quarta-feira, 26 de novembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Placas tectônicas sob o conflito entre governo e Congresso

Por Folha de S. Paulo

Orçamento, inclinação do centrão por Tarcísio, impopularidade de Lula e coalizão frágil permeiam choques

Mesmo desgastado, Lula pode ser reeleito e precisar do Congresso para reformas difíceis e imprescindíveis que estão sendo adiadas

Atritos e tensões entre Palácio do Planalto e Congresso Nacional são comuns no presidencialismo brasileiro, dadas as dificuldades em gerir coalizões num sistema político fragmentado em mais de duas dezenas de partidos de escasso conteúdo programático. Entretanto há motivos para crer que hoje esteja em curso algo além das velhas barganhas por cargos e verbas.

Já seria digno de nota o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estar em conflito, simultaneamente e por motivos diferentes, com os presidentes da Câmara dos DeputadosHugo Motta (Republicanos-PB), e do SenadoDavi Alcolumbre (União Brasil-AP).

No primeiro caso, os petistas se enfureceram com a decisão de Motta de entregar a relatoria do projeto governista de combate a facções criminosas ao opositor Guilherme Derrite (PP), até então secretário da Segurança Pública na gestão paulista de Tarcísio de Freitas (Republicanos), potencial candidato pela direita à sucessão de Lula.

O desgaste chegou ao ponto de o chefe da Câmara anunciar, na segunda-feira (24), o rompimento com o líder do PT na CasaLindbergh Farias (RJ).

Já Alcolumbre não se conformou com a indicação de Jorge Messias para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal, na qual Lula privilegiou um auxiliar de confiança em vez de ceder à pressão corporativista pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Abaixo da superfície, há movimentos tectônicos menos estridentes, porém mais duradouros.

Não apenas o Congresso assumiu maiores poderes nos últimos anos, em especial sobre o Orçamento, como o centrão —o nome genérico dos partidos fisiológicos que lá dão as cartas— elevou o preço pelo apoio a governos e quer ocupantes do Planalto mais confiáveis que Jair Bolsonaro (PL), já neutralizado, e Lula. Não é segredo que o grupo gostaria de apoiar Tarcísio em 2026.

Em seu terceiro mandato, o cacique petista manteve o mesmo modelo de coalizão de seus governos de mais de uma década atrás, entregando às legendas aliadas pouco além de postos periféricos na administração.

Pior, com a queda da popularidade presidencial e sucessivos reveses legislativos, líderes e militantes do PT e de seus satélites à esquerda passaram a expor crescente hostilidade ao Congresso —tachado, ao estilo populista, de inimigo dos interesses populares.

Tal animosidade é especialmente preocupante tratando-se de um presidente da República que, mesmo desgastado, tem boa probabilidade de conseguir outro mandato —e de precisar do Congresso para reformas orçamentárias difíceis e imprescindíveis que estão sendo adiadas agora.

Claro, em política nada é definitivo, e um Lula reeleito pode fixar novas bases de diálogo e negociação com os parlamentares. Essa tarefa, todavia, seria mais simples com votações consagradoras para o incumbente e seu partido, o que não parece o cenário mais plausível no momento.

Padrões globais do feminicídio

Por Folha de S. Paulo

Parceiros ou parentes cometem 60% desses assassinatos no mundo; taxa nas Américas cai pouco desde 2010

No Brasil, foram registrados 1.492 casos em 2024, maior número já medido; violência gradual, que leva ao crime, exige ações integradas

De cerca de 83 mil mulheres e meninas assassinadas no mundo em 2024, quase 50 mil (60%) foram vítimas de parceiros íntimos ou familiares —enquanto entre os homens esse índice não passa de 11%.

Essa diferença de perpetradores e locais dos crimes contra a vida de acordo com o gênero é conhecida e exige políticas específicas para as mulheres.

Os dados estão no relatório do Escritório contra as Drogas e o Crime das Nações Unidas (Unodoc), divulgado nesta segunda-feira (24), que apresenta estimativas globais de feminicídios (quando a motivação se relaciona ao sexo da vítima).

Os números são um pouco menores do que os de 2023 (51,1 mil num total de 85 mil), mas o órgão da ONU informa que essa leve redução se deve a diferenças na disponibilidade de dados em nível nacional.

Aponta ainda que só em dois continentes é possível avaliar tendências temporais entre 2010 e o ano passado, porque apresentam informações anuais confiáveis.

