Sabatina de Messias deve se concentrar no aspecto jurídico
Por O Globo
Como manda a Constituição, cabe ao Senado avaliar credenciais técnicas, deixando de lado inclinações políticas
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicou o ministro Jorge Messias, advogado-geral da União, à vaga aberta no Supremo Tribunal Federal (STF) com a aposentadoria antecipada do ministro Luís Roberto Barroso há pouco mais de um mês. A despeito da demora no anúncio, não se pode dizer que tenha causado surpresa. Messias sempre foi favorito. Por mais que fosse esperada, a escolha gerou mal-estar no Senado, onde ele será sabatinado. O presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP), queixou-se de não ter recebido ao menos um telefonema sobre a indicação. Alcolumbre defendia o aliado Rodrigo Pacheco (PSD-MG) para a vaga.
Escolhas sempre ensejarão elogios e críticas.
É fato normal numa democracia. A indicação de ministros ao Supremo, vale
lembrar, é prerrogativa do presidente da República, respeitadas as condições
previstas na Constituição: reputação ilibada e notório saber jurídico. Messias
é o terceiro nome indicado ao STF por Lula no atual mandato, depois de
Cristiano Zanin (seu advogado na Operação Lava-Jato) e Flávio Dino (ex-ministro
da Justiça e Segurança Pública). Em todos esses casos, ele privilegiou
fidelidade e proximidade pessoal em vez de carreiras bem-sucedidas na academia
ou nos tribunais. Não que os indicados não tivessem qualificação, ao contrário.
Mas não foi esse fator que pesou na decisão. Lula não esconde a frustração com
indicados para o Supremo em mandatos anteriores, que votaram contra os
interesses dele e do PT. Se aprovado, Messias será o quinto ministro indicado
por Lula entre os que permanecem na Corte.
Ex-integrante da gestão petista de Dilma
Rousseff e próximo ao PT, Messias é advogado, mestre e doutor em Direito pela
Universidade de Brasília. É um dos ministros que atuam como bombeiro em
conflitos envolvendo o governo. Entre outras ações, criou um grupo de trabalho
para tratar das fraudes dos descontos indevidos a aposentados e costurou um
acordo com o STF para ressarcir os lesados. É considerado o principal
interlocutor de Lula junto ao Supremo, com trânsito entre todos os ministros,
inclusive os indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
Em sua sabatina, porém, é possível que
Messias encontre um clima belicoso. Não só por divergências na indicação, mas
pelos atritos políticos entre oposicionistas e governistas que cercaram a
escolha. Depois do anúncio, Alcolumbre, que até agora vinha atuando como aliado
do Executivo, ressuscitou uma pauta-bomba prevendo aposentadoria especial a
agentes de saúde, com prejuízo óbvio para o quadro fiscal.
É inadequado tomar decisões desse tipo por
impulsos de natureza política. Cabe ao Senado, como manda a Constituição,
submeter Messias a uma sabatina rigorosa. Ele precisará do aval de pelo menos
41 dos 81 senadores em plenário depois de passar pela Comissão de Constituição
e Justiça. Não é comum a Casa rejeitar indicações do Executivo — a última
rejeição ocorreu no governo Floriano Peixoto. Mas a recondução de Paulo Gonet à
Procuradoria-Geral da República por apenas 4 votos além do necessário despertou
dúvidas. Quaisquer que sejam as inclinações dos senadores, a sabatina deve
passar ao largo dos dissensos políticos e se concentrar no aspecto jurídico,
avaliando se Messias tem as qualificações técnicas exigidas para integrar a
mais alta Corte. O essencial é que demonstre compromisso com os interesses do
Brasil, não com políticos ou ideologias.
Negociação de paz para a Ucrânia é positiva,
mas não a qualquer preço
Por O Globo
Apaziguamento benéfico aos russos pode funcionar como incentivo a novas investidas de Putin na Europa
A proposta de 28 pontos para encerrar a
guerra na Ucrânia foi ideia de Donald Trump, mas poderia muito bem ter sido
sugerida por Vladimir Putin. O texto é inaceitável não apenas para os
ucranianos, mas também para União Europeia (UE) e Reino Unido. A iniciativa
americana de abrir as conversações é sem dúvida positiva. Mas um complicador
paira sobre a negociação: mesmo com todas as concessões à Rússia, até que ponto
se poderá confiar em Putin? Os países europeus veem um tratado de
apaziguamento, benéfico aos russos, como incentivo para novas investidas russas
não apenas na própria Ucrânia, mas também noutros países do continente.
