Ruína do Master expõe incúria de fundos públicos
Por O Globo
Não há justificativa para Previdência do funcionalismo investir em papéis do banco que todos sabiam definhar
É fundamental que a polícia investigue com rigor os investimentos dos fundos de Previdência de estados e municípios em títulos do Banco Master, cuja liquidação extrajudicial foi decretada nesta semana. De outubro de 2023 a dezembro de 2024, R$ 1,9 bilhão foi aplicado em papéis do Master por 18 fundos do funcionalismo público — metade disso pelo Rioprevidência, do governo do Rio de Janeiro. As dificuldades do Master eram conhecidas, e não há justificativa plausível para tais investimentos. No fim do ano passado, o Tribunal de Contas do Estado do Rio apontou irregularidades e fez um pedido para o Rioprevidência suspender novas aplicações no Master. Foi ignorado. Não há notícia de que o governador Cláudio Castro (PL-RJ) tenha se esforçado para proteger o patrimônio dos funcionários do estado.
Não é difícil mapear os fundos do
funcionalismo que investiram no Master e políticos que mantinham relações com o
banqueiro Daniel Vorcaro, preso pela Polícia Federal. Como revelou a colunista
do GLOBO Malu Gaspar, além do Rio, também fizeram aplicações no Master fundos
de Previdência do Amapá, do Amazonas e da Prefeitura de Maceió (AL) — todos sob
a esfera de influência do União Brasil, cujos caciques eram próximos a Vorcaro.
Os indícios de ingerência política nesses
investimentos precisam ser investigados. No total, os fundos de estados e
municípios brasileiros mantêm R$ 400 bilhões sob gestão. Bancos e gestoras
mal-intencionados costumam lançar mão de laços políticos e contrapartidas
ilegais para atrair esse dinheiro. “Nesse setor, o criminoso fica rico. Cada um
que sai incólume é estímulo para que a mesma situação se repita”, diz o
economista Paulo Tafner, diretor-presidente do Instituto Mobilidade e
Desenvolvimento Social (IMDS) e especialista em Previdência.
A governança na gestão dos fundos também
precisa ser aperfeiçoada. Desde o final do século passado, o governo federal
decidiu incentivar sistemas de capitalização nos fundos de Previdência pública,
para que pudessem seguir regras semelhantes às da iniciativa privada. Mas, ao
contrário dos fundos privados ou mesmo das estatais, os do funcionalismo,
constituídos sob o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), não estão
sujeitos à supervisão da Superintendência Nacional de Previdência Complementar
(Previc). É a porta aberta para ingerência política.
A relutância histórica de governadores e
prefeitos em adotar práticas de transparência só faz aumentar as suspeitas. No
fim de 2024, de 2.100 fundos, perto de 1.100 não haviam cumprido as regras de
transparência exigidas desde 2004 (700 com ajuda de decisões judiciais e 400
sem justificativa alguma). Foi necessária uma decisão do Supremo para a
regularização crescer. Para evitar que as relações pessoais interfiram na
gestão do patrimônio alheio, o Congresso também deveria proibir que
governadores ou prefeitos possam indicar a maioria dos conselhos supervisores
de políticas de investimento. É o mínimo de proteção que a situação exige.
A ingerência política já cavou rombos
bilionários nos fundos das estatais. A derrocada do Banco Master põe agora os
holofotes sobre os fundos de estados e municípios. Vale lembrar: todo ano há
avaliação atuarial dos resultados e, em caso de déficit, ele é coberto pelo
caixa das prefeituras e dos estados — menos dinheiro para urbanização,
saneamento, educação ou segurança.
PL Antifacção representa avanço, mas Senado
precisa corrigir falhas
Por O Globo
Apesar da superposição com outras leis,
proposta aprovada na Câmara fortalece combate a crime organizado
Mesmo contestado pelo governo, não faltam
méritos ao Projeto de Lei Antifacção — agora rebatizado Novo Marco Legal de
Combate ao Crime Organizado —, aprovado pela Câmara por 370 votos a 110 na
noite de terça-feira. A proposta enviada ao Congresso pelo Executivo foi
bastante modificada ao longo das seis versões apresentadas pelo relator,
deputado Guilherme
Derrite (PP-SP), secretário de Segurança licenciado de São Paulo. O
texto avança ao tornar mais rigorosa a legislação para enfrentar organizações
criminosas cuja atuação escapa aos instrumentos jurídicos disponíveis. A lei
precisa ser atualizada para lidar com quadrilhas armadas atuando dentro e fora
do país.