Na Europa, houve queda no período, com a taxa de feminicídios cometidos por parceiros ou familiares a cada 100 mil mulheres passando de 0,8 a 0,5; já nas Américas a relação ficou praticamente estável (1,6 a 1,5).

Considerando apenas o ano de 2024, a África lidera o ranking nefasto com taxa de 3,0, seguida por Américas (1,5), Oceania (1,4), Ásia (0,7) e Europa (0,5).

No Brasil, onde a tipificação de feminicídio foi instituída em 2015, foram registrados 1.492 casos desse tipo de crime em 2024, alta de 1,2% ante 2023 e o maior número da série iniciada em 2016, quando cerca de 900 foram computados, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Levantamento do Instituto Sou da Paz mostra alta de 9,2% do número de feminícidios cometidos de janeiro a agosto deste ano (166) em relação ao mesmo período do ano passado (152) no estado de São Paulo. Trata-se de recorde na série histórica iniciada em 2015. Do total nos primeiros oito meses de 2025, 110 ocorreram em residências, 42 em via pública e o restante em outros locais.

O feminicídio é o ponto culminante de um processo de violência paulatina que passa por abusos psicológicos e físicos e restrições financeiras perpetrados principalmente por parceiros.

Tal dinâmica exige ações interdisciplinares para que se evite o ato letal, como programas de conscientização nas escolas, protocolos de atendimento no sistema de saúde para detectar riscos potenciais e fortalecimento da rede de denúncia e de mecanismos de suporte a mulheres que precisam abandonar seus lares.

Irresponsabilidade institucional

Por O Estado de S. Paulo

A Constituição é clara ao fixar que cabe ao presidente da República indicar ministros ao STF, prerrogativa que o presidente do Senado tentou usurpar à luz do dia, na base da chantagem

A indicação de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) é prerrogativa exclusiva do presidente da República, conforme se lê em nada menos que três artigos da Constituição (52, 84 e 101). Ao Senado, segundo esses mesmos artigos, cabe aprovar ou rejeitar a indicação, depois de sabatinar o candidato. Nada mais.

Contudo, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), parece entender que tem o poder de nomear ministros do STF. Sem que nada o autorize a fazê-lo – nem a Constituição, nem os códigos morais, nem os valores republicanos –, Alcolumbre quis forçar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a indicar um protegido seu, o também senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). E o fez sem qualquer sutileza, tentando usurpar à luz do dia a competência presidencial.

Como Lula não cedeu e indicou para a vaga no STF o advogado-geral da União, Jorge Messias, Alcolumbre partiu para a vendeta e passou a ameaçar o Palácio do Planalto com a ingovernabilidade. Como apurou o Estadão, Alcolumbre disse a amigos que, a partir de agora, será “um novo Davi” e mostrará a Lula “o que é não ter o presidente do Senado como aliado”.

Como aperitivo, Alcolumbre pautou – e conseguiu aprovar – o projeto que concede aposentadoria especial a agentes comunitários, um despautério político e fiscal que já reprovamos no editorial Demagogia previdenciária (12/10/2025) e que vai impor custos bilionários ao governo. É uma tremenda irresponsabilidade por parte do presidente do Senado.

A atitude de Alcolumbre, contudo, deve ser lida para além dos interesses particulares do senador. Trata-se de mais um movimento de expansão dos poderes do Congresso sobre o Executivo. Os parlamentares hoje dispõem de substancial parcela da dotação discricionária do Orçamento, da qual fazem uso sem qualquer compromisso com políticas públicas coordenadas pelo governo federal. Ou seja, desfrutam do bônus do dinheiro do contribuinte sem o ônus político da gastança, que recai quase todo sobre o Executivo.

Agora, a julgar pelo comportamento do presidente do Senado, a intenção é dobrar o presidente à vontade dos parlamentares também em relação ao Judiciário. Isso não acontece por acaso.

Consolidou-se no Brasil a percepção de que o STF é um poderoso ator no jogo político, frequentemente chamado a mediar disputas que deveriam se limitar ao Congresso. Daí que as indicações ao Supremo têm respeitado essa característica: já não importa muito se o nomeado tem “notável saber jurídico”, e sim que possa atuar em favor do grupo político do presidente da República. Jair Bolsonaro e Lula, cada qual à sua maneira, contribuíram para essa degeneração ao escolherem nomes que, em vez de uma trajetória jurídica incontestável, demonstraram lealdade pessoal ao governante de turno.

