, com parcerias público-privadas e flexibilização na contratação de funcionários.

Mais importante: o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) precisa deixar clara a dimensão das verbas necessárias e para onde serão direcionadas. Boas intenções não resistem a planos vagos.

Uma lei capenga contra as facções

Por O Estado de S. Paulo

Aprovação do PL Antifacção não dispensa o exame crítico: há méritos no texto, mas persistem omissões e conflitos normativos que podem comprometer o combate ao crime organizado

A Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei (PL) Antifacção na noite do dia 18 passado. O placar folgado – 370 votos a favor e 110 contrários – reflete o peso que o tema da segurança pública assumiu no País. Mas a votação também expôs, mais uma vez, o vício de transformar uma questão de Estado em arena de disputas político-eleitorais. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva queixa-se de que o texto original encaminhado ao Congresso foi descaracterizado pelo relator, o deputado Guilherme Derrite (PP-SP). É verdade que, aprovado em sua sexta versão, o substitutivo de Derrite avançou por caminhos próprios e ignorou parte das sugestões do Executivo. Mas é igualmente verdadeiro que o Palácio do Planalto, na verdade, busca disputar a paternidade de uma agenda que mobiliza a sociedade brasileira, o combate ao crime organizado, com eleição de 2026 dobrando a esquina.

Apesar desse ruído, o texto aprovado, em linhas gerais, é razoável. Há acertos claros. O primeiro deles é a recusa do relator em ceder à pressão de enquadrar facções como PCC e Comando Vermelho como grupos terroristas. Essa equiparação, defendida pela bancada do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, e por governadores de oposição, como Cláudio Castro (RJ) e Ronaldo Caiado (GO), seria um erro conceitual grave e abriria espaço para eventuais intervenções estrangeiras no País. Também merece registro a preservação das prerrogativas da Polícia Federal (PF), instituição central na investigação financeira e estrutural das organizações criminosas, como de resto mostrou a Operação Carbono Oculto, que atingiu de forma inédita os tentáculos financeiros do PCC na economia formal.

Outro ponto positivo é a inclusão das milícias no escopo das organizações criminosas, sanando uma lacuna da Lei 12.850/13, a Lei das Organizações Criminosas, que dificultava o enquadramento legal desses grupos. Além disso, o projeto avança ao aumentar penas e endurecer critérios de progressão de regime para integrantes de facções, especialmente diante da nova tipificação de “domínio social estruturado”, que captura condutas típicas do poder territorial exercido por criminosos contra comunidades inteiras e servidores públicos.

Dito isso, ainda há motivos de preocupação. O mais grave é a opção de Derrite por criar um marco legal completamente novo, em vez de atualizar o arcabouço penal já existente, como propunha o governo. Essa decisão abre brechas para conflitos normativos entre o novo texto e a legislação vigente, em especial com a Lei das Organizações Criminosas. A divergência de tipificações e penas entre os dois diplomas legais certamente será explorada pelas defesas dos criminosos, com potencial para anular processos ou favorecer interpretações mais brandas de suas condutas. Em se tratando de crime organizado, insegurança jurídica não raro resvala para a impunidade.

Também é de lamentar a ausência de uma agência nacional antimáfia, nos moldes italianos, capaz de integrar forças policiais, Ministérios Públicos e órgãos de inteligência financeira. A fragmentação institucional é uma das maiores barreiras ao enfrentamento das facções: Estados não compartilham informações entre si, e, dentro deles, as Polícias Civil e Militar frequentemente trabalham como se fossem forças estanques. A agência foi sacrificada sob o altar do corporativismo.

Outra lacuna imperdoável do projeto diz respeito ao enfrentamento armado das facções. Em Estados como o Rio de Janeiro há, na prática, um conflito armado não-internacional entre facções e as forças de segurança pública. A retomada de territórios dominados pelo crime organizado exige operações complexas, que ainda carecem de marco jurídico claro.