É verdade que a situação ucraniana tem se
deteriorado no campo de batalha. Desde a agressão de fevereiro de 2022, a
Rússia conquistou 20% do país. É temido para breve novo ataque russo com
objetivo de dominar toda a região do Donbass, onde se situa a principal frente
de batalha. O próprio presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, reconheceu que
a Ucrânia poderia “se ver diante de uma escolha muito difícil”. “Ou a perda da
dignidade, ou o risco de perder um parceiro fundamental [os Estados Unidos]”,
disse. Depois da reunião em que os americanos apresentaram a proposta em
Genebra, ele afirmou ter conseguido “manter pontos extremamente sensíveis na
mesa” e reiterou buscar acordos “que nos fortaleçam, não nos enfraqueçam”.
Não é o caso da proposta original dos Estados
Unidos. Por ela, a Rússia ficaria com todo o Donbass, inclusive áreas da
província de Donetsk ainda em poder dos ucranianos. A capitulação numa região
onde tantos ucranianos tombaram na guerra representaria um baque para a opinião
pública, num momento em que o governo já tem sofrido com acusações de
corrupção.
Pelo plano de Trump, os 14% de Donetsk hoje
controlados pela Ucrânia seriam transformados em zona desmilitarizada, e o país
abriria mão de soberania sobre um quarto de seu território. Mais que isso, o
texto veda a entrada na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), e os
países da Otan ficariam proibidos de manter soldados em território ucraniano.
Para compensar, o texto fala em dar aos ucranianos garantias de segurança
“confiáveis” e autoriza o ingresso do país na UE. Vale lembrar que, com o fim
da União Soviética, a Ucrânia independente também recebeu garantias de
segurança, e isso não impediu a invasão russa. Além do mais, a proposta torna
letra morta o plano europeu de formar uma retaguarda para se proteger da
Rússia.
Mais de 250 mil soldados russos já morreram na guerra, e outros 700 mil ficaram feridos, segundo o Center for Strategic & International Studies — o quíntuplo da soma de vítimas em todos os conflitos envolvendo Rússia ou União Soviética desde o fim da Segunda Guerra. Do lado ucraniano, a estimativa é que até 100 mil soldados tenham morrido e outros 300 mil ficado feridos. Sem falar nos 14 mil civis mortos e 37 mil feridos, de acordo com a ONU. Trump não está errado em querer acabar com a guerra depois de tanta dor. Mas não a qualquer preço.
Ucrânia reage a presente de Trump para Putin
Por Folha de S. Paulo
Plano de paz anunciado pelo presidente
americano manietava soberania de Kiev e premiava Rússia
Zelenski está em apuros domésticos, com um
escândalo de corrupção, e na frente de batalha, onde a Rússia ameaça a defesa
do país
Quando ninguém mais esperava uma solução
rápida para a Guerra da Ucrânia, Donald Trump sacou da
cartola um acordo de paz escrito a quatro mãos por um
negociador americano e outro russo. Ucranianos e seus aliados europeus só foram
informados do fato.
A Casa Branca deu prazo até a próxima
quinta-feira (27) para que Volodimir
Zelenski aceitasse o prato feito. Chegou a sugerir medidas
drásticas, como o fim do fornecimento de armas a Kiev, para pressioná-lo.
O mandatário ucraniano está em apuros domésticos,
na forma de um escândalo de corrupção que derruba ministros, e na frente de
batalha, onde a Rússia faz
pressão máxima e ameaça a estabilidade da defesa do país que invadiu há quase
quatro anos.
A fragilidade de Zelenski era visível em seu
desabafo inicial, quando disse que seu governo se via diante de uma
"escolha difícil: ou perder a dignidade ou um grande aliado". A
partir daí, com ajuda externa, buscou reagir.
No domingo (23), equipes negociadoras de
Ucrânia e EUA se reuniram em Genebra. Os 28 pontos do plano anunciado por
Trump, amplamente favoráveis à Rússia, tornaram-se 19 mais equilibrados. O
Kremlin, claro, já
disse que não aceitará as mudanças.
Se perdas territoriais seriam incontornáveis
e demandas russas precisam ser ouvidas, o primeiro documento ia além, ao
manietar a soberania ucraniana.
O fazia em temas amplos, como a limitação de
suas Forças Armadas ou a exigência de eleições em cem dias, mas também em
minúcias como a proteção da perseguida Igreja Ortodoxa Russa no país. Tudo isso
está em revisão, e a data-limite fixada por Trump dificilmente será respeitada.