É nessa conjuntura que o Senado, na figura de seu presidente, pretende deixar de ser apenas a instituição que chancela as escolhas ao Supremo para ter o poder de definir a composição da Corte. Por essa razão, somos obrigados a dizer que Lula fez bem em bater o pé e bancar Messias como seu nomeado, mesmo sob risco de provocar a ira de Davi Alcolumbre. Ao fazê-lo, Lula não permitiu que o Senado avançasse sobre as atribuições exclusivas do presidente da República.

Se está descontente com a indicação de Messias, o Senado e seu presidente, em particular, têm todos os meios republicanos para fazer valer a insatisfação. Basta sabatinar e avaliar o indicado, podendo rejeitá-lo caso considere que Messias não preenche os requisitos constitucionais. Mas o que se viu nos últimos dias ultrapassa o campo legítimo da divergência institucional e descamba para a extorsão.

As ressalvas ao nome de Messias, insista-se, permanecem válidas. Porém, o que está em questão é algo maior do que seu perfil: é a integridade do arranjo institucional estabelecido pela Constituição, que fixa claramente a quem cabe indicar e a quem cabe sabatinar futuros ministros do STF.

Amazônia dominada pelo crime

Por O Estado de S. Paulo

O Brasil descobre que quase metade da cidades amazônicas está sob o jugo de criminosos, enquanto nenhuma ação eficaz ou proposta legislativa oferece uma solução para a segurança da região

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) apresentou recentemente a quarta edição da pesquisa Cartografias da Violência na Amazônia com um preocupante diagnóstico da presença das facções criminosas no maior bioma do País.

Segundo o levantamento, há 17 organizações criminosas identificadas na Amazônia Legal, a região que compreende nove Estados do Norte, Centro-Oeste e Nordeste. E, para terror dessa população, vai se consolidando o poder do Comando Vermelho (CV) e do Primeiro Comando da Capital (PCC) sobre os municípios locais.

Em 2023, a facção fluminense estava presente em 128 municípios e, neste ano, domina 286 cidades da Amazônia Legal. Já o bando paulista perdeu 3 municípios e hoje comanda o crime em 90. De acordo com o estudo, nada menos do que 344 dos 772 municípios brasileiros da região, quase a metade deles, estão sob alguma influência de uma organização criminosa, o que expõe a derrota do Estado no controle de seus territórios.

Rumo ao norte do Brasil, as facções abrem novas rotas do tráfico de drogas para abastecer tanto o mercado interno como o externo, sobretudo com a cocaína produzida na Colômbia, no Peru e na Bolívia. Mas não só isso: essas organizações avançam sobre uma variada e lucrativa rede de negócios lícitos e ilícitos, como o garimpo de ouro, a extração de madeira e a pesca ilegais, para lavar, assim, o dinheiro oriundo do crime.

Na prática, a expansão das facções causa múltiplos e complexos problemas à população local. Primeiramente, como já afirmou o presidente do FBSP, Renato Sérgio de Lima, os trabalhadores passam a depender economicamente do submundo, haja vista que, com a atuação em tantas atividades, o crime organizado virou o maior empregador na Amazônia.

E, além de subjugar a população na geração de renda, o crime organizado ainda impõe o medo na floresta, nos rios e nas cidades. O crescimento dos bandos do Sudeste na região e a convivência com os grupos locais, por óbvio, não se dão de forma pacífica, o que vitimiza ainda mais os amazônidas.

Prova disso é que, segundo a pesquisa do FBSP, em 86 cidades há alguma disputa entre facções. São intensos os conflitos entre os bandos, agravando um cenário de guerra, o que impacta os indicadores de violência. Para se ter uma ideia, a taxa de homicídios na Amazônia Legal é de 27,3 assassinatos por 100 mil habitantes, 31% acima da média nacional.

E não bastassem os impactos do crime na economia e na segurança, a Amazônia Legal vive agora uma crise de saúde pública e humanitária, com o aumento do consumo de entorpecentes. Antes fenômenos dos grandes centros urbanos, minicracolândias pululam na região, onde usuários consomem uma droga ainda mais viciante que o crack. Trata-se do “óxi”, ou oxidado: um restolho da cocaína misturado a cal, querosene, gasolina e outros solventes, e que é destinado aos mais miseráveis.

