sexta-feira, 21 de novembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Por que estados e municípios aplicaram no Master?

Por Folha de S. Paulo

Entidades previdenciárias fizeram aportes vultosos no banco agora quebrado, o que exige investigação

Cumpre também esclarecer os motivos para a falha dos órgãos reguladores, sobretudo o BC, em identificar e prevenir o problema

Com decretação da liquidação extrajudicial do Banco Master pelo Banco Central, o país começa a conhecer em detalhes os caminhos e participantes que levaram ao descalabro financeiro que agora penaliza poupadores e pensionistas.

Os primeiros valores divulgados já são alarmantes: cerca de R$ 41 bilhões a serem cobertos pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC) para um total de 1,6 milhão de investidores até o limite individual de R$ 250 mil.

Há muito mais a saber na investigação de fraude estimada em R$ 12 bilhões, envolvendo carteiras de crédito consignado falsificadas, criadas por meio de associações fantasmas. Será preciso mapear os canais de influência que permitiram ao banco, como se suspeita, inflar ativos.

Descortina-se agora outra frente: os regimes próprios de Previdência Social de servidores de estados e municípios direcionaram R$ 1,87 bilhão para aplicações oferecidas pelo Master, sobretudo letras financeiras —sem a cobertura do FGC. Esses títulos agora estão sujeitos a perdas integrais ou parciais, dependendo do que sobrar da massa falida.

Entidades como Rioprevidência, do estado do Rio de Janeiro, com R$ 970 milhões investidos, Amaprev (AP), com R$ 400 milhões, e de municípios como Itaguaí (RJ), São Roque (SP) e Cajamar (SP) concentraram proporções elevadas de seus patrimônios —em alguns casos até perto de 20%— em um único emissor de risco evidente.

Os recursos, destinados a pagar aposentadorias futuras, contavam com rendimentos projetados para daqui a décadas; agora, o desequilíbrio atuarial poderá forçar contribuições extras de pensionistas e de governos estaduais e municipais já endividados.

Trata-se da repetição de um mal que assola o sistema previdenciário público brasileiro: fundos estatais prejudicados por investimentos temerários.

As entidades defendem-se com o formalismo da legislação em vigor, que permite até 20% de aportes em títulos de bancos autorizados pelo BC. Entretanto o espírito da norma —prudência, diversificação e priorização de instituições de primeira linha —foi flagrantemente desrespeitado.

O Master, longe de ser um banco sólido, pagava até 140% do CDI para captar depósitos, sinal clássico de ânsia por liquidez. Concentrar recursos previdenciárias em um banco médio, atolado em operações duvidosas, passa longe de mera falha técnica.

Está claro que há muito o que modernizar na regulação dos regimes previdenciários regionais, sobretudo na governança e transparência das decisões de investimento. Também é preciso impedir indicações políticas para diretorias e conselhos, que criam terreno fértil para conflitos de interesse e desvios de recursos.

Cumpre, por fim, esclarecer os motivos para a falha dos órgãos reguladores, sobretudo o Banco Central, em identificar e prevenir o problema mesmo diante dos montantes que se acumulavam.

Cracolândia demanda prudência, não imediatismo

Por Folha de S. Paulo

Criticado pelo vice-prefeito, Tarcísio celebra fim da aglomeração de usuários de drogas no centro de SP

Ações simplistas podem render dividendos eleitorais, mas estão longe de resolver um problema que exige resposta multidisciplinar

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), não teve dúvidas. No último dia 13, cravou em suas redes sociais: "Sim, a cracolândia acabou". Comemorava os seis meses completos desde que se dissipou a famigerada concentração de usuários de drogas no centro da capital paulista.

A prefeitura da cidade, sob comando de Ricardo Nunes (MDB), refere-se ao assunto com mais prudência. Não celebra o "fim" da aglomeração na rua dos Protestantes, em Santa Ifigênia; em vez disso, prefere descrever a situação como um "esvaziamento".

E, de fato, quando se trata da cracolândia, a experiência histórica recomenda moderação no discurso. Ao longo de mais de duas décadas, diferentes gestões apresentaram respostas distintas ao problema. Tiveram em comum, além da falta de sucesso, o imediatismo, como se pensadas de olho no calendário eleitoral.

Não parece ser outra a motivação do coronel Mello Araújo (PL) ao falar do tema. Embora seja aliado de Tarcísio e de Nunes, de quem é vice, porta-se como adversário de ambos. Em entrevista à Folha, dispara contra o governador e critica ações municipais, procurando atrair os holofotes para sua possível candidatura ao Senado em 2026.