A questão é que Vladimir
Putin não pode ganhar a guerra e dobrar uma Ucrânia apoiada
pelo Ocidente, à diferença do que apregoam generais russos, e tampouco Zelenski
é capaz de expulsar os invasores como querem crer próceres europeus.
Logo, concessões se impõem, mas Putin não
deveria ser recompensado pelo uso da força que fez em pleno século 21. Ficará
no ar o fantasma do Acordo de Munique, de 1938, quando Reino Unido e França deixaram Adolf Hitler tomar
pedaços da Tchecoslováquia na esperança de aplacar seu belicismo. Deu no que
deu.
Naturalmente, o fim da guerra seria excelente
notícia, em especial se incluir um cronograma para a normalização das relações
entre a Rússia e o Ocidente.
Críticos dizem que Putin quer remontar um
império, o que pode ser verdade, mas é fato que o englobamento do antigo bloco
socialista pelo clube militar ocidental mostra que os EUA foram no mínimo pouco
magnânimos na vitória sobre a União Soviética.
Se houver impasse insuperável nas negociações
em curso, Trump também terá dado mais um presente para Putin. O russo, que se
afastou da autoria da proposta, fingirá que o problema não é seu, ganhando mais
tempo para prosseguir com sua guerra.
Moradia para famílias do Moinho
Por Folha de S. Paulo
Plano para reassentamento acordado entre
governos Lula e Tarcísio esbarra em entraves burocráticos
Gestões federal e estadual fazem acusações
mútuas, enquanto deveriam unir forças para garantir o direito à moradia às
famílias
Seis meses depois da assinatura do acordo
para reassentar cerca de 800 famílias residentes na favela do Moinho, na região
central da capital paulista, ainda perdura a jornada de parte delas para
encontrar alternativas habitacionais. O caso revela dificuldades do poder
público em tirar seus planos do papel.
Em maio deste ano, em exemplo
virtuoso de parceria entre rivais políticos, o governo de Luiz
Inácio Lula da
Silva (PT)
e o estadual de Tarcísio de Freitas (Republicanos)
firmaram acordo para subsidiar a compra de imóveis no valor de até R$ 250 mil
—R$ 180 mil da União e R$ 70 mil do estado. Enquanto buscam novas moradias, as
famílias receberão um auxílio de R$ 1.200 mensais.
Segundo as autoridades paulistas, das 832
famílias que aderiam ao programa (94,5% do total), 692 deixaram o local, das
quais mais de 140 para moradias definitivas. Apesar disso, ainda há uma tarefa
considerável pela frente.
Moradores do Moinho relatam dificuldade em
encontrar alternativas de moradia pelo preço delimitado no acordo e
questionamentos reiterados sobre a previsão de saída por parte dos funcionários
da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU),
além de denúncias de truculência e assédio policiais.
Famílias que residem no local realizaram
um protesto no último dia 18, na faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo, contra o que qualificam como recrudescimento da
violência e demolições com moradores ainda dentro das casas. O governo paulista
refuta as acusações.
Ademais, de acordo com os residentes, as
péssimas condições de vida no local, um problema antigo, persistem com o
acúmulo do entulho de cerca de 250 habitações demolidas ou parcialmente
desmontadas e infestações de ratos, baratas e escorpiões.
A gestão de Tarcísio reclama da ausência de
equipes da Caixa
Econômica Federal no entorno da comunidade e da recusa de atendimento
a famílias que não entram nos critérios de renda do programa federal Minha Casa
Minha Vida ou que têm pendências no Cadastro Único nacional.
Já o governo Lula afirma que a Caixa analisou
o processo de 797 famílias, sendo 636 delas classificadas como compatíveis, e
que os casos remanescentes seriam de responsabilidade da CDHU.
Mas entraves burocráticos entre órgãos estaduais e federais não justificam procrastinação. Com o ano eleitoral se aproximando, faria bem às duas esferas mostrar à população que conseguem colocar o interesse público acima de disputas políticas.
A COP como ela é
Por O Estado de S. Paulo
Belém não expôs o esgotamento do
multilateralismo, mas sim da fantasia de uma transição energética feita à
força, sem tecnologia, sem consenso, sem aritmética e à custa da prosperidade
Mesmo antes do fim da COP-30, brotou forte na
imprensa a leitura do “esgotamento do processo multilateral”, cujo emblema
maior seria o fracasso em desenhar o “mapa do caminho” para a eliminação dos
combustíveis fósseis. Mas o processo da COP funcionou como sempre: consensos
mínimos, avanços graduais e acordos procedimentais. O que naufragou em Belém
não foi a forma diplomática, mas o conteúdo de uma agenda que exige a supressão
dos fósseis em ritmo acelerado, como se a física, a economia e a política fossem
negligenciáveis.