São positivos vários itens aprovados: o
aumento de penas para integrantes de facções (de 20 a 40 anos, ou até 66 anos
para chefes de quadrilhas); o confisco de bens de criminosos a partir da fase
de inquérito, sem esperar o trânsito em julgado; o banco nacional de dados
sobre integrantes de facções; o monitoramento das conversas de líderes
criminosos em presídios; restrições à progressão de regime penal, brecha de que
se aproveitam os bandidos para voltar às ruas e reincidir. Sem falar no recuo
no equívoco de equiparar facções a grupos terroristas. Nenhum desses avanços
pode ser desprezado.
Outros pontos, é verdade, merecerão atenção
do Senado. O governo alega que a tipificação penal adotada para as organizações
criminosas se sobrepõe a leis existentes, mais brandas. Isso abre brecha para
beneficiar criminosos. O financiamento da Polícia Federal (PF) é outra questão
que demanda análise. O texto estabelece divisão dos bens apreendidos entre
fundos estaduais e federais, mas não satisfez à demanda do governo, que queria
recursos no fundo que aparelha a PF. Tudo isso deve ser discutido sem paixões.
O relator do projeto será o senador
Alessandro Vieira (MDB-SE), também relator da CPI do Crime Organizado. Vieira
tem mostrado independência em relação aos blocos governista e oposicionista.
Espera-se que, no Senado, não se repita a exploração política que afetou o
projeto na Câmara. Ele não existe para beneficiar candidaturas ou partidos, mas
para dar respostas à população, hoje refém de facções sanguinárias que
aterrorizam o Brasil.
Ainda que não seja o ideal, o texto aprovado supre lacunas cruciais no combate ao crime organizado. Não faria sentido prorrogar a discussão. O importante é aproveitar os consensos — e há muitos — para avançar. Os parlamentares deveriam entender a urgência. A segurança é hoje a maior preocupação dos brasileiros. Nas últimas décadas, o crime organizado cresceu, se alastrou por todas as regiões, infiltrou-se em atividades formais e impôs maior dificuldade às autoridades. O enfrentamento às facções criminosas precisa ser visto como política de Estado, sem ser contaminado por disputas políticas efêmeras. O Senado tem oportunidade de manter os avanços obtidos na Câmara e corrigir eventuais equívocos. Não se trata de agradar ao governo ou à oposição, mas ao cidadão, que não aguenta mais tanta violência.
Senado terá a missão de ajustar projeto
contra facções
Por Folha de S. Paulo
Texto aprovado na Câmara é contaminado por
embate político, acirrado próximo das eleições
Derrite tratou as mudanças como novo marco
legal, o que implica riscos; ao menos, piores ideias à direita foram deixadas
de lado
Aprovado na
noite de terça-feira (18) pela Câmara dos
Deputados, o projeto de lei que busca fortalecer o combate às
facções do narcotráfico não escapou de ser contaminado por disputas políticas e
ideológicas, ainda que as piores ideias cogitadas tenham ficado de fora.
No que diz respeito ao embate de forças, o
governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT),
autor da proposta original, foi amplamente derrotado. Por 370 votos a 110, os
parlamentares endossaram o texto do oposicionista Guilherme
Derrite (PP), secretário licenciado da Segurança Pública da
gestão paulista de Tarcísio de
Freitas (Republicanos),
potencial candidato ao Planalto em 2026.
O Planalto tem sua parcela de
responsabilidade na confusão criada em torno do projeto —cujo envio ao Congresso
Nacional foi precipitado pela operação policial contra o Comando
Vermelho que deixou 121 mortos no Rio de
Janeiro e, não obstante, teve o apoio da maioria do eleitorado
nacional atestado em pesquisas.
Já em sua versão original, o diploma abusava
de acenos ao populismo penal, com endurecimento de punições a membros de
organizações criminosas violentas. São medidas que arrancam aplausos fáceis da
população, mas têm pouco impacto concreto na segurança pública.
Apoiado por direita e centrão, o substitutivo
de Derrite aprofundou esse equívoco, ainda que tenha sido deixado de lado o
despautério de equiparar o crime organizado ao terrorismo —o que é
conceitualmente errado e poderia criar embaraços internacionais
para o Brasil.
Mas o secretário-deputado, provável candidato
ao Senado no
próximo ano, fez mais: concentrou as modificações em um novo arcabouço,
batizado de Marco Legal de Enfrentamento ao Crime Organizado, em vez de
atualizar as normas que tratam do tema, como fazia a proposta original. Essa
inovação decidida às pressas, em meio a um vaivém de versões do texto, implica
riscos.
É que, ao gerar nova legislação sem revogar
as anteriores, criam-se as contradições que bons advogados sabem explorar.