Com o fogo amigo, os três reeditam, em tons muito mais ríspidos, a desarmonia que João Doria e Geraldo Alckmin viveram em 2017, após operação policial na região. À época governador pelo PSDB, Alckmin mencionou uma "questão crônica", enquanto o também tucano Doria, então prefeito, decretou: "A cracolândia aqui acabou, não vai voltar mais".

Estava errado, e é provável, embora não desejável, que Tarcísio também esteja. Nas demais vezes em que o fluxo de usuários de drogas se dispersou, pequenos agrupamentos se reuniam nas vizinhanças, em ruas menos visadas, até que a multidão voltou a se formar nos pontos originais.

A situação atual foge um pouco desse roteiro apenas porque prefeitura e governo se esforçam para evitar a aglomeração no local que se convencionou chamar de cracolândia. Mas isso não significa que não existam usuários amontoados alhures.

Ações simplistas podem até render dividendos eleitorais no curto prazo, mas elas passam longe de resolver um problema que, a julgar pelas boas práticas internacionais, demanda resposta multidisciplinar e de longo prazo.

Tarcísio, Nunes e, sobretudo, Mello Araújo podem até achar que estão reinventando a roda, mas apenas repetem muito do que já se disse e se fez na cracolândia —incluindo a desavença.

Enfrentar crime na Amazônia exige ação federal e estadual coordenada

Por O Globo

Quase metade dos municípios amazônicos registra presença de facções criminosas, revela estudo

A expansão alarmante de facções criminosas pela Amazônia exige resposta rápida das autoridades. Quase metade (44,6%) dos 772 municípios da região conta com a presença de pelo menos uma facção, crescimento de 32% em relação a 2022, segundo o último levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Ao todo, são 17 grupos ativos. Algumas organizações têm base regional, como Amigos do Estado (ADE) ou Bonde dos 40. Outras são nacionais, como Comando Vermelho (CV) e Primeiro Comando da Capital (PCC). Também há registro de facções internacionais (Tren de Aragua e Ex-Farc Acácio Medina). As características transnacionais e híbridas do crime na Amazônia tornam imprescindível a coordenação entre governo federal e governos estaduais para enfrentar tráfico de drogas, garimpo ilegal e outras atividades criminosas.

O crime tem demonstrado alto grau de sofisticação. O CV mantém hegemonia nas rotas fluviais, em especial no eixo do Rio Solimões. Conectado aos cartéis de Colômbia e Peru, escoa droga até os portos localizados em Manaus, Belém, Macapá e nas cidades paraenses de Santarém e Barcarena. O PCC adota estratégia diferente. Investe predominantemente em rotas aéreas clandestinas, fazendo uso de pistas de pouso em garimpos ilegais e unidades de conservação. As disputas territoriais e a reconfiguração de alianças regionais alimentam os índices preocupantes de homicídio. Apesar da queda recente, o Amapá segue como estado com maior taxa de assassinatos do Brasil (45 por 100 mil habitantes). O resto da região não fica muito atrás.

Pelo tamanho do território e pelos desafios logísticos, o combate ao crime na Amazônia é caro e difícil. Só em combustível, uma lancha blindada da polícia gasta R$ 7 mil para percorrer 500 quilômetros num rio da região. Nos estados do Sudeste, uma viatura policial cobre a mesma distância com menos de R$ 300 de gasolina. Em condições assim, é fundamental garantir orçamentos que permitam o aumento da presença policial. Felizmente, há experiências com resultados positivos. Um dos pontos comuns entre elas é a parceria entre os Poderes federal e estadual. Tais projetos de cooperação comprovadamente eficazes precisam receber verbas e ganhar escala maior.

Criada pelo Ministério da Justiça, a Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (Ficco) foi concebida para fomentar operações coordenadas pela Polícia Federal (PF) e implementadas em parceria com policiais civis e militares. Nos estados do Norte, o trabalho de inteligência da PF e contatos com autoridades da Colômbia e do Peru também têm obtido retorno satisfatório. No Amazonas, os policiais se concentraram na detecção de lideranças e na identificação de rotas. Um dos principais desafios para a manutenção e expansão de programas bem-sucedidos como esses é a necessidade de entendimento entre o governo federal e os governos estaduais. É preciso superar as diferenças políticas nos gabinetes para que o combate ao crime organizado funcione.