Se esse voluntarismo energético foi
frustrado, não é porque os países tenham desistido do clima, mas porque a
aposta de que seria possível substituir rapidamente os fósseis a golpes de
subsídios em energia eólica e solar – sem infraestrutura adequada ou capacidade
de armazenamento – provou-se uma ficção cara. O mundo real puniu essa fantasia
com inflação energética, perdas industriais e revolta do eleitorado. A Europa é
um exemplo contundente: metas ambiciosas demais exauriram sociedades incapazes
de absorver seus custos.
Países pobres e emergentes também se recusam
a pagar a conta, notificando que não sacrificarão crescimento e
industrialização. Energia barata e confiável é precondição de prosperidade. Os
renováveis seguem crescendo, mas apenas somam – não substituem – a capacidade
existente. Sem flexibilidade, transmissão e armazenamento, não há transição
acelerada; há slogans.
O divórcio entre diplomacia climática e
realidade material ficou claro em Belém. O palco segue maximalista, enquanto o
mundo real migra para outra lógica: transições mais lentas, foco em adaptação e
prioridade à segurança energética e à prosperidade como condição de resiliência
climática.
Em três décadas, a obsessão por cortar na
marra a oferta de combustíveis fósseis praticamente não alterou a trajetória
das emissões. A insistência num modelo que não entrega resultados, mas
multiplica custos, corroeu a legitimidade política da agenda. O cansaço dos
eleitores não é negacionismo: é aritmética doméstica. Energia cara destrói o
consenso social. A já folclórica coxinha a R$ 45 – ainda que os preços em Belém
durante a COP não tenham relação direta com a energia – serviu
involuntariamente como um aperitivo indigesto do custo de vida global se vierem
a prevalecer as políticas energéticas exigidas pelo ambientalismo radical.
Sintomaticamente, a COP avançou justamente
onde há realismo: adaptação, proteção florestal baseada em incentivos, métricas
para resiliência e financiamento híbrido. Não é coincidência. Mais do que
cortar emissões a qualquer custo, as nações querem fortalecer infraestrutura,
saúde, saneamento, redes elétricas – elementos que, de fato, reduzem
vulnerabilidades. A inflexão do tecnólogo e filantropo Bill Gates simboliza a
ascensão de uma nova agenda climática, que coloca energia abundante, inovação
tecnológica e desenvolvimento no centro.
O eixo que ganha força – e que a COP, ainda
que a contragosto, confirmou – é simples: a transição energética só será viável
se for barata, segura e politicamente vendável. Isso exige inovação maciça,
barateamento tecnológico e crescimento. Países em desenvolvimento – que cada
vez mais responderão pela esmagadora maioria das emissões – não serão
convencidos por metas abstratas, mas por benefícios concretos: empregos,
eletricidade confiável, agricultura forte.
Dizia-se que a COP-30 seria a “COP da
Verdade”. E foi. Não a verdade idealizada pelo radicalismo ambiental, e sim a
verdade vivida pelo mundo real. Mesmo as previsíveis falhas de infraestrutura
serviram para mostrar ao mundo as necessidades sociais urgentes de populações
pobres, como as da região amazônica. O que realmente fracassou foi a fantasia
de que cúpulas de elite poderiam decretar, por chantagem moral, uma mutação
histórica na oferta de energia sem antes resolver questões elementares de
engenharia, capital e tempo. Quando o debate abandonar o pensamento mágico da
“eliminação” dos fósseis e voltar a se orientar por prosperidade, tecnologia e
realismo energético, o multilateralismo deixará de parecer impotente – e recuperará
sua utilidade.
A caixa-preta dos fundos de servidores
Por O Estado de S. Paulo
Os investimentos temerários em títulos do
Banco Master por essas entidades demonstram que aprimorar a sua governança é
tarefa urgente, para o bem dos próprios funcionários públicos
O caso do Banco Master certamente terá ainda
muitos desdobramentos em vários âmbitos. Um deles, que não poderá faltar, é a
governança dos fundos de Estados e municípios, também conhecidos como Regimes
Próprios de Previdência Social (RPPS). Descobriu-se que várias dessas entidades
aplicaram quantias astronômicas em títulos do Banco Master, caracterizando uma
gestão temerária, para dizer o mínimo.
Instituídos pela Lei n.º 9.717, de 27/11/1998,
os RPPS são os veículos que permitem aos funcionários públicos das três esferas
de poder fazerem a sua poupança previdenciária complementar, o que se tornou
especialmente importante depois que várias legislações estabeleceram tetos para
a aposentadoria do funcionalismo, sendo que o complemento viria das
contribuições dos próprios funcionários públicos a essas entidades. Note-se,
portanto, a importância da boa gestão desses recursos.