Cabe agora ao Senado a responsabilidade de corrigir rumos e aperfeiçoar o que precisa ser aperfeiçoado. A escolha do senador Alessandro Vieira (MDB-SE) como relator é auspiciosa. Vieira combina independência política, racionalidade e experiência direta na segurança pública, atributos indispensáveis para conduzir um debate maduro sobre o projeto num ambiente já capturado pelas paixões eleitorais. O País não pode desperdiçar a oportunidade de construir um arcabouço sólido, claro e eficaz. Que o Congresso entregue à Nação a lei de que ela de fato precisa.

Os sinais de falência fiscal do País

Por O Estado de S. Paulo

Dados comprovam que o aumento de gastos que caracteriza o governo Lula está anulando, em pouco tempo, os ganhos de arrecadação federal obtidos ao longo de mais de duas décadas

O descrédito da atual política fiscal é generalizado, percepção alimentada pelo próprio governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que não perde nenhuma oportunidade de corroborar seu pouco-caso em relação ao saneamento das contas públicas. Isso fica patente a cada exceção criada para retirar despesas da base de cálculo, a cada programa que desconsidera o impacto financeiro ao longo do tempo, a cada pronunciamento oficial em defesa do aumento de gastos. Quando esses sinais são reunidos e quantificados, não deixam dúvidas de que o País caminha abertamente em direção à falência fiscal.

Em estudo recente publicado pela Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), o economista Alexandre Manoel agregou dados que, a partir de 2003, representaram ganhos de receita que farão a arrecadação federal chegar a cerca de 19% do Produto Interno Bruto (PIB) este ano. Do outro lado, medidas recentes de expansão de gastos pesaram sobremaneira na balança, com alta de 0,8 ponto porcentual no orçamento no curto período entre dezembro de 2022 e dezembro de 2024, chegando à proporção de 18,8% do PIB.

Esses números comprovam que o aumento de gastos – uma marca registrada do governo Lula, pródigo em programas de transferência de renda, distribuição de auxílios e benefícios, concessão de subsídios e crédito direcionado, além do incentivo contínuo ao consumo e ao crédito – está rapidamente anulando ganhos de arrecadação obtidos ao longo de mais de duas décadas.

O quadro descrito sobre as despesas é desalentador. “A deterioração fiscal é hoje o principal problema econômico do País, mais grave, inclusive, do que o baixo crescimento de curto prazo”, escreveu o economista, que foi pesquisador do Ipea e atuou no Ministério da Fazenda/Economia em diferentes períodos nos governos Lula (primeiro e segundo mandatos), Michel Temer e Jair Bolsonaro (de 2016 a 2020).

Alexandre Manoel mencionou sete sinais que reforçam o descontrole e contribuem para o País conviver com um dos maiores níveis de juros do mundo, com taxa básica (Selic) de 15% ao ano. São eles: 1) elevação das despesas do governo (União, Banco Central e Previdência Social); 2) falta de austeridade na concessão de subsídios; 3) piora significativa no resultado das estatais; 4) frustração da meta do arcabouço fiscal de entregar superávits orçamentários; 5) aumento da necessidade de financiamento do governo central, Estados e municípios; 6) projeções do governo e do mercado apontam tendência de alta da dívida pública; e 7) a dívida brasileira se mantém em patamar superior ao de outras economias emergentes.

Cada um desses pontos explica o processo de destruição da confiança no arcabouço, na política fiscal e no próprio futuro da economia. E mostra quão afastado da realidade está o discurso do governo – em particular do presidente Lula e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad – sobre o compromisso fiscal. Haddad, em entrevista ao Estadão, chegou a declarar que espera ver reconhecido pelo Banco Central o seu “esforço fiscal relevante”. Não é o que dizem os números.