O projeto irá para o Senado, que tem a
oportunidade de conduzir um debate mais sereno e qualificado, eliminar os
equívocos e preservar os
avanços já propostos, que existem.
São relevantes as providências que buscam dar
ao poder público mais condições de enfrentar o crime organizado, seja por meio
de infiltração de policiais, de asfixia financeira das facções ou da
colaboração de órgãos como Banco Central e Receita
Federal.
Em torno desses aspectos, as divergências
entre governo e oposição parecem menores, se for superada a disputa mesquinha
pela paternidade da lei —o que é mais difícil, obviamente, a menos de um ano
das eleições.
O maior perigo pela frente será a aprovação
de um texto justiceiro mas juridicamente falho, mais voltado para a propaganda
de campanha do que para um aperfeiçoamento sólido da legislação.
Custos da crise climática para a saúde
Por Folha de S. Paulo
Plano brasileiro para adaptar setor ao
aquecimento global recebe apoio na COP30; financiamento é desafio
A inciativa propõe integrar vigilância
sanitária e climática, treinar profissionais e implementar uma cadeia produtiva
da saúde sustentável
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima
que, entre 2030 e 2050, a crise climática causada pelo aquecimento global
provocará 250 mil mortes adicionais por ano, com custos de até US$ 4 bilhões
anuais aos sistemas nacionais de saúde.
Nesse sentido, é pertinente o plano global
para adaptação do setor apresentado pelo Brasil na COP30,
em Belém.
A iniciativa inédita recebeu
apoio de mais de cem países e aporte modesto de US$ 300 milhões
de organizações como a Wellcome Trust.
Financiamento é seu principal obstáculo, dada
a pressão exercida pelo envelhecimento populacional em orçamentos de governos
de todo o mundo.
O primeiro eixo do plano é integrar
vigilância sanitária e monitoramento climático. Estados e municípios precisam
identificar riscos ambientais (aumento de poluição e chuvas, qualidade da água
e ondas de calor) para deixar unidades de saúde de prontidão e acionar
protocolos de resposta rápida, como suspender atividades ao ar livre, prática
já usada em cidades europeias.
A epidemia de dengue no
Brasil em 2024 —que matou 5.873 pessoas, mais do que a soma dos oito anos
anteriores (4.992)— revela a importância dessa integração.
Apesar de a Organização Mundial da Saúde ter
emitido dois alertas no início de 2023 projetando risco de crise sanitária por
arboviroses em regiões como a América do Sul devido às mudanças climáticas e ao
El Niño, o Ministério da Saúde, estados e municípios não prepararam a rede
básica de atendimento, e a pasta ainda
protelou a autorização para a vacina Qdenga.
O segundo eixo trata da preparação dos
serviços e dos profissionais, com protocolos de atendimento, treinamento e
reformulação de infraestrutura.
Já o terceiro pretende tornar a cadeia
produtiva da saúde mais sustentável, com medicamentos mais estáveis às
variações térmicas, redução de embalagens plásticas e uso de energia renovável
em hospitais e indústrias.
Dados os orçamentos engessados no país por
gastos obrigatórios, como a Previdência, que deixam pouca margem de manobra
para despesas discricionárias em saúde e infraestrutura, além da alta contínua
de doenças relacionadas ao envelhecimento, o plano exige gestão mais racional
de recursos, com parcerias público-privadas e flexibilização na contratação de
funcionários.
Mais importante: o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) precisa deixar clara a dimensão das verbas necessárias e para onde serão direcionadas. Boas intenções não resistem a planos vagos.
Uma lei capenga contra as facções
Por O Estado de S. Paulo
Aprovação do PL Antifacção não dispensa o
exame crítico: há méritos no texto, mas persistem omissões e conflitos
normativos que podem comprometer o combate ao crime organizado
A Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de
Lei (PL) Antifacção na noite do dia 18 passado. O placar folgado – 370 votos a
favor e 110 contrários – reflete o peso que o tema da segurança pública assumiu
no País. Mas a votação também expôs, mais uma vez, o vício de transformar uma
questão de Estado em arena de disputas político-eleitorais. O governo do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva queixa-se de que o texto original
encaminhado ao Congresso foi descaracterizado pelo relator, o deputado
Guilherme Derrite (PP-SP). É verdade que, aprovado em sua sexta versão, o
substitutivo de Derrite avançou por caminhos próprios e ignorou parte das
sugestões do Executivo. Mas é igualmente verdadeiro que o Palácio do Planalto,
na verdade, busca disputar a paternidade de uma agenda que mobiliza a sociedade
brasileira, o combate ao crime organizado, com eleição de 2026 dobrando a
esquina.