Vazamento revela desleixo do MEC com prova do Enem

Por O Globo

Pré-teste com questões quase idênticas às que caíram na prova é falha básica de segurança

A anulação de três questões do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), realizado no último domingo, deveria fazer soar o alarme no Ministério da Educação (MEC). Não pelo cancelamento em si, que virou caso policial (a Polícia Federal investigará se houve vazamento). Mas pela vulnerabilidade exposta num exame que precisa ser cercado de cuidados para impedir fraudes e garantir condições de igualdade a todos os participantes. Diante da falha, é necessário que o governo reveja os procedimentos.

Cinco dias antes da prova, um universitário que vende aulas on-line como cursos preparatórios comentou ao menos três questões praticamente idênticas às que caíram no exame. Como a avaliação é cercada de sigilo, ele não poderia ter tido acesso a elas. Em seu perfil numa rede social, alegou ter memorizado as questões durante pré-testes realizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão do MEC responsável pela aplicação do Enem. Ele é suspeito de pagar a estudantes que participavam desses pré-testes por informações, segundo o portal g1. O caso está sob investigação.

O pré-teste é um método usado pelo Inep para avaliar adequação e dificuldade das questões. Apesar do objetivo nobre, ele abre brecha a fraudes. A rigor, as questões testadas não deveriam cair na prova num curto prazo, mas aí entra outro problema. O Banco Nacional de Itens (repositório de questões para o Enem) está praticamente vazio, obrigando o MEC a usar as questões no mesmo ano em que são testadas.

Os pré-testes são uma operação arriscada, pois aumentam a probabilidade da circulação indevida. São questionados com frequência. Exames internacionais similares ao Enem não usam essa estratégia, segundo o ex-presidente do Inep Francisco Soares. “Para mitigar o problema, o Inep opera com uma estrutura logística complexa, cara e ainda assim vulnerável”, diz. Para a também ex-presidente do Inep Maria Helena Guimarães, o MEC precisa encontrar alternativas ao modelo atual.

Não é a primeira vez que a credibilidade do Enem é posta em xeque por suspeita de vazamento. Em 2009, a prova foi cancelada dias antes para os 4 milhões de participantes, depois que questões foram negociadas por funcionários da gráfica onde o exame era impresso. Em 2011, parte da prova aplicada num colégio do Ceará foi anulada, pois estudantes obtiveram acesso antecipado a questões no pré-teste. Tais casos mostram que o problema é recorrente.

O Enem deste ano contou com 4,8 milhões de inscritos, crescimento substancial em relação a 2024 (4,3 milhões) e 2023 (3,9 milhões). É um sinal de recuperação depois do período de crise que sucedeu à pandemia. Por isso mesmo o vazamento ganha importância. É essencial assegurar que não haja mais abalos na credibilidade da principal porta de acesso dos brasileiros ao ensino superior, caminho para a ascensão social e o desenvolvimento do país. É preciso fechar as torneiras que facilitam as fraudes. Não é sensato testar questões que cairão na prova de forma quase idêntica meses depois. O MEC deve rever seus métodos. Não se pode abrir mão de um sistema justo e eficaz de concorrência para selecionar os melhores alunos — e não os melhores fraudadores.

Mais uma escolha política para o STF

Por O Estado de S. Paulo

Indicação de Jorge Messias resume a visão distorcida que Lula tem do STF e sua inversão de prioridades: o presidente privilegia a lealdade pessoal em detrimento do notável saber jurídico

A indicação de Jorge Messias para o Supremo Tribunal Federal (STF) desvela, mais uma vez, a compreensão distorcida que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem do papel da mais alta Corte do País. Em vez de tratar o STF como foro de interpretação constitucional, contrapeso republicano e guardião das garantias e direitos fundamentais, Lula o vê como extensão da arena política, vale dizer, como um espaço no qual busca premiar lealdades pessoais e amarrar apoios estratégicos. Nesse sentido, a escolha do advogado-geral da União, sem currículo suficiente para integrar o Supremo, não deixa margem para dúvida sobre o que realmente o trouxe até aqui.

Messias é mais conhecido por ter protagonizado, como “Bessias”, um dos episódios finais do governo de Dilma Rousseff, quando a presidente tentou nomear Lula para a Casa Civil em 2016, num movimento desesperado para dar ao padrinho, acossado pela Lava Jato, um cargo que lhe conferisse foro privilegiado. Messias era subchefe para assuntos jurídicos da Casa Civil na ocasião – e não há nada mais em sua trajetória que o transformasse naturalmente num nome adequado para o STF.