Na questão de subvenções, por exemplo, o estudo resgata dados do Orçamento de Subsídios da União, divulgado em agosto, para mostrar que os gastos tributários federais atingiram 4,8% do PIB em 2024. Em 2003, quando ainda havia superávit nas contas públicas, o indicador girava em torno de 2%. Isso significa que hoje o governo abre mão de arrecadar quase 5% da renda nacional em benefícios e isenções. A carga tributária federal próxima de 23% do PIB deixa evidente a distorção.

O crescimento vigoroso das despesas em relação ao PIB desde 2023 talvez seja o sinal mais forte da fragilidade fiscal, porque aumenta o endividamento, dificulta a queda dos juros e desacredita a própria economia. O avanço inicial ensaiado com a instituição do arcabouço fiscal é continuamente minado tanto pela falta de reformas pelo lado das despesas – algo que, para Lula, soa como heresia – como por políticas mal formuladas. Na campanha presidencial que se aproxima, é essencial haver propostas concretas para estabilização da dívida.

A verdadeira função do FGC

Por O Estado de S. Paulo

Fundo Garantidor de Crédito não pode mais servir como prêmio à irresponsabilidade

Após a decretação da liquidação extrajudicial do Banco Master, o aplicativo do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) tornou-se o mais baixado do Brasil. Faz todo sentido. Uma base estimada em 1,6 milhão de clientes com investimentos no Master é elegível a receber aproximadamente R$ 41 bilhões do FGC, o que representa um terço do colchão de liquidez de R$ 120 bilhões do fundo.

Criado em 1995, o FGC é uma entidade privada que recebe recursos das instituições associadas para garantir a estabilidade do sistema financeiro e proteger depositantes e investidores em situações de falência, intervenção ou liquidação.

Há consenso no mercado de que a derrocada do Master não desestrutura a saúde do sistema financeiro brasileiro, o que não significa que não haverá efeitos colaterais no curto prazo, como o aumento do risco de crédito e a pressão sobre a liquidez do FGC. “Se quebrar outro banco, vai ficar difícil para o FGC honrar as garantias”, afirmou Marilia Fontes, sócia-fundadora da Nord Investimentos.

A realidade é que hoje não há motivo algum para pânico. Quem tiver ativos do Master garantidos pelo FGC (caso dos CDBs) será ressarcido de acordo com as regras vigentes, que limitam o “reembolso” a um máximo de R$ 250 mil por CPF. A solicitação deve ser feita pelo aplicativo do fundo.

Mas, para evitar as dificuldades aventadas por Marília Fontes no caso hipotético de quebra de outro banco, ganhou tração o debate sobre a atualização das regras do FGC. Em artigo ao Estadão, o ex-diretor do Banco Central Sergio Werlang e o ex-presidente do Conselho de Administração do FGC Jairo Saddi defenderam que o fundo adote mecanismos para diferenciar instituições mais ou menos arriscadas. Os autores propõem a imposição de limites ou até mesmo a suspensão de captações garantidas pelo FGC por instituições que apresentem maior risco. Já Marilia Fontes advoga que o FGC reembolse apenas o valor investido, e não a rentabilidade do ativo, o que estimularia maior responsabilidade dos investidores.

Como se sabe, qualquer investimento envolve riscos e, quanto maior a promessa de rendimento, maior a possibilidade de frustração. Ao estimular os clientes a comprarem seus CDBs, o Master usurpou o FGC, que é um instrumento de estabilização, e não um prêmio para quem investe pensando em retornos polpudos, ignorando os riscos.

O que não se pode fazer agora, diante do prejuízo que alguns investidores do Master amargarão, é buscar ressarci-los com dinheiro público. Por mais delirante que a ideia pareça, ela já foi aventada.

No ano passado, o senador Ciro Nogueira, próximo de Daniel Vorcaro, apresentou proposta que buscava elevar o limite de reembolso do FGC para R$ 1 milhão por CPF, além de mudar a natureza do fundo de privada para pública. Delirante, a proposta de estatizar o FGC foi criticada pelos próprios bancos.