Boa gestão que, com certeza, não se viu no
caso da compra de títulos do Banco Master. Não que não se possa errar na
escolha dos investimentos. Afinal, pela sua própria natureza, todo investimento
tem risco – não existe almoço de graça. Mas o que se exige do gestor é que
administre o dinheiro de terceiros com a prudência com que faria a gestão dos
seus próprios recursos. Não é o que se viu no caso dos RPPS que tinham títulos
do Banco Master em suas carteiras de investimento.
O caso mais grotesco é o do Rioprevidência,
RPPS dos funcionários do Estado do Rio de Janeiro. O montante em títulos do
Banco Master somava quase R$ 1 bilhão, o que representa cerca de 10% do
patrimônio da entidade no final de 2024. Quem, em sã consciência, aplicaria 10%
da sua carteira em um único investimento, ainda mais sendo títulos de um banco
pequeno e com práticas para lá de arriscadas?
Mas o Rioprevidência não está só. Segundo
reportagem do Estadão,
outros 17 fundos de Previdência de Estados e municípios aplicaram recursos em
títulos do Banco Master. Uma dessas entidades, o RPPS de Maceió, afirmou em nota
que “os títulos do Master representam menos de 10%” do total do patrimônio da
entidade. Inacreditável. Como se “menos de 10%” fosse prova de gestão prudente,
e não o contrário.
Agora, algumas dessas entidades querem jogar
o prejuízo causado por suas decisões na conta da viúva. Em nota, o
Rioprevidência afirmou que vai tentar converter essas aplicações em precatórios
federais. Era só o que faltava. De qualquer forma, o rombo causado pela incúria
deverá recair sobre os funcionários públicos ou sobre os contribuintes de cada
unidade da Federação, a depender de quem for chamado a cobrir o prejuízo.
Algumas dessas entidades podem ter sido
levadas a investir em títulos do Banco Master por simplesmente seguirem regras
internas de leilão de taxas, como se a gestão de investimentos pudesse ser
feita seguindo a mesma lógica de certames de contratação de serviços pelo poder
público. Outras entidades podem ter tido motivações menos republicanas para
entrarem nesse tipo de operação. Mas um fato é inescapável: todas, de uma forma
ou de outra, mostraram falhas imperdoáveis de governança.
Como contraste, não houve registro de nenhum
fundo de pensão ligado a empresas, sejam estatais ou privadas, que tivessem
investido em títulos do Banco Master. Mesmo os fundos de pensão estatais – que
já serviram, em várias ocasiões, como veículos de decisões de investimentos
duvidosos por motivações políticas – neste caso mostraram uma governança
exemplar. Essas entidades são supervisionadas pela Previc, um órgão federal, ao
passo que os RPPS respondem aos governos e tribunais de contas regionais,
abrindo espaço para a influência política nas decisões de investimento.
Pela sua própria natureza, o patrimônio dos
RPPS pode servir como instrumento financeiro nas mãos de políticos
inescrupulosos, ou como fonte de recursos para funcionários corruptos. É tarefa
urgente rever a governança dessas entidades. Essa é uma agenda que os próprios
funcionários públicos afetados deveriam abraçar.
A bola do INSS está com Lula
Por O Estado de S. Paulo
Presidente tem de sancionar o fim do desconto
de contribuições a sindicatos nos benefícios
Desde que foi aprovado pelo Senado, no dia 12
passado, o projeto de lei que proíbe descontos de contribuições a sindicatos e
associações nos benefícios do INSS aguarda sanção do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva. Para que não restem dúvidas sobre o impedimento da cobrança em
folha de qualquer valor, o artigo 6.º do PL ressalta que a dedução é vetada
“ainda que com autorização expressa do beneficiário”.
A caneta presidencial deve estar pesando na
mão do ex-sindicalista Lula, mas o fim dos descontos automáticos em
aposentadorias e pensões é a medida mais contundente no combate a fraudes como
as verificadas no recente escândalo do INSS. Não há como ignorar que 97% das
vítimas do golpe disseram que não autorizaram o desconto, como mostrou
auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU).
A Coluna
do Estadão noticiou recentemente que o presidente foi
aconselhado a não vetar a medida, apesar da avaliação corrente no Palácio do
Planalto de que o projeto seria uma tentativa da direita de sufocar o movimento
sindical. Ora, não é preciso muito esforço para isso: foram os próprios
sindicatos que perderam relevância ao atuarem como braços de partidos
políticos, sobretudo do PT, em vez de representarem os trabalhadores.