Apesar desse ruído, o texto aprovado, em
linhas gerais, é razoável. Há acertos claros. O primeiro deles é a recusa do
relator em ceder à pressão de enquadrar facções como PCC e Comando Vermelho
como grupos terroristas. Essa equiparação, defendida pela bancada do PL,
partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, e por governadores de oposição, como
Cláudio Castro (RJ) e Ronaldo Caiado (GO), seria um erro conceitual grave e
abriria espaço para eventuais intervenções estrangeiras no País. Também merece
registro a preservação das prerrogativas da Polícia Federal (PF), instituição
central na investigação financeira e estrutural das organizações criminosas,
como de resto mostrou a Operação Carbono Oculto, que atingiu de forma inédita
os tentáculos financeiros do PCC na economia formal.
Outro ponto positivo é a inclusão das
milícias no escopo das organizações criminosas, sanando uma lacuna da Lei
12.850/13, a Lei das Organizações Criminosas, que dificultava o enquadramento
legal desses grupos. Além disso, o projeto avança ao aumentar penas e endurecer
critérios de progressão de regime para integrantes de facções, especialmente
diante da nova tipificação de “domínio social estruturado”, que captura
condutas típicas do poder territorial exercido por criminosos contra
comunidades inteiras e servidores públicos.
Dito isso, ainda há motivos de preocupação. O
mais grave é a opção de Derrite por criar um marco legal completamente novo, em
vez de atualizar o arcabouço penal já existente, como propunha o governo. Essa
decisão abre brechas para conflitos normativos entre o novo texto e a
legislação vigente, em especial com a Lei das Organizações Criminosas. A divergência
de tipificações e penas entre os dois diplomas legais certamente será explorada
pelas defesas dos criminosos, com potencial para anular processos ou favorecer
interpretações mais brandas de suas condutas. Em se tratando de crime
organizado, insegurança jurídica não raro resvala para a impunidade.
Também é de lamentar a ausência de uma
agência nacional antimáfia, nos moldes italianos, capaz de integrar forças
policiais, Ministérios Públicos e órgãos de inteligência financeira. A
fragmentação institucional é uma das maiores barreiras ao enfrentamento das
facções: Estados não compartilham informações entre si, e, dentro deles, as
Polícias Civil e Militar frequentemente trabalham como se fossem forças
estanques. A agência foi sacrificada sob o altar do corporativismo.
Outra lacuna imperdoável do projeto diz
respeito ao enfrentamento armado das facções. Em Estados como o Rio de Janeiro
há, na prática, um conflito armado não-internacional entre facções e as forças
de segurança pública. A retomada de territórios dominados pelo crime organizado
exige operações complexas, que ainda carecem de marco jurídico claro.
Cabe agora ao Senado a responsabilidade de
corrigir rumos e aperfeiçoar o que precisa ser aperfeiçoado. A escolha do
senador Alessandro Vieira (MDB-SE) como relator é auspiciosa. Vieira combina
independência política, racionalidade e experiência direta na segurança
pública, atributos indispensáveis para conduzir um debate maduro sobre o
projeto num ambiente já capturado pelas paixões eleitorais. O País não pode
desperdiçar a oportunidade de construir um arcabouço sólido, claro e eficaz.
Que o Congresso entregue à Nação a lei de que ela de fato precisa.
Os sinais de falência fiscal do País
Por O Estado de S. Paulo
Dados comprovam que o aumento de gastos que
caracteriza o governo Lula está anulando, em pouco tempo, os ganhos de
arrecadação federal obtidos ao longo de mais de duas décadas
O descrédito da atual política fiscal é
generalizado, percepção alimentada pelo próprio governo de Luiz Inácio Lula da
Silva, que não perde nenhuma oportunidade de corroborar seu pouco-caso em
relação ao saneamento das contas públicas. Isso fica patente a cada exceção
criada para retirar despesas da base de cálculo, a cada programa que
desconsidera o impacto financeiro ao longo do tempo, a cada pronunciamento
oficial em defesa do aumento de gastos. Quando esses sinais são reunidos e
quantificados, não deixam dúvidas de que o País caminha abertamente em direção
à falência fiscal.
Em estudo recente publicado pela Fundação
Getulio Vargas (Ibre/FGV), o economista Alexandre Manoel agregou dados que, a
partir de 2003, representaram ganhos de receita que farão a arrecadação federal
chegar a cerca de 19% do Produto Interno Bruto (PIB) este ano. Do outro lado,
medidas recentes de expansão de gastos pesaram sobremaneira na balança, com
alta de 0,8 ponto porcentual no orçamento no curto período entre dezembro de
2022 e dezembro de 2024, chegando à proporção de 18,8% do PIB.
