Lei antifacção precisa ter tramitação célere
Por O Globo
Congresso deve priorizar pauta de segurança, mas apenas mudanças legislativas não serão suficientes
É necessário que as autoridades e a classe política prestem atenção ao apoio da população fluminense à megaoperação contra o Comando Vermelho (CV) nos complexos do Alemão e da Penha. A incursão conquistou aprovação de 64% dos moradores do estado, de acordo com pesquisa Quaest (apenas 27% disseram desaprová-la). É significativo também que 85% se declarem a favor do aumento de penas para homicídios cometidos por integrantes de facções criminosas (somente 10% se dizem contra). Trata-se de uma demonstração inequívoca de que a população não aguenta mais ser subjugada por facções e milícias que tomaram extensões significativas do território.
A população espera que o Estado cumpra seu
papel: combater essas organizações em seus redutos. Não há outra maneira de
retomar os territórios, pois elas não sairão por vontade própria. A apreensão
de quase cem fuzis dá uma noção do arsenal escondido nessas trincheiras. Os
criminosos estão tão bem equipados que usaram drones para lançar bombas nos
policiais, sem falar nas câmeras que monitoram a movimentação das tropas.
É, por tudo isso, positivo o projeto
antifacção, enviado pelo Planalto ao Congresso na sexta-feira, aumentando
punições e facilitando as investigações. Entre outros pontos, ele cria a figura
jurídica da “facção criminosa qualificada”, com pena de oito a 15 anos de
prisão (em caso de homicídio, pode chegar a 30 anos), prevê monitoramento de
conversas em presídios com autorização judicial e cria um banco de dados
nacional sobre facções. É medida que já deveria ter sido tomada há muito tempo,
mas que só deslanchou depois da megaoperação e dos inevitáveis impactos políticos
em Brasília.
É fundamental uma tramitação célere,
diferentemente do que acontece com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da
Segurança (ela enfrenta resistência de parlamentares e governadores, receosos
de interferência federal). O projeto antifacção não deve encontrar objeções,
pois imagina-se ser de interesse dos parlamentares endurecer a legislação.
É essencial que o arcabouço legal dê ao
Estado instrumentos adequados para enfrentar as organizações criminosas. Seria,
porém, um erro equipará-las a grupos terroristas, como sugere outra proposta
legislativa, encaminhada pela oposição. Embora as facções disponham de
armamento pesado e organização paramilitar, não têm o caráter político,
ideológico ou religioso que motiva o terrorismo. Isso não significa que a
proposta da oposição não tenha méritos. Vários de seus pontos merecem ser
avaliados, como punições ao uso de armamento de guerra (caso de fuzis e
granadas) ou a barricadas e outras medidas de controle de territórios.
Por fim, por mais que mudanças na legislação
sejam importantes, derrotar as facções do narcotráfico exigirá mais. Depois de
retomar o território, o Estado tem de se fazer presente nas comunidades
oferecendo serviços não apenas de policiamento, mas também de saúde, educação,
urbanização ou transporte, como revelam experiências internacionais
bem-sucedidas. Desbaratar as facções criminosas exige também asfixiá-las por
meio de investigações financeiras robustas (como a recente Carbono Oculto,
contra o PCC). O Brasil pode ter acordado tarde para o problema, como evidencia
o clamor captado nas pesquisas. Mas tem plenas condições de vencer a guerra.
Endurecimento na regulação de fintechs
ajudará combate ao crime
Por O Globo
BC e CMN passam a exigir patrimônio mínimo, investimento em tecnologia e facilitam fechar contas
Foi oportuna a decisão do Banco
Central (BC) e do Conselho Monetário Nacional (CMN) de fixar limites
mínimos de capital e patrimônio líquido para instituições financeiras, com o
objetivo de nivelar a concorrência e fortalecer o sistema. As autoridades
também estabeleceram um gasto mínimo em tecnologia e novas regras sobre encerramento
de contas, com a intenção de coibir a ação do crime organizado. Com o aperto da
regulação, BC e CMN procuram atacar vulnerabilidades abertas pelas regras
frouxas.