Lula, em sua época de metalúrgico do ABC
paulista, nos idos da década de 1970, defendia maior independência dos
sindicatos para combater o que classificava de camisa de força do peleguismo.
Era, então, contra a contribuição obrigatória que alimentava o sindicalismo de
Estado.
Mas os tempos mudaram, e a extinção da
contribuição compulsória, enfim sacramentada na reforma trabalhista de 2017,
teve forte oposição do PT, que denunciava a intenção de liquidar os sindicatos.
Era a desculpa ideal para quem já não conseguia ter relevância no mundo do
trabalho, que passava por substancial transformação em razão de novas
tecnologias que deram liberdade ao trabalhador e revolucionaram sobretudo o
setor de serviços.
Segundo o IBGE, o total de trabalhadores
sindicalizados passou de 8,4% (8,3 milhões de pessoas) em 2023 para 8,9% (9,1
milhões) no ano passado, o que demonstra que os sindicatos podem ser relevantes
sem que os trabalhadores sejam obrigados a sustentá-los. Mesmo o batalhão de
motoristas por aplicativo e microempreendedores individuais precisa se agrupar
em associações e outras entidades de classe para ser capaz de defender seus
interesses, mas o modelo sustentado por contribuições compulsórias parece
esgotado. Por isso, o desconto no benefício de aposentados do INSS em favor de
sindicatos se tornou uma espécie de balão de oxigênio para sindicatos
moribundos.
Até o fim de outubro, 3,4 milhões de beneficiários vítimas da fraude do INSS haviam aderido ao acordo de ressarcimento, mas este é o típico caso em que indenizar apenas não basta. Impedir a dedução automática é uma forma de o governo comprovar empenho em proteger os cidadãos contra novos abusos.
Método de decisão das COPs é insuficiente
para deter aquecimento
Por Valor Econômico
As decisões nas COPs têm de ser tomadas por consenso, em um mundo em que a polarização faz enormes estragos
A COP30, conferência do clima em Belém, fez a
diferença não pelo que conseguiu decidir em relação às reuniões anteriores, mas
pelo que tentou conseguir: aprovar um roteiro claro para reduzir a queima de
combustíveis fósseis, responsável por 80% das emissões, e eliminar o
desmatamento. Pode parecer surpreendente, mas quase três décadas se passaram
até que se chegasse, em Dubai (COP28), a uma conclusão que é a razão de ser
desses encontros, ter uma solução para dar um fim ao principal responsável
pelas emissões de CO2 na atmosfera. Ainda assim, a “transição para longe” dos
fósseis, frase apressada arrancada a fórceps em Dubai, sumiu no ano seguinte. A
Presidência brasileira fez a coisa certa: tornou-o o objetivo principal a ser
perseguido, ao lado do fim do desmatamento. Fracassou por oposição de muitos
países, grandes e pequenos — não há sequer menção aos combustíveis fósseis na
declaração final. Enquanto isso, o limite traçado pelo Acordo de Paris, de
aumento de temperatura não superior a 1,5° C, está sendo ultrapassado, sem que
o senso de urgência requerido permeie as COPs.
As discussões decisivas sobre redução gradual
do uso de combustíveis fósseis, porém, não estavam na pauta oficial da COP, por
incrível que possa parecer. Nem o desmatamento, mesmo que a COP se realizasse
diante de uma das vítimas principais do aquecimento global, a floresta
amazônica. O avanço nessas questões seria uma mudança de jogo na inércia
decisória das conferências. Após 30 anos de debates e progressos, a COP30 foi
demonstração importante de que o multilaterialismo sobrevive e de que o mundo
precisa dele. Mas é uma virtude duvidosa apontar que sem o Acordo de Paris a
temperatura projetada para 2100 seria 4° C superior ao nível pré-industrial, e
não de 2,3° C a 2,5° C de hoje — em ambas as situações a Terra estará muito
perto de se tornar ambiente hostil à vida humana.
O Brasil conseguiu arrastar cerca de 80
países, dos 194 na conferência, para a intenção de criar um caminho para cortar
o uso dos combustíveis fósseis. Mas as decisões nas COPs têm de ser tomadas por
consenso, em um mundo em que a polarização faz enormes estragos. Ainda assim, a
Presidência brasileira levará adiante uma reunião em abril para organizar a
discussão e a ação. Da mesma forma, diante do impasse sobre a eliminação do
desmatamento e da eterna reticência do financiamento pelos países
desenvolvidos, o Brasil lançou um expediente criativo de obter recursos
públicos e privados para manter as florestas em pé e evitar sua destruição, as
TFFF (Fundo Florestas Tropicais para Sempre).