Esses números comprovam que o aumento de
gastos – uma marca registrada do governo Lula, pródigo em programas de
transferência de renda, distribuição de auxílios e benefícios, concessão de
subsídios e crédito direcionado, além do incentivo contínuo ao consumo e ao
crédito – está rapidamente anulando ganhos de arrecadação obtidos ao longo de
mais de duas décadas.
O quadro descrito sobre as despesas é
desalentador. “A deterioração fiscal é hoje o principal problema econômico do
País, mais grave, inclusive, do que o baixo crescimento de curto prazo”,
escreveu o economista, que foi pesquisador do Ipea e atuou no Ministério da
Fazenda/Economia em diferentes períodos nos governos Lula (primeiro e segundo
mandatos), Michel Temer e Jair Bolsonaro (de 2016 a 2020).
Alexandre Manoel mencionou sete sinais que
reforçam o descontrole e contribuem para o País conviver com um dos maiores
níveis de juros do mundo, com taxa básica (Selic) de 15% ao ano. São eles: 1)
elevação das despesas do governo (União, Banco Central e Previdência Social);
2) falta de austeridade na concessão de subsídios; 3) piora significativa no
resultado das estatais; 4) frustração da meta do arcabouço fiscal de entregar
superávits orçamentários; 5) aumento da necessidade de financiamento do governo
central, Estados e municípios; 6) projeções do governo e do mercado apontam
tendência de alta da dívida pública; e 7) a dívida brasileira se mantém em
patamar superior ao de outras economias emergentes.
Cada um desses pontos explica o processo de
destruição da confiança no arcabouço, na política fiscal e no próprio futuro da
economia. E mostra quão afastado da realidade está o discurso do governo – em
particular do presidente Lula e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad – sobre
o compromisso fiscal. Haddad, em entrevista ao Estadão, chegou a declarar que
espera ver reconhecido pelo Banco Central o seu “esforço fiscal relevante”. Não
é o que dizem os números.
Na questão de subvenções, por exemplo, o
estudo resgata dados do Orçamento de Subsídios da União, divulgado em agosto,
para mostrar que os gastos tributários federais atingiram 4,8% do PIB em 2024.
Em 2003, quando ainda havia superávit nas contas públicas, o indicador girava
em torno de 2%. Isso significa que hoje o governo abre mão de arrecadar quase
5% da renda nacional em benefícios e isenções. A carga tributária federal
próxima de 23% do PIB deixa evidente a distorção.
O crescimento vigoroso das despesas em
relação ao PIB desde 2023 talvez seja o sinal mais forte da fragilidade fiscal,
porque aumenta o endividamento, dificulta a queda dos juros e desacredita a
própria economia. O avanço inicial ensaiado com a instituição do arcabouço
fiscal é continuamente minado tanto pela falta de reformas pelo lado das
despesas – algo que, para Lula, soa como heresia – como por políticas mal
formuladas. Na campanha presidencial que se aproxima, é essencial haver
propostas concretas para estabilização da dívida.
A verdadeira função do FGC
Por O Estado de S. Paulo
Fundo Garantidor de Crédito não pode mais
servir como prêmio à irresponsabilidade
Após a decretação da liquidação extrajudicial
do Banco Master, o aplicativo do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) tornou-se o
mais baixado do Brasil. Faz todo sentido. Uma base estimada em 1,6 milhão de
clientes com investimentos no Master é elegível a receber aproximadamente R$ 41
bilhões do FGC, o que representa um terço do colchão de liquidez de R$ 120
bilhões do fundo.
Criado em 1995, o FGC é uma entidade privada
que recebe recursos das instituições associadas para garantir a estabilidade do
sistema financeiro e proteger depositantes e investidores em situações de
falência, intervenção ou liquidação.
Há consenso no mercado de que a derrocada do
Master não desestrutura a saúde do sistema financeiro brasileiro, o que não
significa que não haverá efeitos colaterais no curto prazo, como o aumento do
risco de crédito e a pressão sobre a liquidez do FGC. “Se quebrar outro banco,
vai ficar difícil para o FGC honrar as garantias”, afirmou Marilia Fontes,
sócia-fundadora da Nord Investimentos.
A realidade é que hoje não há motivo algum
para pânico. Quem tiver ativos do Master garantidos pelo FGC (caso dos CDBs)
será ressarcido de acordo com as regras vigentes, que limitam o “reembolso” a
um máximo de R$ 250 mil por CPF. A solicitação deve ser feita pelo aplicativo
do fundo.