Como bem destacam os pesquisadores do FBSP, existe hoje na Amazônia Legal uma perigosa sobreposição de crimes, violência e ilícitos ambientais. Isso tudo, por óbvio, demanda uma reação coordenada, inteligente e ostensiva de municípios, Estados e União no combate ao crime organizado na região a fim de promover o desenvolvimento sustentável e proteger o meio ambiente.

Por isso é justo perguntar quais são as políticas públicas eficazes ou as propostas legislativas relevantes que tenham tratado do enfrentamento do crime organizado na Amazônia Legal.

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva e o Congresso neste momento discutem uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública e um projeto de lei antifacção. Mas não há nessas iniciativas nenhuma linha com ações voltadas exclusivamente aos dilemas da Amazônia, onde, como todos sabem, o crime mais cresce, prospera e lucra.

Tamanha negligência das autoridades, mais preocupadas decerto com o calendário eleitoral, e as degenerações causadas pelo crime organizado põem em risco a soberania e a estabilidade do Estado brasileiro, as liberdades econômicas e o ambiente de negócios, a segurança e a saúde públicas da população – e, no limite, a própria democracia.

Para aplaudir de pé

Por O Estado de S. Paulo

Teatro de alto nível em Heliópolis mostra que barreiras sociais e culturais podem ser derrubadas

A construção de uma sofisticada sala de concerto na favela de Heliópolis é uma ousadia que aposta na capacidade dos moradores da região de apreciar a boa arte apesar da precariedade do mundo em que vivem.

O Teatro Baccarelli, que foi inaugurado ontem, é parte do investimento de quase três décadas na ideia segundo a qual as crianças e os jovens de Heliópolis, a maior favela de São Paulo em tamanho de território, podem se interessar por música e, a partir dessa formação, ter sonhos – algo fundamental que costuma se perder na dureza implacável da vida em regiões como essa.

Não se trata de milagre nem de favor, e sim de consciência cidadã e muito trabalho – persistente e constante, não sujeito aos humores da política e dos governos que vêm e vão e que se desinteressam pela continuidade de projetos dessa natureza. A entidade por trás dessa iniciativa é o Instituto Baccarelli, idealizado pelo maestro Silvio Baccarelli, falecido em 2019, depois de um incêndio que devastou Heliópolis, em 1996. Com ajuda de filantropos como o empresário Antônio Ermírio de Moraes, foi criada então a Orquestra Sinfônica Heliópolis, em torno da qual se ergueu todo o projeto social que hoje ganha sua própria casa de espetáculos.

Com o Teatro Baccarelli, os jovens músicos de Heliópolis terão à sua disposição o que há de melhor em termos de estrutura para se apresentar. A qualidade acústica da sala está sendo comparada com a de espaços como a Sala São Paulo e o Teatro Cultura Artística. São 533 lugares e 1,3 mil metros quadrados de área construída. O local não servirá somente à orquestra, mas também a outras manifestações artísticas, como o rap e o funk, além de espetáculos de dança, óperas e musicais.

Não foi um investimento trivial. O teatro custou R$ 48 milhões, que vieram por meio de captação de R$ 32 milhões via Lei Rouanet, além de R$ 8 milhões do governo paulista e o restante por meio de doações de pessoas físicas, empresas e entidades.

A ideia do Instituto Baccarelli é priorizar as vendas de ingressos na bilheteria, antes de serem disponibilizados pela internet, por dois motivos: facilitar o acesso dos moradores de Heliópolis ao teatro e ainda atrair visitantes à favela. Como disse o maestro Edilson Ventureli, CEO do Instituto Baccarelli, é preciso levar à favela aqueles que têm “poderes político, econômico e pensante” para derrubar “preconceitos”.

Em todos os aspectos, é uma iniciativa a ser efusivamente aplaudida – não só porque cria entre os moradores de Heliópolis um forte sentimento de pertencimento e orgulho do lugar em que vivem, malgrado ser uma favela, mas porque convida os demais paulistanos a conhecer de perto uma região da cidade que não costuma constar dos itinerários culturais da elite. Por tudo isso, o sofisticado Teatro Baccarelli é antes de mais nada uma lição que precisa ser aprendida por quem administra a cidade: as barreiras sociais e culturais não são um destino e podem ser derrubadas, com graça e beleza.

É preciso investigar por que atiradores amadores compram tanta bala de fuzil

Por O Globo

Dois terços das cargas para a arma de guerra preferida de facções criminosas foram comprados por CACs

É uma anomalia a quantidade de munição de guerra vendida legalmente a atiradores amadores no Brasil. Colecionadores, atiradores desportivos e caçadores, grupo conhecido como CACs, compraram quase dois terços (949 mil) do 1,4 milhão de cargas para fuzil vendidas a civis nos seis primeiros meses do ano. São 5.270 por dia, ou mais de três por minuto.