Mas, como o Brasil é useiro e vezeiro em estatizar problemas privados, ninguém se surpreenderá se ideias como a do senador Ciro voltarem à mesa. Se isso acontecer, elas merecem apenas um destino: a lata do lixo.

Master usou brechas legais que precisam ser fechadas

Por Valor Econômico

Episódio mostra a vantagem de um Banco Central autônomo, que foi capaz de resistir à pressão política de lobbies do banqueiro

A liquidação do Banco Master e a prisão de seu dono, Daniel Vorcaro, e sócios mostram a vantagem de um Banco Central autônomo, que foi capaz de resistir à pressão política de lobbies do banqueiro, evidentes no caso, e também as lacunas existentes na legislação. Essas lacunas permitiram que houvesse assunção de riscos financeiros elevados com cobertura de um fundo garantidor custeado de forma equânime por instituições financeiras que atuam dentro das regras ou não — como o Banco Master.

Desde que comprou um banco em dificuldades, o Máxima, transformado em Master, em 2016, Daniel Vorcaro multiplicou por dez os ativos do banco, utilizando-se de brechas regulatórias que lhe permitiram oferecer títulos de remuneração incomum sem risco até certo limite — os R$ 250 mil por CPF assegurados pelo Fundo Garantidor de Créditos — para captar dinheiro e aplicar em ativos de alto risco, como precatórios e títulos de dívida de empresas com problemas.

A atuação das principais plataformas de investimento permitiu ao Master obter capilaridade para angariar uma montanha de recursos que, no final, foi incapaz de resgatar. A remuneração extravagante propiciou boas comissões a XP, BTG Pactual e Nubank, entre outras, que, sem infringir qualquer dispositivo legal, ofereceram os papéis de alta performance em um volume calculado em R$ 45 bilhões, 70% deles repassados pela XP.

Chama a atenção no caso do Master a rede de influência política montada para blindagem de negócios e socorro do banco. Vorcaro tinha ligações e influência no Congresso. Seus elos com o poder em Brasília foram importantes para que, já em dificuldades, Vorcaro engajasse em seu auxílio o Banco Regional de Brasília (BRB), em uma operação tão espalhafatosa e lesiva aos interesses do banco estatal que acabou de vez por atrair investigações profundas sobre seus lances de baixa transparência no mercado financeiro.

O BRB ofereceu R$ 2 bilhões por 58% das ações do Master, permitindo que Vorcaro mantivesse o controle do banco. O governador Ibaneis Rocha e o presidente da instituição, Paulo Henrique Costa, insistiram em que a compra tinha “muito pouco risco”. Não era verdade: tratava-se de resgate vantajoso para Vorcaro, em boa hora vetado pelo Banco Central. A reação política dos aliados do banco no Congresso foi explícita, com a ameaça, que não prosperou, de aprovar projeto que daria ao Legislativo o poder de afastar diretores do BC — o alvo era Renato Gomes, diretor de Organização do Sistema Financeiro, que deu parecer negativo à transação.

A ânsia de Vorcaro e do BRB em fechar negócio levou o BC a encaminhar ao Ministério Público a suspeita de compra de créditos fictícios de R$ 12,2 bilhões oferecidos pelo Master ao BRB, o que levou à prisão de Vorcaro no aeroporto de Guarulhos, já em fuga para Malta. Toda a diretoria do banco de Brasília foi afastada. A liquidação do banco fará com que o FGC, hoje com patrimônio de R$ 122 bilhões, devolva R$ 48 bilhões a 1,6 milhão de investidores prejudicados.

A estratégia de crescimento do Master tornou-se evidente há muito tempo. Autoridades reguladoras tomaram medidas paliativas, e as práticas eram do conhecimento dos grandes bancos, que contribuíam com um seguro para evitar justamente as consequências nefastas de comportamentos de alto risco como os do Master, que reprovavam.