Mas, para evitar as dificuldades aventadas
por Marília Fontes no caso hipotético de quebra de outro banco, ganhou tração o
debate sobre a atualização das regras do FGC. Em artigo ao Estadão, o ex-diretor do Banco
Central Sergio Werlang e o ex-presidente do Conselho de Administração do FGC
Jairo Saddi defenderam que o fundo adote mecanismos para diferenciar
instituições mais ou menos arriscadas. Os autores propõem a imposição de
limites ou até mesmo a suspensão de captações garantidas pelo FGC por
instituições que apresentem maior risco. Já Marilia Fontes advoga que o FGC
reembolse apenas o valor investido, e não a rentabilidade do ativo, o que
estimularia maior responsabilidade dos investidores.
Como se sabe, qualquer investimento envolve
riscos e, quanto maior a promessa de rendimento, maior a possibilidade de
frustração. Ao estimular os clientes a comprarem seus CDBs, o Master usurpou o
FGC, que é um instrumento de estabilização, e não um prêmio para quem investe
pensando em retornos polpudos, ignorando os riscos.
O que não se pode fazer agora, diante do
prejuízo que alguns investidores do Master amargarão, é buscar ressarci-los com
dinheiro público. Por mais delirante que a ideia pareça, ela já foi aventada.
No ano passado, o senador Ciro Nogueira,
próximo de Daniel Vorcaro, apresentou proposta que buscava elevar o limite de
reembolso do FGC para R$ 1 milhão por CPF, além de mudar a natureza do fundo de
privada para pública. Delirante, a proposta de estatizar o FGC foi criticada
pelos próprios bancos.
Mas, como o Brasil é useiro e vezeiro em estatizar problemas privados, ninguém se surpreenderá se ideias como a do senador Ciro voltarem à mesa. Se isso acontecer, elas merecem apenas um destino: a lata do lixo.
Master usou brechas legais que precisam ser
fechadas
Por Valor Econômico
Episódio mostra a vantagem de um Banco
Central autônomo, que foi capaz de resistir à pressão política de lobbies do
banqueiro
A liquidação do Banco Master e a prisão de
seu dono, Daniel Vorcaro, e sócios mostram a vantagem de um Banco Central
autônomo, que foi capaz de resistir à pressão política de lobbies do banqueiro,
evidentes no caso, e também as lacunas existentes na legislação. Essas lacunas
permitiram que houvesse assunção de riscos financeiros elevados com cobertura
de um fundo garantidor custeado de forma equânime por instituições financeiras
que atuam dentro das regras ou não — como o Banco Master.
Desde que comprou um banco em dificuldades, o
Máxima, transformado em Master, em 2016, Daniel Vorcaro multiplicou por dez os
ativos do banco, utilizando-se de brechas regulatórias que lhe permitiram
oferecer títulos de remuneração incomum sem risco até certo limite — os R$ 250
mil por CPF assegurados pelo Fundo Garantidor de Créditos — para captar
dinheiro e aplicar em ativos de alto risco, como precatórios e títulos de
dívida de empresas com problemas.
A atuação das principais plataformas de
investimento permitiu ao Master obter capilaridade para angariar uma montanha
de recursos que, no final, foi incapaz de resgatar. A remuneração extravagante
propiciou boas comissões a XP, BTG Pactual e Nubank, entre outras, que, sem
infringir qualquer dispositivo legal, ofereceram os papéis de alta performance
em um volume calculado em R$ 45 bilhões, 70% deles repassados pela XP.
Chama a atenção no caso do Master a rede de
influência política montada para blindagem de negócios e socorro do banco.
Vorcaro tinha ligações e influência no Congresso. Seus elos com o poder em
Brasília foram importantes para que, já em dificuldades, Vorcaro engajasse em
seu auxílio o Banco Regional de Brasília (BRB), em uma operação tão espalhafatosa
e lesiva aos interesses do banco estatal que acabou de vez por atrair
investigações profundas sobre seus lances de baixa transparência no mercado
financeiro.
O BRB ofereceu R$ 2 bilhões por 58% das ações
do Master, permitindo que Vorcaro mantivesse o controle do banco. O governador
Ibaneis Rocha e o presidente da instituição, Paulo Henrique Costa, insistiram
em que a compra tinha “muito pouco risco”. Não era verdade: tratava-se de
resgate vantajoso para Vorcaro, em boa hora vetado pelo Banco Central. A reação
política dos aliados do banco no Congresso foi explícita, com a ameaça, que não
prosperou, de aprovar projeto que daria ao Legislativo o poder de afastar
diretores do BC — o alvo era Renato Gomes, diretor de Organização do Sistema
Financeiro, que deu parecer negativo à transação.