Obviamente, portanto, Messias não tem “notável saber jurídico”, necessário, conforme o artigo 101 da Constituição, para integrar o STF. Em seu favor, e para vergonha do País, não é o primeiro a ser nomeado sem esse requisito, e muito provavelmente não será o último. O problema, contudo, não reside apenas nas credenciais individuais do indicado, mas no processo sistemático de esvaziamento do espírito republicano que deveria orientar as indicações. Desde que retornou ao Palácio do Planalto, após ficar 580 dias preso, Lula tem feito escolhas movidas por critérios pessoais – gratidão, confiança política, afinidade ideológica –, em detrimento de qualificações técnicas e de uma visão institucional que fortaleça a separação entre os Poderes.

Foi assim com Cristiano Zanin, advogado pessoal do presidente em seus anos mais difíceis. Foi assim com Flávio Dino, convertido em espécie de enviado especial do governo para assuntos políticos dentro da Corte. E repete-se agora com Messias. Em todas essas indicações, Lula manifestou desinteresse pela pluralidade interna do tribunal, inclusive pela evidente falta de diversidade de trajetórias e perfis – tão alardeada por ele em outras frentes. Não se pode desconsiderar, ainda, a conveniência eleitoral de indicar Messias também pelo fato de ele ser evangélico. É lícito inferir que se trata de um cálculo de Lula visando à aproximação com um eleitorado notoriamente refratário ao presidente com vistas à eleição de 2026.

É lastimável que indicações para o STF sejam tratadas como retribuição por serviços prestados, estratégia política ou expediente de campanha eleitoral. Nem o próprio Messias esconde que é disso, a bem da verdade, que se trata. Como mostrou o Estadão, Messias, ao assumir a Advocacia-Geral da União, afirmou que Lula “resgatou” seu nome – e essa gratidão, como confidenciou a amigos, ele “levaria para o túmulo”. Ora, não há como ignorar o peso dessa declaração. A Corte que deve servir ao País, e não a governos, muito menos a pessoas, será ocupada por alguém que associa sua trajetória a um juramento de lealdade pessoal ao presidente da República.

O STF tem poder extraordinário no arranjo institucional brasileiro. Julga autoridades, arbitra conflitos entre Poderes e delimita o alcance de políticas públicas. Quanto maior esse poder, maior deve ser o rigor na escolha de seus integrantes. A submissão do processo de nomeação às conveniências políticas do chefe do Executivo desequilibra o sistema e fragiliza a própria Corte aos olhos da sociedade.

Não se trata, aqui, de contestar a legitimidade da prerrogativa presidencial, mas de lembrar seu propósito: garantir que o Supremo seja formado por magistrados independentes, intelectualmente preparados e comprometidos com a Constituição, não por auxiliares promovidos ao topo da estrutura jurídica como recompensa. O País precisa de um STF que sirva à República, não a um presidente.

Operação no Rio: um fracasso exemplar

Por O Estado de S. Paulo

Festejada como exemplo de linha dura, a ação policial mais letal da história, segundo relatório do próprio Estado, falhou em quase tudo e, para piorar, há poucas imagens de câmeras da PM

A Operação Contenção, realizada no fim do mês passado nos Complexos da Penha e do Alemão, no Rio, tornou-se um marco para o debate nacional sobre o modelo de segurança pública que o Brasil precisa adotar para enfrentar as organizações criminosas. Se ganhou essa importância, o ideal seria que a mais letal intervenção policial já registrada no País fosse devidamente escrutinada pela sociedade e pelas instituições de controle, como sói acontecer em qualquer democracia constitucional madura.

Mas, não obstante a gravidade da operação – que culminou em 121 mortos, entre eles quatro policiais –, o governador Cláudio Castro (PL) falhou miseravelmente em assegurar as condições mínimas para que as ações dos policiais civis e militares sob seu comando pudessem ser devidamente apuradas, sobretudo pelo Ministério Público, instituição incumbida pela Constituição de exercer o controle externo da atividade policial.