O número já despertaria atenção se englobasse qualquer munição, mas diz respeito apenas a uma arma de guerra, a preferida do crime organizado. Outro dado preocupante: a estatística só inclui munição para os calibres de fuzil mais usados por organizações criminosas. Para comparação, segundo dados levantados junto ao Exército pelo Instituto Sou da Paz, os CACs compraram 52% dos 104 milhões de cargas de munição comum. É um percentual já alto, mas bem inferior aos 67% da munição de guerra. É preciso investigar o óbvio: para que tanta bala de fuzil?

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem tentado controlar o armamentismo incentivado na gestão Jair Bolsonaro. Houve restrições para novos registros de CAC, clubes de tiros e lojas de armas. Mas, mesmo com normas mais restritas a partir de 2023, o controle ainda é falho. O próprio Tribunal de Contas da União (TCU) detectou no ano passado 2 milhões de munições adquiridas com uso de documentos falsos, registros inválidos e até CPFs de mortos.

Armas e munições compradas legalmente por CACs vão com frequência parar na mão de bandidos. Num caso que ganhou destaque, em janeiro de 2022 a Polícia Civil e o Ministério Público do Rio encontraram numa casa 26 fuzis e outras armas avaliados em R$ 1,8 milhão. O material pertencia a um colecionador que, segundo as investigações, comprava armamento em lojas legalizadas com o intuito de revendê-lo ao Comando Vermelho. Outro caso no Maranhão constatou o uso de laranjas no desvio de até 60 toneladas de munição para quadrilhas do Norte e Nordeste. Os desvios se multiplicam.

No fim de outubro, a megaoperação das polícias do Rio nos complexos do Alemão e da Penha evidenciou o poder bélico das facções. Bandidos sustentaram 18 horas de tiroteio sem faltar munição. Na ocasião, foram apreendidos quase cem fuzis. Outros tantos permanecem nas mãos das quadrilhas. Permitir que bandidos travestidos de CACs comprem armas e munição para vender ao crime organizado é um contrassenso, uma vez que a polícia gastará tempo e dinheiro para recuperá-las, além de ficar exposta a baixas dolorosas.

Há muito os CACs demandam atenção. Decreto assinado por Lula em julho transferiu à Polícia Federal a responsabilidade pelo registro de licenças, controle e fiscalização da categoria, mas estipulou um período de transição. Não importa se é o Exército ou a PF quem fiscaliza, mas sim que cidadãos mal-intencionados sejam impedidos de usar as brechas da lei para praticar crimes sob os olhos do Estado. É preciso parar de dar munição aos bandidos.

Só privatizar evitaria o custo fiscal do rombo nas estatais

Por O Globo

Graças ao prejuízo dos Correios, buraco será 50% acima do previsto — e meta de 2026 já está ameaçada

Como se não bastassem o arcabouço fiscal frouxo, as repetidas tentativas do governo de gastar mais driblando as metas e a propensão a tapar buracos aumentando impostos, o resultado das estatais fechará 2025 quase 50% abaixo do previsto — um rombo de R$ 3 bilhões além dos R$ 6,2 bilhões estimados. Essa conta naturalmente será coberta pelo Tesouro. Prejuízos das estatais, como mostrou reportagem do GLOBO, são hoje o principal motivo para a necessidade de contingenciar despesas noutras áreas. O remédio para o problema, a privatização, é conhecido. Infelizmente, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda manifesta resistência ideológica inexplicável à solução.

A situação dos Correios é a mais dramática. Nas palavras do secretário executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, “não fossem os Correios”, o cenário das contas públicas poderia estar “um pouco melhor”. Ora, isso é um eufemismo. As estatais são apenas a última comprovação do desdém do Planalto pela crise fiscal. As despesas públicas só fazem crescer, e o próprio Durigan reconhece que o quadro atual já põe em xeque a meta de 2026. Diante disso, o que mais falta para pôr os Correios à venda? Só no primeiro semestre, o prejuízo da empresa foi de R$ 4,3 bilhões. A cada mês, perde R$ 750 milhões.