A ânsia de Vorcaro e do BRB em fechar negócio levou o BC a encaminhar ao Ministério Público a suspeita de compra de créditos fictícios de R$ 12,2 bilhões oferecidos pelo Master ao BRB, o que levou à prisão de Vorcaro no aeroporto de Guarulhos, já em fuga para Malta. Toda a diretoria do banco de Brasília foi afastada. A liquidação do banco fará com que o FGC, hoje com patrimônio de R$ 122 bilhões, devolva R$ 48 bilhões a 1,6 milhão de investidores prejudicados.
A estratégia de crescimento do Master
tornou-se evidente há muito tempo. Autoridades reguladoras tomaram medidas
paliativas, e as práticas eram do conhecimento dos grandes bancos, que
contribuíam com um seguro para evitar justamente as consequências nefastas de
comportamentos de alto risco como os do Master, que reprovavam.
Enquanto a Polícia Federal se encarregará dos
malfeitos e o BC de recolher os detritos deixados pelo Master no mercado
financeiro, a tarefa futura mais importante é fechar as brechas legais. Nem na
regulação, e nem na prática das corretoras, existe algo que impeça que o caso
Master se repita (coluna de Fernando Torres, Valor).
Desde o extinto Proer, do início do Plano
Real, falta um regime legal de resolução dos bancos, como os especialistas
apontam há bom tempo. Há um projeto a ser votado desde 2024, para o qual não
houve acordo político, e que agora, com o caso Master, deve receber impulso.
Ele cria dois regimes. Um, o de Estabilização (RE), visa a mitigar o risco de
crise sistêmica em instituições relevantes e permite a continuidade de sua
existência sem o controle dos acionistas. Outro, o Regime de Liquidação
Compulsória (RLC), estabelece uma forma mais rápida de liquidação que a
extrajudicial hoje existente.
Para o curto prazo, no entanto, será importante
rever estrutura e propósitos do FGC. Como apontou com rigor Jefferson Alvares,
procurador do BC, o nível de cobertura do FGC é muito elevado, de generosidade
rara no mundo (Valor, 6-5). A cobertura é paga por bancos em proporção ao
volume de depósitos cobertos, sem ajuste pelos riscos, resultando em um
“subsídio cruzado em que bancos mais prudentes financiam, indiretamente, a
cobertura dos mais arriscados”, aponta. O FGC passou também a fornecer
assistência de liquidez, “sem limites e condições” para o emprego dos fundos, e
fez papel de emprestador de última instância, típico dos BCs.
Além da apuração rigorosa dos elos políticos que beneficiaram Vorcaro, o aperfeiçoamento da legislação deveria ser prioridade do Congresso e dos órgãos reguladores. Essas podem ser as únicas consequências positivas da liquidação do Banco Master.
Escravidão contemporânea mantém viva a luta
de Zumbi
Por Correio Braziliense
A homenagem a Zumbi está contaminada pela
frustração de constatarmos que, em pleno século 21, há segmentos da economia
nacional desprovidos de respeito e humanidade com os que vivem em situação de
penúria
Hoje, quando relembramos a coragem e a luta
de Zumbi dos Palmares contra a escravidão dos negros, sequestrados pelos
colonizadores em várias regiões do continente africano, a homenagem está
contaminada pela frustração de constatarmos que, em pleno século 21, há
segmentos da economia nacional desprovidos de respeito e humanidade com os que
vivem em situação de penúria nas cidades ou no meio rural.
Desde 1995, quando teve início a fiscalização
do trabalho análogo à escravidão, mais de 65 mil pessoas foram resgatadas pelas
equipes de auditores-fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego. A exploração
hedionda da mão de obra dos que vivem em situação de miséria decorre da
perversa combinação de ganância e desumanização de seus iguais, depreciados
devido à cor da pele e à manutenção dos padrões feudais. Mais de 80% dos
escravos contemporâneos, resgatados pelos auditores-fiscais, são negros.
Mais de um século depois da abolição da
escravidão (135 anos), os empresários e patrões ignoram a Constituição de 1988,
a legislação trabalhista e, propositalmente, os direitos humanos. Adolescentes,
adultos e idosos têm sido vítimas dessa aberração no país. Na lista de
atualização semestral, entre 2020 e 2025, foram resgatados 1.530 trabalhadores,
a maioria deles explorados em pecuária de corte, cultivo agrícola e serviços
domésticos.