O Relatório Técnico-Probatório enviado pelo governo fluminense ao Supremo Tribunal Federal (STF), por ordem do ministro Alexandre de Moraes no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, expõe falhas absolutamente inaceitáveis à luz da dimensão daquela operação. Embora Castro classifique a Operação Contenção como um “divisor de águas” no combate às facções criminosas em seu Estado, o próprio relatório entregue por ele ao STF desmonta o discurso oficial. A Secretaria de Segurança Pública do Rio atualizou os números de prisões e apreensões, demonstrando que muitos dos mandados judiciais que originalmente embasaram a operação deixaram de ser cumpridos. Para piorar, a pasta foi incapaz de fornecer o elemento mais básico de qualquer operação policial moderna: o registro audiovisual por meio de câmeras corporais instaladas no fardamento dos agentes.

Dos cerca de 2.500 policiais mobilizados, só uma pequena parte portava câmeras. E, desse contingente já pífio, somente metade dos equipamentos registraram imagens. O restante, segundo o governo fluminense, apresentou falhas técnicas ou teve as baterias descarregadas. É uma explicação que zomba da inteligência alheia. Não há como justificar que um dos maiores Estados do País conduza uma operação policial daquele porte providenciando um número tão minguado de câmeras e, ademais, em prever baterias extras a fim de garantir o pleno funcionamento dos aparelhos. Não se pode condenar quem veja esse erro crasso de planejamento como uma ação deliberada para inviabilizar a reconstrução dos fatos e a identificação de eventuais ilegalidades cometidas pelas forças policiais.

Quando não se sabe exatamente o que aconteceu durante os confrontos, abre-se espaço para a desconfiança na polícia – e isso é péssimo para o Estado de Direito. A ausência das imagens torna-se ainda mais grave diante dos relatos de que corpos teriam sido removidos e manipulados antes da realização de perícia. Em qualquer parte do mundo civilizado, esse tipo de comprometimento da chamada cadeia de custódia seria suficiente para anular a credibilidade de toda a operação. No Brasil, onde o uso de câmeras corporais já foi reconhecido pelo próprio STF como mecanismo indispensável à atividade policial, até para resguardo dos próprios agentes, isso soa como afronta ao Estado de Direito.

A discussão sobre segurança pública, contudo, não se encerra nos eventuais erros da Operação Contenção. A escalada de poder de facções como PCC e Comando Vermelho, que se tornaram, na prática, organizações de caráter mafioso, exige uma abordagem nacional capaz de coordenar políticas públicas, fortalecer investigações e impor limites claros ao uso da força letal.

Se a Operação Contenção se converteu no ponto de partida para essa inflexão tão necessária, torna-se ainda mais imperativo que ela seja analisada com absoluta transparência e rigor. Não há dúvida de que o combate às facções criminosas frequentemente exige confronto. Mas o que diferencia policiais e bandidos é o compromisso inegociável com a legalidade. A sociedade brasileira, exausta tanto da violência cotidiana quanto da omissão histórica do poder público, não clama por vingança, mas por ordem, húmus da paz social. E ordem só se constrói com operações policiais circunscritas aos limites da Constituição.

Antissemitismo nas Arcadas

Por O Estado de S. Paulo

Baderneiros calam a voz de cientista político judeu durante evento no Direito da USP

Palco de eventos históricos em defesa da liberdade e da democracia, as Arcadas do Largo de São Francisco viveram uma noite profundamente triste nesta semana. No dia 17 passado, baderneiros fizeram de tudo para impedir que um cientista político judeu, André Lajst, conseguisse falar num debate sobre Israel e os aspectos legais da guerra em Gaza, realizado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

Foi o dia em que o grito sufocou o diálogo, o ódio atacou as ideias e o cinismo venceu a inteligência na velha Academia de Direito, também conhecida, ora vejam, como Território Livre. Esse episódio ilustra bem a perigosa escalada do silenciamento naquela que é considerada a melhor universidade do País.

Sob a alegação de denunciar o que chamam, equivocadamente, de genocídio palestino, estudantes de Direito e militantes de fora da USP interditaram, aos berros, a realização do evento intitulado Conversas sobre o Mundo. Mas o ambiente universitário deveria ser justamente o contrário disso. E, no Auditório Goffredo da Silva Telles Júnior – o professor que durante a ditadura leu a Carta aos Brasileiros nas Arcadas para defender a liberdade –, não houve conversa.