Em vez de dar racionalidade à gestão para preparar a privatização, há um ano a direção dos Correios se mostrava orgulhosa de um concurso público que atraíra 1,7 milhão de candidatos na disputa por 3.511 vagas. Pois agora se vê obrigada a lançar um plano de demissão voluntária e corte de vagas, além de correr desesperada ao mercado em busca de R$ 20 bilhões emprestados para sobreviver. Os Correios podem apresentar o plano de reestruturação mais bem elaborado do mundo, mas quem acredita que tem chance de ser implementado? Contaminada por influência política, a estatal não tem capacidade administrativa nem tecnológica para enfrentar a competição privada no segmento mais rentável, a entrega de encomendas. E, de forma insistente, os governos petistas continuam a apostar no empreguismo que condena as estatais à ineficiência e ao prejuízo. Os Correios são um caso típico.

Ninguém poderá acusar o governo de falta de consistência. O terceiro ano do mandato de Lula continua com perspectivas sombrias para as contas públicas. O Ministério da Fazenda depende do Congresso para aumentar impostos e ter chances de cumprir as metas fiscais — superávit de R$ 34,6 bilhões em 2026, dos quais ainda faltam R$ 30 bilhões. O objetivo é cobrir a lacuna taxando bets, juros sobre capital próprio e instituições financeiras e revendo benefícios a empresas. No país com uma das maiores cargas tributárias do mundo, o PT ainda acha que a solução é mais imposto. Para piorar, o Congresso ameaça o governo com pautas-bombas, como o projeto de aposentadoria integral para agentes de saúde.

Enquanto estatais como os Correios sangram a céu aberto, o governo estrangula o setor privado com impostos, e o Congresso finge não ver a realidade: uma dívida pública galopante, sem sinal de que parará de crescer. Crises nunca surgem do nada. Tudo parece estar bem até a hora em que não está mais.

Rombo das estatais é o maior em um quarto de século

Por Valor Econômico

O relatório de receitas e despesas elevou a projeção do prejuízo de 21 estatais de para R$ 9,2 bilhões

A arrecadação federal de janeiro a outubro bateu o recorde da série histórica, com aumento de 4,17% acima da inflação. As receitas federais cresceram todos os anos do governo Lula, mas o governo federal (mais previdência e empresas estatais) acumula no atual exercício déficit de R$ 75,7 bilhões. Mesmo com mais recursos e um regime fiscal que deveria conter o endividamento público, a atual gestão Lula não obteve nenhum resultado positivo nas contas públicas até agora e nem o fará no ano eleitoral de 2026. O governo procura cumprir o piso da meta fiscal, que no ano que vem será de equilíbrio entre receitas e despesas, auxiliado por uma penca de exceções à meta de gastos e de resultado primário que só aumentou nos últimos meses.

Serão abatidos desse déficit previsto R$ 40,64 bilhões de precatórios, o ressarcimento dos descontos fraudulentos dos aposentados do INSS (R$ 3,31 bilhões em 2025), projetos estratégicos da Defesa (R$ 500 milhões de um pacote de

R$ 30 bilhões em 5 anos) e R$ 5 bilhões de investimentos das empresas estatais no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O déficit, para efeitos do regime fiscal, encolherá assim a R$ 34,25 bilhões, ainda acima dos R$ 31,2 bilhões permitido pelas regras (o piso da meta). Será necessário conter R$ 3,28 bilhões em gastos devido a pequenas frustrações de receitas, mas, principalmente, pelo aumento do rombo das empresas estatais.

O relatório de receitas e despesas elevou a projeção do prejuízo de 21 estatais de R$ 6,2 bilhões para R$ 9,2 bilhões. Na verdade, o resultado negativo é de R$ 13,15 bilhões, mas o Congresso permitiu abater até R$ 5 bilhões dos gastos dessas empresas no PAC. O abatimento até outubro foi de R$ 4,24 bilhões. Os Correios puxam a fila, com rombo estimado em

R$ 5,8 bilhões. Uma operação de salvamento com empréstimo de R$ 20 bilhões com aval do Tesouro está em curso. Será a maior operação de garantia oficial a empréstimos em 15 anos, incluindo os feitos para outras estatais, Estados e municípios.

Caso se confirme a previsão do relatório, o rombo das empresas estatais será o maior até agora no século 21. Os déficits foram inaugurados pelo governo Dilma Rousseff em 2012 — foram cinco consecutivos até 2016. As estatais voltaram ao superávit nos governos seguintes e terminaram o governo de Jair Bolsonaro com ganhos de R$ 6,1 bilhões. Já no primeiro ano do governo Lula entraram de novo no negativo, com R$ 2,2 bilhões em 2022, o quádruplo disso no ano passado (R$ 8 bilhões) e o recorde de 2025.