A ausência dos Estados Unidos não diminuiu o
número de países participantes do Acordo de Paris, embora não lhe tenha dado
maior fôlego decisório. A China teve papel discreto e ajudou a obstruir a
proposta sobre combustíveis fósseis ao lado de Índia e Rússia, todos membros
fundadores do Brics. O presidente Lula teve participação que supreendeu a
todos, indo duas vezes a Belém e reiterando a necessidade de um cronograma para
que o planeta fuja dos combustíveis fósseis. A atitude, no final, não é
incoerente com sua pregação pela exploração de petróleo na Margem Equatorial. O
presidente, auxiliado pela ministra Marina Silva, é a favor da ideia, mas desde
que todos os países a adotem, inclusive os produtores de petróleo. Não faria
sentido uma atitude inócua de o Brasil ser o único país a abandonar a
exploração e os outros, não.
Não apenas as principais questões que estavam
fora da pauta não avançaram, mas também as que nela estavam. A discussão sobre
barreiras ambientais protecionistas, como a da taxa de carbono europeia,
criticada pela China e muitos outros países, não saiu do lugar. No comunicado
final, planeja-se uma reunião de “alto nível” para debater o assunto, embora a
União Europeia passe a cobrar a taxa na virada do ano. Finanças, o fantasma das
COPs, pouco evoluiu. Mais uma vez foi feito um apelo a que os países
desenvolvidos elevem sua contribuição para US$ 300 bilhões ao financiamento
climático. A demanda para que eles triplicassem os recursos oferecidos para
adaptação foi aceita, sem que, entretanto, conste quanto de fato esteve
disponível para essa finalidade e quanto seria o triplo dessa incógnita.
Houve progressos na inclusão dos oceanos no
centro dos debates e ampliação de metas para protegê-los. Fiel ao espírito de
Belém, onde houve participação das comunidades locais, indígenas e quilombolas,
a COP30 reconheceu o papel da sociedade civil como agente indispensável e
beneficiário do combate às mudanças climáticas. O conceito de transição justa,
inclusiva e participativa foi detalhado.
Quase um terço de século depois, há urgência em rever o método de decisões das COPs por consenso. O mínimo denominador comum de ações climáticas aceitas revelou-se absolutamente insuficiente para conter o aquecimento global. Os maiores poluidores mundiais, China, EUA, Índia (que sequer atualizou suas metas) e Rússia, passam ao largo das decisões, que, por sinal, não são mandatórias. É preciso mudar isso, sob risco de as COPs se tornarem irrelevantes.
Violência doméstica afeta mulheres e crianças
pretas ou brancas
Por Correio Braziliense
A maioria dos atos de brutalidade contra as
mulheres, independentemente de raça/cor, ocorreu na frente de crianças. Em 40%
dos episódios, nenhuma testemunha ofereceu ajuda
Hoje, Brasília será palco da 2ª Marcha
das Mulheres Negras do Brasil, que levará para a Esplanada dos
Ministérios o tema "A reparação e o bem-viver", uma
reivindicação para que haja equidade nas políticas públicas. São
esperadas mais de 300 mil mulheres de todo o país. Ontem, véspera desse
grande evento, foi divulgada a 11ª edição da Pesquisa Nacional de
Violência contra Mulher, deste ano, realizada pelo Instituto DataSenado e
pela Nexus, em parceria com o Observatório da Mulher contra Violência
(OMV), que entrevistou 3,7 milhões de brasileiras. Embora a pesquisa não tenha
trazido dados específicos sobre às afrodescendentes, elas são maioria não só na
população feminina, mas também em número de vítimas das mais diversas formas
agressões.
Segundo a pesquisa, a maioria dos atos de
brutalidade contra as mulheres, independentemente de raça/cor, ocorreu na
frente de crianças. Em 40% dos episódios, nenhuma testemunha ofereceu ajuda. A
sondagem deste ano teve como foco mulheres com 16 anos ou mais, residentes no
país, em um universo de 21.641 entrevistadas.
"Essa foi a primeira vez em que a
pesquisa investigou a presença de outras pessoas no momento da agressão. O fato
de 71% das mulheres serem agredidas na frente de outras pessoas e, dentre esses
casos, sete em cada 10 serem presenciados por pelo menos uma criança, mostra
que o ciclo de violência afeta muitas outras pessoas além da mulher
agredida", ressaltou Marcos Ruben de Oliveira, do Instituto de Pesquisa
DataSenado.