Os dias que antecederam o evento organizado pela professora de Direito Internacional Maristela Basso já indicavam essa degeneração moral de parte dos uspianos. O Centro Acadêmico XI de Agosto publicou nas redes sociais que repudiava “veementemente” a presença de André Lajst na faculdade por se tratar de um “notório sionista” – como se defender a existência de Israel fosse, em si, um crime hediondo. Em outras palavras, Lajst foi impedido de falar não em razão de suas opiniões, que não puderam ser expostas, e sim em razão de ser quem é – um judeu que defende o direito de Israel existir.

A hostilidade aos judeus, usando como pretexto a causa palestina, infelizmente parece estar em alta na USP. Há pouco tempo, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) rompeu um convênio com uma universidade israelense para protestar contra as ações de Israel em Gaza. Por outro lado, manteve intactos convênios com universidade da Rússia, que invadiu a Ucrânia numa guerra de caráter claramente imperialista. O tratamento desigual dado pela FFLCH a Israel e à Rússia fala por si.

Essa hostilidade precisa ser combatida por professores, diretores e a reitoria da USP. Os gestores devem assegurar a convivência harmoniosa nas unidades, garantir a segurança de alunos, funcionários e professores judeus, promover a livre circulação de ideias, incentivar a produção do conhecimento sem vieses ideológicos e coibir as práticas truculentas de grupelhos que se infiltram na universidade para prejudicar a vida acadêmica.

Os alunos que impediram um judeu de falar são antissemitas que exploram a causa palestina como desculpa para destilar seu ódio. Que a direção da Faculdade de Direito da USP identifique esses estudantes violentos e os puna com rigor, para que não manchem a memória daqueles que lutaram pela tolerância, pelo diálogo e pela liberdade nas Arcadas.

Anvisa habilita avanço em pesquisas com cannabis

Por Correio Braziliense

A autorização concedida à Embrapa não equivale, por si só, à liberalização do mercado. Ela habilita elementos essenciais para produção de insumos farmacêuticos seguros e economicamente viáveis

A decisão da Anvisa, publicada nesta quarta-feira, de atender ao pedido da Embrapa e autorizar a pesquisa de cultivo de cannabis pela instituição inaugura uma nova fase no debate público sobre a planta no Brasil. A permissão, claramente delimitada ao âmbito científico e sujeita a controles rígidos, representa tanto um avanço técnico quanto um teste de governança regulatória em um tema que convive com estigmas sociais e interesses econômicos.

A bem da verdade, no plano jurídico, o Brasil ainda não adotou um regime amplo de cultivo para uso medicinal — a produção autorizada tem sido concedida caso a caso, sob critérios da Anvisa e do Ministério da Saúde, e a comercialização permanece estritamente regulada. A decisão da agência sobre a Embrapa retoma precedentes administrativos e votos técnicos que condicionam autorizações a projetos individuais e a regras de segurança, mostrando que a política pública tem avançado por decisões pontuais, sem um marco único e consolidado.

Em termos de acesso e produção, o Brasil vem observando um crescimento significativo no número de pacientes que recorrem a produtos à base de cannabis medicinal, reflexo do aumento de prescrições médicas, importações e da oferta privada, o que pressiona por soluções de produção nacional, redução de custos e maior integração regulatória. No plano global, a produção legal para fins medicinais e científicos também cresceu nas últimas décadas, com alguns países consolidando cadeias de cultivo e exportação que moldam mercados regionais.

A autorização concedida à Embrapa não equivale, por si só, à liberalização do mercado: ela habilita a pesquisa agronômica, seleção de cultivares, testes de estabilidade e padronização analítica — elementos essenciais para produzir insumos farmacêuticos seguros e economicamente viáveis. Se convertida em política pública integrada, essa capacidade técnica pode reduzir importações, aumentar a oferta de insumos nacionais, fomentar inovação e gerar conhecimento sobre cultivares adaptados ao clima brasileiro. Se relegada a iniciativas pontuais, seu impacto prático será limitado e de alcance restrito. E, como consequência, preços exorbitantes nas prateleiras das farmácias.

No âmbito do SUS, a cannabis medicinal não figura como política de saúde universal e rotineira. O acesso público é restrito a exceções, protocolos específicos e, em muitos casos, decisões judiciais que obrigam o fornecimento. A maior parte dos tratamentos no Brasil ocorre via compra particular, importação direta ou por meio de empresas que registram produtos no país. O desafio é integrar avanços científicos a programas públicos de saúde com critérios de necessidade clínica e avaliação de custo-efetividade.