Quando definiu, na década passada, as normas
para funcionamento de empresas especializadas em produtos financeiros digitais,
o BC acertou ao privilegiar a inovação. O nível menor de exigência pavimentou o
surgimento de fintechs e proporcionou o aumento da competição. Com os avanços,
porém, vieram consequências indesejadas. Instituições não bancárias passaram na
prática a atuar como bancos. A falta de investimentos em tecnologia e regras
frouxas sobre o encerramento de contas deixaram as instituições expostas a
ações do crime organizado.
As novas regras levam em conta as atividades
exercidas de fato. Se duas entidades desempenham a mesma função e representam
os mesmos riscos, devem responder a exigências idênticas, ainda que
classificadas de modo diferente. Fintechs que funcionam como bancos terão de
cumprir a mesma regulação, começando com o capital exigido. Em nota, o BC
esclareceu que a nova regulação também “requer uma parcela adicional de capital
às instituições que utilizem em sua nomenclatura a expressão ‘banco’ ou
qualquer termo que o sugira, em português ou em outro idioma”. A medida segue
as melhores práticas globais.
A proteção contra ações criminosas foi
reforçada de duas maneiras. Primeiro, as instituições financeiras terão de
investir mais em tecnologia. Em julho, um grupo criminoso especializado em
fraudes bancárias desviou mais de R$ 800 milhões ao explorar vulnerabilidades
da C&M Software, empresa que fornece serviços ao setor financeiro. De lá
para cá, mais quatro ataques vieram à tona. Em outubro, uma prestadora de serviço
da fintech FictorPay foi alvo de um ataque que resultou em perdas milionárias.
O maior investimento em tecnologia deverá garantir maior proteção para evitar
ataques.
Outra medida anunciada para coibir o crime
organizado foi aumentar o poder das instituições para encerrar contas de forma
compulsória. Um dos objetivos é acabar com contas que reúnem vários clientes
não identificados e são usadas por criminosos para pulverizar as movimentações
e escapar do radar das autoridades.
As mudanças criadas pelas fintechs têm sido valiosas para o Brasil. No ano passado, elas responderam por um quarto do mercado de cartões de crédito e mais de 10% dos empréstimos pessoais (sem contar o consignado). Ao aumentar a competição, reduziram as taxas cobradas pelos bancos tradicionais. Os ajustes anunciados pelo BC nesta segunda-feira buscam corrigir excessos. Não podem barrar a inovação.
Quem dribla o limite fiscal encara o limite
do mercado
Por Folha de S. Paulo
Lula obtém aval do Congresso para não buscar
déficit zero neste ano, aviltando o arcabouço orçamentário
Sair dessa armadilha será o desafio imediato
do novo presidente em 2027, e será menos custoso fazê-lo com normas críveis e
transparentes
Não poucos economistas são céticos quanto à
utilidade de regras legais que determinam o controle de gastos públicos e o
equilíbrio orçamentário. Pelo raciocínio, governos fiscalmente responsáveis não
precisam delas, enquanto os perdulários sempre encontrarão meios de
contorná-las.
Deve-se reconhecer que ao menos a segunda
parte da argumentação é comprovada pela experiência, em particular a brasileira
—e o terceiro governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
dá seguidas mostras de como desmoralizar o arcabouço fiscal que ele próprio
instituiu. Mas, mesmo quando dribladas, as regras não deixam de ter sua
relevância.
No mínimo, elas estabelecem metas e
parâmetros que ajudam a avaliar o desempenho da política de contenção de
despesas, além de determinar a prestação periódica de contas e a obediência a
certos procedimentos.
Num exemplo, a administração petista acaba de
conseguir o aval do Congresso
Nacional para cumprir
apenas o limite mínimo da meta para o saldo das contas do
Tesouro Nacional. Vale dizer: em vez de equilibrar receitas e despesas neste
ano, como se prometia, bastará não deixar que o déficit ultrapasse R$ 31
bilhões.
Trata-se de um desvirtuamento descarado dos
objetivos de ajuste orçamentário, visto que a margem de tolerância prevista na
legislação, aliás exagerada, existe para acomodar eventuais imprevistos, não
para autorizar mais gastos conforme as conveniências de Brasília.
Ainda assim, é menos ruim que o governo tenha
tido de aprovar a manobra no Congresso —de modo a escapar de questionamentos
corretos da área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU)— do que se
não fosse necessário dar satisfação a ninguém.