Mais da metade das agredidas (58%) buscou o
apoio com os familiares; 53% recorreram à igreja e 52% buscaram conforto com
amigos, antes de recorrer ao poder público. Só 28% registraram um Boletim de
Ocorrência em delegacias da Mulher, e 11%, apelaram para a central de
atendimento pelo Ligue 180. A pesquisa evidenciou que a maioria das
vítimas da violência doméstica no país tem baixa renda, pouca escolaridade e
desconhece as leis e os mecanismos de proteção contraas agressões — 30% são
analfabetas e 20% têm ensino fundamental incompleto. Na média geral, 67% das
brasileiras conhecem pouco a Lei Maria da Penha, 11% admitiram desconhecer
e 21% disseram conhecer bem a legislação. No período entre 2023 e
2025, a Delegacia da Mulher era o órgão com maior índice de conhecimento das
mulheres, seguida pela Defensoria Pública e serviços de assistência
social.
As respostas colhidas pela pesquisa sugerem a necessidade de as políticas públicas promoverem a divulgação dos mecanismos de proteção das mulheres, uma vez que a moradia é um dos lugares mais perigosos . Mas, além disso, é preciso criar meios de reeducar os para evitar que os homens agressores cometam um ato letal contra a mulher, antes agredida, como vingança, pelo tempo de privação de liberdade, elevando o número de feminicídios. A 18ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública evidenciou que 64,3% desse tipo de crime ocorre dentro de casa. Quanto a crianças e adolescentes, é essencial um acolhimento adequado para mitigar os traumas provocados pelas cenas de violência no ambiente familiar e impedir que reproduzam o mesmo comportamento deplorável na juventude e na fase adulta. Boa educação é fundamental para combater qualquer ato de violência.
Polícia Federal investiga possível fraude no
Enem
Por O Povo (CE)
As eventuais falhas não reduzem a importância
do Exame Nacional do Ensino Médio, nem comprometem a sua credibilidade
Suspeita de que teria havido antecipação de
questões aplicadas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) levou ao
cancelamento de três itens nas provas deste ano. As questões similares foram
divulgadas em vídeo no Youtube por Edcley Teixeira, estudante de Medicina da
Universidade Federal do Ceará (UFC), em Sobral (243 km de Fortaleza). Ele atua
em ambientes virtuais como professor e orientador voltado para as provas do
Enem. A Polícia Federal foi acionada e fez buscas na casa dele, levando
material para análise.
Segundo o estudante de Medicina, seria
possível "prever" algumas questões participando do
"pré-teste" do Enem, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), como ele fez. Edcley disse que
não é exigido nenhum termo de sigilo dos participantes e que não há nem aviso
verbal quanto a isso.
Ele afirma que as três perguntas anuladas no
Enem 2025 estavam no Prêmio Capes Talento Universitário, promovido pelo
Ministério da Educação (MEC), do qual ele participou, no ano passado. O
estudante diz que não existe nenhum termo de sigilo para quem faz o pré-teste
do Enem, e também nega que tenha praticado algum tipo de fraude.
Em entrevista ao programa Fantástico, da Rede
Globo, o presidente do Inep, Manuel Palácios, afirmou não haver "qualquer
risco" de fraude no Enem, mesmo com a investigação da PF sobre o uso de
itens do pré-teste no exame.
O ministro da Educação, Camilo Santana,
reforçou que nenhum estudante será prejudicado devido à anulação das questões.
Essa não é a primeira vez que itens são
cancelados em uma prova do Enem. Nos seus 27 anos de existência, houve vários
casos de anulação de perguntas. A situação mais grave aconteceu em 2009, o
primeiro ano no atual formato, quando o Enem foi cancelado, após comprovado o
vazamento das provas dois dias antes de sua aplicação.
O Exame Nacional do Ensino Médio nasceu como
uma prova para avaliar o conhecimento dos estudantes brasileiros, que se tornou
a principal porta de entrada dos estudantes para o ensino superior em instituições
públicas e privadas. Neste ano 4,81 milhões de pessoas se inscreveram no exame,
das quais 3,5 milhões compareceram para fazer as provas.
No entanto, é preciso deixar claro que as eventuais falhas não reduzem a importância do Enem, nem comprometem a sua credibilidade. O Inep sempre procura aperfeiçoar os mecanismos de segurança para garantir justiça e equidade na aplicação das provas. Assim, é preciso que a Polícia Federal investigue com rigor para esclarecer se houve algum tipo de fraude, de modo a punir eventuais responsáveis.

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