A autorização da Anvisa para a Embrapa, portanto, é um sinal positivo de maturidade regulatória e aposta na capacidade nacional de produzir conhecimento e insumos. É urgente que a iniciativa seja acompanhada por transparência, controle social, financiamento público para pesquisas clínicas e monitoramento de eficácia e segurança — assim, a promessa poderá virar política pública de saúde. Uma oportunidade histórica e responsável.

O papel da imprensa e instituições para ambiente de negócios saudável

Por Valor Econômico

A importância da cobertura financeira e empresarial não se restringe a mostrar os lances mais importantes que movem a vida econômica e que influenciam a vida de todos

Grandes crises recentes mostraram uma rede nefasta que se entrelaça. Tanto a infiltração do crime organizado na economia formal (como mostrou a Operação Carbono Oculto sobre a influência do PCC na Faria Lima e no setor de combustíveis) quanto grandes desvios financeiros (como o que resultou na liquidação do Banco Master e na prisão do banqueiro Daniel Vorcaro) revelaram uma rota da ilegalidade — e com personagens comuns aos escândalos.

O avanço do crime organizado é um grave problema não apenas de segurança em si, mas econômico e social. Ele impede o desenvolvimento de pequenos empreendedores, que não raro ficam sob ameaça de bandidos. Pune as empresas maiores que seguem as regras, geram empregos, preocupam-se com questões socioambientais e pagam impostos em dia — e que perdem mercado ou são expulsas dele com a concorrência desleal. Afasta ainda grandes investidores externos, que buscam alocar seu capital em territórios mais seguros. Facções e milícias impõem pedágios pesados justamente sobre a população mais pobre, ao explorá-la com sobrepreços em compras obrigatórias de bens essenciais e obrigá-la a sobreviver com orçamento ainda mais exíguo e insuficiente do que já possui. Em sua versão “colarinho branco”, os infratores não têm modus operandi muito diferente. Lesam pequenos e grandes investidores e oneram empresas. Operam corrompendo agentes públicos e buscando proteção para ocultar crimes de grande monta.

A melhoria do ambiente de negócios no Brasil é essencial para todo o país e necessária para um desenvolvimento sustentável. Faz parte desse bom ambiente um mercado empresarial e de capitais confiável e transparente. E isso é responsabilidade de muitos. Do poder público, que tem de ser verdadeiramente comprometido, em todas suas instâncias, com o interesse geral, e que precisa dispor de uma imprescindível regulação moderna, de baixo custo e ágil na detecção e resolução de conflitos e de desvios legais.

Das corporações, que devem ser comprometidas com negócios éticos e com a ética dos negócios, em que o respeito a regras democraticamente decididas, ultrapasse a opção por atalhos lucrativos que as corrompam ou burlem.

Dos agentes econômicos se espera que sejam responsáveis pela lisura e pela transparência total na relação com seus clientes. Quando algo está muito fora da curva — como os juros que os CDBs do Master estavam pagando, papéis distribuídos livremente e em larga escala por algumas plataformas de investimento, sem o devido alerta aos investidores —, é preciso apertar os parafusos em toda a engrenagem.

Das instituições de fiscalização e aplicação da lei, que precisam, para funcionar e coibir abusos, que o Estado as dote de estrutura adequada, com pessoal treinado e, especialmente importante no caso do Brasil, que sejam livres de influências políticas. Uma política republicana requer um orçamento que dê prioridade às áreas em que a relação com o público seja vital para prestar com eficiência serviços de grande importância.

O Estado gasta muito, mas agências reguladoras, órgãos de proteção do meio ambiente, serviços de saúde e educação vivem quase à míngua. Fraudes privadas e públicas passaram diante do nariz de instituições que não recebem atenção nem recursos para desempenhar funções básicas, como a Comissão de Valores Mobiliários e o Banco Central. O prejuízo das Americanas, fraude de R$ 25 bilhões feita durante anos, passou por balanços aos acionistas e órgãos reguladores, sem que ninguém desconfiasse.

O caso da insustentabilidade das operações do Master tornou-se um lugar comum no mercado financeiro por anos, até que ocorresse a tardia liquidação pelo BC, que tem ligações e contatos profissionais diários com as instituições.

Há também a responsabilidade da imprensa. Uma imprensa profissional deve ser comprometida com a cobertura isenta de todos os fatos — positivos ou negativos — que afetam o funcionamento da economia e da política, isto é, o destino de todos os brasileiros e, em consequência, do país. Sempre com a separação entre “Igreja e Estado” (editorial e comercial) peculiar do jornalismo de qualidade.