O terceiro governo de Lula não mostrou preocupação com o controle de gastos e essa orientação geral influiu no comportamento das estatais que estão vinculadas ao orçamento da União — Petrobras e instituições financeiras em que o Tesouro é o maior acionista estão fora dele. Apenas 3 das 21 empresas foram a exceção e obtiveram resultado positivo. Em várias delas certamente influiu na performance o aparelhamento político dos cargos de direção.

No caso dos Correios, seu exuberante rombo ocorreu na gestão de um advogado que apoia o PT e que não teve qualquer experiência prévia em cargo relevante de uma companhia desse ramo de atividades ou semelhante. Em várias partes do mundo onde o serviço de entregas é estatal, há um desafio gigantesco para reinventar as companhias e torná-las aptas a concorrer com as gigantes empresas privadas de logística. Seria uma tarefa árdua até mesmo para um administrador muito experiente. O cargo é tentador, com salário de R$ 53 mil, maior que o permitido à administração federal, que é de R$ 46.366, e foi preenchido por alguém sem qualidades necessárias.

O governo Lula pôde fazer indicações políticas logo no início, em março de 2023, desde que o então ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, hoje ministro da Justiça, concedeu liminar ao PCdoB suspendendo restrições importantes para ocupação de cargos de direção, conselho e assessoramento nas empresas estatais, estipuladas pela Lei das Estatais, sancionada pelo presidente interino Michel Temer em julho de 2016.

A lei vedava a ocupação de cargos de direção e assessoramento a sindicalistas, membros da estrutura dirigente dos partidos, ministros e membros do governo federal, e a pessoas com participação relevante nas campanhas eleitorais dos partidos. Para a maioria delas, a lei exigia uma quarentena de 36 meses para que pudessem se habilitar aos cargos. Também exigia experiência mínima de 10 anos em atividade profissional relacionada à area ou experiência de 4 anos em carga de direção em empresas com porte e complexidade para a qual fosse feita a indicação, entre outras qualificações. Só em 9 de maio de 2024 o Supremo derrubou a liminar, mas ela já havia produzido seus efeitos negativos na administração pública.

O mau desempenho das estatais é relevante pelo que revela da qualidade da gestão pública, mas, pelo valores envolvidos, é um capítulo ruim de enredo maior de um governo que tem buscado arrecadação maior para gastar mais. Conseguiu ambos, com um aumento que chegará a 10 pontos percentuais do PIB do endividamento em 2026 e pagando para isso uma das maiores taxas de juros do mundo.

Uma guinada pouco efetiva

Por Correio Braziliense

Não cabe ao Brasil abrir qualquer precedente para intervenção externa, ainda que o necessário combate às facções precise ser uma das primeiras prioridades deste e de próximos governos

Na ciência política, o conceito de tecnopolítica refere-se ao uso das ferramentas digitais como peça central da atuação política. Como se a gestão de um mandato parlamentar, de um ator do Executivo ou de um partido, por exemplo, fosse moldada a partir do mundo digital. Não se trata de um fenômeno estritamente negativo, mas também há seu viés prejudicial à democracia. 

O debate sobre o Projeto de Lei 5.582/2025, o chamado PL Antifacção, é a prova mais recente do mau uso da tecnopolítica. O texto, que deveria discutir um necessário cerco às organizações criminosas internacionais que operam no Brasil, se transformou em palanque para parlamentares do Congresso Nacional, em uma clara tentativa de apropriação de determinadas posições para agradar o eleitorado a menos de um ano das eleições. 

Um dos pontos de maior discussão e que deixa evidente a estratégia da tecnopolítica trata da equiparação das facções a organizações terroristas. O texto aprovado pela Câmara excluiu acertadamente essa possibilidade, defendida, principalmente, por governadores que disputam um espaço no eleitorado para tentar concorrer ao Planalto no ano que vem. Mas o debate segue, também contaminado pelos exageros da polarização.

Os crimes cometidos pelas facções são graves, mas não são, tecnicamente, classificados como terrorismo. A definição dada pela ONU é recente, mas bastante assertiva nesse sentido. Em artigo publicado no jornal O Globo, o ex-secretário-geral Kofi Annan classificou o terror como "qualquer ação que vise a causar a morte ou provocar danos corporais graves a civis ou não combatentes, com o objetivo de intimidar uma população ou obrigar um governo ou uma organização internacional a fazer ou deixar de fazer alguma coisa". 