Na última atualização do cadastro de
empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo,
em outubro deste ano, 685 empregadores foram autuados e inseridos na Lista Suja
do Trabalho Escravo. O maior número de resgatados em 2024 foi em Minas Gerais,
com 500 trabalhadores, seguido de São Paulo, com 46, e da Bahia, com 198. No
Distrito Federal, foram libertados 29 trabalhadores em condições degradantes —
23 em uma granja e seis em depósitos de carvão.
As punições financeiras e de privação da
liberdade, fixadas pelos tribunais, têm sido insuficientes para inibir essa
modalidade de exploração. O Brasil foi um dos últimos países da América do Sul
a romper com o trabalho escravo, em 1888, por meio da Lei Áurea, assinada pela
princesa Isabel, que não previu nenhuma reparação aos negros
escravizados.
Em mensagem ao Correio, o ministro do
Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, avalia que, a partir da última reforma
trabalhista e a liberação exacerbada e generalizada da terceirização e, mais
recentemente, do que se chama pejotização, deu-se início um processo que
produz a precariedade dos elos de produção. Todos dessa cadeia buscam ter
lucro, o que culmina no trabalho análogo à escravidão. "Nós precisamos que
a sociedade ajude, porque finalizar com isso não é só um trabalho de governo,
do Ministério de Trabalho e Emprego, é de toda a população, de toda a
sociedade".
Denunciar a exploração de pessoas vulneráveis é um ato de cidadania, de respeito à vida, de combate à violência e às deprimentes injustiças sociais que envergonham o país.
Senado tem a oportunidade de melhorar PL
Antifacção
Por O Povo (CE)
Espera-se que a Câmara Alta corrija as
imperfeições de um projeto essencial para o enfrentamento ao crime organizado
e, por isso mesmo, merece ser muito bem discutido, acima de eventuais
interesses político-eleitorais
A escolha de Alessandro Vieira (MDB-SE) para
relatar a PEC Antifacção no Senado indica que o debate do assunto na
Câmara Alta acontecerá de forma mais dialógica e profícua do que ocorreu na
Câmara dos Deputados.
Diferentemente de Guilherme Derrite (PP-SP),
relator do projeto na Câmara dos Deputados, Vieira é um político considerado
"independente", que consegue transitar entre as diversas correntes
ideológicas que convivem no Congresso Nacional. O ponto em comum entre eles é
que ambos são originários das forças de segurança, Derrite é oficial da Polícia
Militar e Vieira é policial civil.
Na sessão de terça-feira da Câmara dos
Deputados foi aprovado um substitutivo de Derrite ao PL Antifacção, apresentado
pelo Palácio do Planalto. Os governistas manifestaram contrariedade sobre
vários aspectos do projeto, inclusive dizendo que podem recorrer ao Supremo
Tribunal Federal (STF) devido a trechos que, na visão deles, contrariam a
Constituição. Derrite também é acusado de não ter buscado dialogar com aliados
do governo, o que ele nega.
Mas o fato é que Derrite recusou um encontro
com os ministros Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) e Ricardo
Lewandowski (Justiça e Segurança Pública), e o presidente da Câmara, Hugo Motta
(Republicanos-PB), para discutir o conteúdo do projeto de lei. O deputado
justificou a desistência da reunião porque teria esperado 15 dias pelo
governo, sem resposta.
A indicação de Derrite como relator do
projeto foi um equívoco do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).
O deputado já devia ter um relatório pronto, antes mesmo de ser indicado como
relator, pois apresentou sua proposta poucas horas após ser nomeado por Motta,
o que causou estranheza. Depois, demonstrou incapacidade de abrir diálogo,
tanto com a situação quanto com a oposição.
Ou seja, ele não conseguiu colocar em uma
mesa líderes partidários para buscar um consenso em torno do assunto.
Mesmo assim, o presidente Hugo Motta insistiu em pôr o tema em votação,
aprovando o PL por 370 votos, com 110 votos contrários e três abstenções. Uma
derrota para o governo. A matéria segue agora para o Senado.
Aprovado o PL, Hugo Motta disse que não é
função da Câmara "carimbar" propostas do Executivo, mas de
"debater matérias e entregar a melhor versão possível". Ele tem
razão, mas foi justamente o debate que faltou.
Um assunto crucial para o país foi votado às
pressas, com seis versões apresentadas pelo relator, que recuava dependendo de
onde vinha a pressão, revelando a falta de diálogo quanto às
proposições. Credite-se, portanto, esse "desabafo" de Motta à
necessidade de afirmação de um presidente que parece ainda não ter compreendido
a importância de seu cargo e as obrigações dele decorrentes.
Espera-se que o Senado corrija as imperfeições de um projeto essencial para o enfrentamento ao crime organizado e, por isso mesmo, merece ser muito bem discutido, acima de eventuais interesses político-eleitorais.

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