Tem sido um esforço constante desse jornalismo mostrar a origem das boas práticas, ações sociais e negócios que fazem a diferença em qualquer setor da vida nacional, propagando exemplos que podem se disseminar, em um processo de inovação constante. Mas cabe também ao jornalismo profissional atuar como um atento observador público, investigando e apontando erros e crimes que acabarão por prejudicar parcelas ou a totalidade da comunidade social. A importância da cobertura financeira e empresarial não se restringe a mostrar os lances mais importantes que movem a vida econômica e que influenciam a vida de todos. Esse acompanhamento é essencial também para dotar o jornalismo de fatos, fontes e informações que também lhe permitam farejar fraudes, burlas legais e escândalos em formação ou prestes a eclodir na esfera pública, seja do Estado, nas corporações ou no crime organizado. Esse é o jornalismo que o Valor pratica e continuará a praticar.

O jornalismo profissional jamais substituiu, nem substituirá, os órgãos de investigação e fiscalização do Estado. Estes, por seu lado, em todas as democracias, de países desenvolvidos ou não, têm na imprensa livre um precioso colaborador para o triunfo do interesse público.

Master, agora resta fazer justiça, com rapidez

Por O Povo (CE)

O episódio deveria chamar a atenção das autoridades para melhorar a regulamentação do sistema bancário brasileiro, que é sólido, mas precisa de supervisão mais próxima, para detectar com mais rapidez e afastar os aventureiros do mercado

A fraude de grandes proporções ocorrida no banco Master não levará prejuízos somente a quem tem investimentos ou qualquer outra operação no banco. Mesmo pessoas que não têm relação direta com o Master poderão ser atingidas.

É o caso dos segurados de 18 fundos de pensão, de municípios e estados, que tinham investimentos ou negócios com o Master. Segundo o Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE), a Rioprevidência investiu R$ 2,6 bilhões em letras financeiras e títulos de renda fixa no Master, desde 2023. Isso deverá provocar um abalo nas finanças do instituto. Em maio deste ano, o TCE havia feito um alerta aos gestores sobre possíveis irregularidades.

O Rioprevidência divulgou uma nota informando que o pagamento de aposentadorias e pensões está garantido. Mas essa é apenas uma parte do problema que, a propósito, nem deveria estar em questão. A outra é saber se o fundo tem condições de absorver o prejuízo sem chamar os segurados a pagarem parte da conta, por meio de desconto nos contracheques. Na melhor das hipóteses, o instituto nunca mais verá esse dinheiro. São cerca de 242 mil servidores inativos que dependem do fundo de previdência para receberem seus proventos.

Também ficará no prejuízo uma instituição pública do Governo do Distrito Federal, o Banco de Brasília (BRB), que negociava a compra do Master. Segundo investigações do Banco Central e da Polícia Federal (PF), o objetivo era camuflar as fraudes na compra de carteiras de créditos falsas, identificadas pelo Bacen.

Entre 2024 e 2025, o BRB injetou R$ 16,7 bilhões no Banco Master, segundo documento obtido pela TV Globo, divulgado pelo G1. O Ministério Público encontrou "indícios de participação consciente dos dirigentes do BRB" no suposto esquema fraudulento organizado pelos gestores do Banco Master. Em setembro, o Bacen havia negado a possibilidade de o BRB comprar o Master.

Na terça-feira, o Banco Central decretou a liquidação extrajudicial do Master. Enquanto isso, a Polícia Federal movimentava-se para prender Daniel Vorcaro, dono do banco liquidado, o que ocorreu no mesmo dia, no aeroporto de Guarulhos (SP). Segundo a PF, o banqueiro preparava-se para fugir do País em um jato avaliado em R$ 200 milhões.

Essa complexa operação, que desmontou uma fraude bilionária, envolveu vários órgãos públicos trabalhando em conjunto, como o Banco Central, Polícia Federal, Ministério Público Federal, Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), entre outras, demonstrando que a integração e a troca de informações é o caminho mais acertado para o enfrentamento à criminalidade, principalmente a de maior complexidade.

O episódio também deveria chamar a atenção das autoridades para melhorar a regulamentação do sistema bancário brasileiro, que é sólido, mas precisa de supervisão mais próxima, para detectar com mais rapidez e afastar os aventureiros do mercado. E que a Justiça atue com rapidez para punir os responsáveis e recuperar os prejuízos causados pelos fraudadores.

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