Enquanto a Polícia Federal se encarregará dos malfeitos e o BC de recolher os detritos deixados pelo Master no mercado financeiro, a tarefa futura mais importante é fechar as brechas legais. Nem na regulação, e nem na prática das corretoras, existe algo que impeça que o caso Master se repita (coluna de Fernando Torres, Valor).

Desde o extinto Proer, do início do Plano Real, falta um regime legal de resolução dos bancos, como os especialistas apontam há bom tempo. Há um projeto a ser votado desde 2024, para o qual não houve acordo político, e que agora, com o caso Master, deve receber impulso. Ele cria dois regimes. Um, o de Estabilização (RE), visa a mitigar o risco de crise sistêmica em instituições relevantes e permite a continuidade de sua existência sem o controle dos acionistas. Outro, o Regime de Liquidação Compulsória (RLC), estabelece uma forma mais rápida de liquidação que a extrajudicial hoje existente.

Para o curto prazo, no entanto, será importante rever estrutura e propósitos do FGC. Como apontou com rigor Jefferson Alvares, procurador do BC, o nível de cobertura do FGC é muito elevado, de generosidade rara no mundo (Valor, 6-5). A cobertura é paga por bancos em proporção ao volume de depósitos cobertos, sem ajuste pelos riscos, resultando em um “subsídio cruzado em que bancos mais prudentes financiam, indiretamente, a cobertura dos mais arriscados”, aponta. O FGC passou também a fornecer assistência de liquidez, “sem limites e condições” para o emprego dos fundos, e fez papel de emprestador de última instância, típico dos BCs.

Além da apuração rigorosa dos elos políticos que beneficiaram Vorcaro, o aperfeiçoamento da legislação deveria ser prioridade do Congresso e dos órgãos reguladores. Essas podem ser as únicas consequências positivas da liquidação do Banco Master. 

Escravidão contemporânea mantém viva a luta de Zumbi

Por Correio Braziliense

A homenagem a Zumbi está contaminada pela frustração de constatarmos que, em pleno século 21, há segmentos da economia nacional desprovidos de respeito e humanidade com os que vivem em situação de penúria

Hoje, quando relembramos a coragem e a luta de Zumbi dos Palmares contra a escravidão dos negros, sequestrados pelos colonizadores em várias regiões do continente africano, a homenagem está contaminada pela frustração de constatarmos que, em pleno século 21, há segmentos da economia nacional desprovidos de respeito e humanidade com os que vivem em situação de penúria nas cidades ou no meio rural.

Desde 1995, quando teve início a fiscalização do trabalho análogo à escravidão, mais de 65 mil pessoas foram resgatadas pelas equipes de auditores-fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego. A exploração hedionda da mão de obra dos que vivem em situação de miséria decorre da perversa combinação de ganância e desumanização de seus iguais, depreciados devido à cor da pele e à manutenção dos padrões feudais. Mais de 80% dos escravos contemporâneos, resgatados pelos auditores-fiscais, são negros. 

Mais de um século depois da abolição da escravidão (135 anos), os empresários e patrões ignoram a Constituição de 1988, a legislação trabalhista e, propositalmente, os direitos humanos. Adolescentes, adultos e idosos têm sido vítimas dessa aberração no país. Na lista de atualização semestral, entre 2020 e 2025, foram resgatados 1.530 trabalhadores, a maioria deles explorados em pecuária de corte, cultivo agrícola e serviços domésticos. 

Na última atualização do cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo, em outubro deste ano, 685 empregadores foram autuados e inseridos na Lista Suja do Trabalho Escravo. O maior número de resgatados em 2024 foi em Minas Gerais, com 500 trabalhadores, seguido de São Paulo, com 46, e da Bahia, com 198. No Distrito Federal, foram libertados 29 trabalhadores em condições degradantes — 23 em uma granja e seis em depósitos de carvão.

As punições financeiras e de privação da liberdade, fixadas pelos tribunais, têm sido insuficientes para inibir essa modalidade de exploração. O Brasil foi um dos últimos países da América do Sul a romper com o trabalho escravo, em 1888, por meio da Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel, que não previu nenhuma reparação aos negros escravizados. 