Ainda que as facções criem distorções e prejuízos enormes para a sociedade, eles não ocorrem num contexto de disputa política não resolvida. Além do mais, a classificação das facções como terroristas poderia abrir um precedente perigoso do ponto de vista das relações internacionais. País líder da chamada "guerra ao terror", os Estados Unidos têm adotado táticas intervencionistas em todo o mundo para combater organizações classificadas por ele mesmo como terroristas.

Vale lembrar dos mais recentes ataques ordenados por Donald Trump contra embarcações venezuelanas. Mesmo sem uma definição clara se uma facção realmente coordena o tráfico internacional de drogas da Venezuela para o restante do mundo, Trump classifica o chamado Cartel de los Soles como terrorista, o que dá permissão para intervenção direta da CIA. A medida tem como pano de fundo a inevitável disputa política entre a Casa Branca e a ditadura de Nicolás Maduro.

Diante disso, não cabe ao Brasil abrir qualquer precedente para intervenção externa, ainda que o necessário combate às facções precise ser uma das primeiras prioridades deste e de próximos governos. Ao mesmo tempo, não se pode usar essa demanda como trampolim para se posicionar nas mídias sociais, até porque o combate a essas organizações passa muito mais pelo cerco às suas atividades econômicas do que pela coerção.

O aumento de passagens de ônibus e a tarifa zero

Por O Povo (CE)

Pela relevante questão social, a possibilidade de zerar o custo das passagens é uma discussão que está na ordem do dia, mas é preciso observar o equilíbrio das contas públicas

Dois eventos ocorridos recentemente são uma boa oportunidade para se discutir questões relativas ao transporte coletivo, um assunto que afeta milhões de brasileiros, principalmente aqueles de baixa ou média renda, que precisam usar ônibus e metrôs para o deslocamento diário.

O primeiro acontecimento ocorreu no fim da semana passada, quando a Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza (Etufor) anunciou que a tarifa de ônibus em Fortaleza terá aumento de 20%, passando de R$ 4,50 para R$ 5,40, acréscimo de 90 centavos. É válido lembrar que, caso não houvesse subsídio público da Prefeitura, a passagem custaria atualmente em torno de R$ 7,20.

Depois, na edição desta terça-feira, em entrevista ao O POVO, o deputado federal Jilmar Tatto (PT-SP), ex-secretário de Mobilidade e Transportes de São Paulo, anunciou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu estudos para lançar, até o fim de seu mandato em 2026, um projeto de tarifa zero para os ônibus municipais em todo o Brasil. Tatto participou do 6º Fórum da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Ceará, Piauí e Maranhão (Fetrans), ocorrido em Fortaleza.

Quanto ao aumento elevado das passagens, a explicação da Etufor e do Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros (Sindiôbus) deve-se à elevação dos custos operacionais e queda na demanda de passageiros. As entidades garantem que o valor final foi estabelecido a partir de estudos técnicos, analisando todas as variáveis que compõem o custo da passagem. Também teria contribuído para o percentual de 20% o período de mais de dois anos em que os bilhetes ficaram sem reajuste.

Mesmo considerando-se que os estudos técnicos possam justificar o reajuste, o alto preço das passagens do transporte coletivo impacta diretamente o orçamento dos trabalhadores. Em Fortaleza, cerca de 520 mil pessoas utilizam o transporte público diariamente. Segundo a Confederação Nacional do Transporte (CNT), 36 milhões de brasileiros utilizam diariamente o transporte coletivo nas grandes cidades, em todo o País.

Tatto citou Caucaia como exemplo de sucesso da tarifa zero. A cidade é a maior entre os cerca de 170 municípios brasileiros com gratuidade no transporte público. Com mais de 350 mil habitantes, Caucaia iniciou o programa de tarifa zero em 2021.

Pela relevante questão social, a possibilidade de zerar o custo das passagens é uma discussão que está na ordem do dia. Mas precisa ser feita de forma ampla ouvindo-se, inclusive as cidades em que o mecanismo é aplicado para se conhecer a experiência acumulada. Além disso, qualquer proposta a ser apresentada tem de ser analisada cuidadosamente, de maneira técnica. Entre os pontos que precisam ser observados estão os limites do caixa do governo de modo a não comprometer o equilíbrio das contas públicas.

 

 

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