Em mensagem ao Correio, o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, avalia que, a partir da última reforma trabalhista e a liberação exacerbada e generalizada da terceirização e, mais recentemente, do que se chama pejotização,  deu-se início um processo que produz a precariedade dos elos de produção. Todos dessa cadeia buscam ter lucro, o que culmina no trabalho análogo à escravidão. "Nós precisamos que a sociedade ajude, porque finalizar com isso não é só um trabalho de governo, do Ministério de Trabalho e Emprego, é de toda a população, de toda a sociedade".

Denunciar a exploração de pessoas vulneráveis é um ato de cidadania, de respeito à vida, de combate à violência e às deprimentes injustiças sociais que envergonham o país.

Senado tem a oportunidade de melhorar PL Antifacção

Por O Povo (CE)

Espera-se que a Câmara Alta corrija as imperfeições de um projeto essencial para o enfrentamento ao crime organizado e, por isso mesmo, merece ser muito bem discutido, acima de eventuais interesses político-eleitorais

A escolha de Alessandro Vieira (MDB-SE) para relatar a PEC Antifacção no Senado indica que o debate do assunto na Câmara Alta acontecerá de forma mais dialógica e profícua do que ocorreu na Câmara dos Deputados.

Diferentemente de Guilherme Derrite (PP-SP), relator do projeto na Câmara dos Deputados, Vieira é um político considerado "independente", que consegue transitar entre as diversas correntes ideológicas que convivem no Congresso Nacional. O ponto em comum entre eles é que ambos são originários das forças de segurança, Derrite é oficial da Polícia Militar e Vieira é policial civil.

Na sessão de terça-feira da Câmara dos Deputados foi aprovado um substitutivo de Derrite ao PL Antifacção, apresentado pelo Palácio do Planalto. Os governistas manifestaram contrariedade sobre vários aspectos do projeto, inclusive dizendo que podem recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) devido a trechos que, na visão deles, contrariam a Constituição. Derrite também é acusado de não ter buscado dialogar com aliados do governo, o que ele nega.

Mas o fato é que Derrite recusou um encontro com os ministros Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) e Ricardo Lewandowski (Justiça e Segurança Pública), e o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para discutir o conteúdo do projeto de lei. O deputado justificou a desistência da reunião porque teria esperado 15 dias pelo governo, sem resposta.

A indicação de Derrite como relator do projeto foi um equívoco do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). O deputado já devia ter um relatório pronto, antes mesmo de ser indicado como relator, pois apresentou sua proposta poucas horas após ser nomeado por Motta, o que causou estranheza. Depois, demonstrou incapacidade de abrir diálogo, tanto com a situação quanto com a oposição.

Ou seja, ele não conseguiu colocar em uma mesa líderes partidários para buscar um consenso em torno do assunto. Mesmo assim, o presidente Hugo Motta insistiu em pôr o tema em votação, aprovando o PL por 370 votos, com 110 votos contrários e três abstenções. Uma derrota para o governo. A matéria segue agora para o Senado.

Aprovado o PL, Hugo Motta disse que não é função da Câmara "carimbar" propostas do Executivo, mas de "debater matérias e entregar a melhor versão possível". Ele tem razão, mas foi justamente o debate que faltou.

Um assunto crucial para o país foi votado às pressas, com seis versões apresentadas pelo relator, que recuava dependendo de onde vinha a pressão, revelando a falta de diálogo quanto às proposições. Credite-se, portanto, esse "desabafo" de Motta à necessidade de afirmação de um presidente que parece ainda não ter compreendido a importância de seu cargo e as obrigações dele decorrentes.

Espera-se que o Senado corrija as imperfeições de um projeto essencial para o enfrentamento ao crime organizado e, por isso mesmo, merece ser muito bem discutido, acima de eventuais interesses político-eleitorais.

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