Isso considerado, é evidente que o país
precisa de uma nova regra fiscal, ou, ao menos, de ajustes profundos na atual.
Hoje, o tal arcabouço não cumpre seu objetivo fundamental, que é a contenção da
dívida pública, porque as metas orçamentárias são frouxas e sujeitas a exceções
criadas a todo momento.
Mesmo os generosos tetos para a expansão
anual da despesa ficarão insustentáveis em breve, porque pagamentos
obrigatórios de aposentadorias e outros benefícios sociais aumentam por pressão
da demografia e por reajustes que não levam em conta as possibilidades do
Orçamento.
Governos que rejeitam ou aviltam os limites
fiscais não escapam, todavia, dos limites impostos pela economia e pelo mercado
credor. O dinheiro despejado na demanda alimenta a inflação,
e o endividamento crescente dificulta a obtenção de financiamento, tudo isso
levando a mais juros —e o país não suportará indefinidamente
a Selic de
15% ao ano.
Sair dessa armadilha será o desafio imediato
do presidente que assumir em 2027, qualquer que seja sua orientação. Será menos
custoso para todos, especialmente os mais pobres, fazê-lo com regras críveis e
transparentes.
Trump entra em jogo nuclear de Putin
Por Folha de S. Paulo
Russo testa 'armas invencíveis' e gera reação
do americano, que promete ensaios com seus armamentos
Ao morder a isca de Putin, Trump eleva
riscos; daí para incitar uma corrida, com o perigo de acidentes e proliferação,
é um passo
Não satisfeito em tumultuar as ordens
econômica e geopolítica, Donald Trump brinca
com fogo mais perigoso, o das armas nucleares.
Com o estouvamento que lhe é habitual, o
presidente americano prometeu
retomar testes com armas nucleares —ou algo assim, pois não foi
claro acerca do que anunciou em rede social pouco antes de encontrar-se com o
chinês Xi Jinping na
Coreia do Sul.
Questionado se se referia ao eventual
lançamento de mísseis com capacidade de ataque nuclear, uma rotina militar das
potências, ou a um retorno aos testes subterrâneos que os Estados
Unidos suspenderam desde 1992, Trump foi Trump: "Você vai
descobrir logo".
A diatribe tinha endereço duplo: os recentes
ensaios de armas do Kremlin de Vladimir
Putin e o crescente arsenal da ditadura chinesa. Quanto ao
primeiro, o republicano mordeu uma isca.
No final de outubro, o russo anunciou ter
testado um novo míssil de cruzeiro e um torpedo apelidado como "do Juízo
Final", dada a capacidade presumida de causar tsunamis radioativos e
obliterar cidades costeiras.
Ambos integram o pacote de "armas
invencíveis" revelado em 2018, com motores movidos por reatores nucleares
que fornecem autonomia ilimitada. Se há dúvidas técnicas sobre elas, o
Pentágono as vê com preocupação.
Mas o momento do anúncio tem pouco a ver com
a vontade de usá-las —ainda que Putin tenha lançado ao mar no sábado (1º) o primeiro
submarino nuclear que pode disparar o torpedo.
O russo está sendo pressionado pelo americano
a retomar algum tipo de negociação para a paz na Guerra da Ucrânia,
iniciada por Moscou em 2022. Trump foi tapeado por Putin até agora e resolveu
impor sanções mais duras.
A resposta do autocrata do Kremlin foi
padrão: lembrar o mundo de que tem o maior arsenal nuclear do planeta, tão
capaz quanto o dos EUA, e de que investe em meios de empregá-lo.
Ao entrar no jogo, Trump eleva os riscos em
relação a um tema banalizado demais nos últimos anos, convidando outras
potências a explodir bombas caso os EUA resolvam fazer isso. Daí para estimular
uma corrida que já está em curso, aumentando o perigo de acidentes e de
proliferação do armamento, é um passo.
O presidente americano é reincidente, tendo abandonado 2 dos 3 principais acordos de armas nucleares em seu primeiro mandato, enquanto Putin congelou o remanescente, além de exibir seu poderio atômico. Se o arcabouço global é obsoleto, que seja renovado: o pior dos mundos é deixar a escalada sair de controle.
Mais subsídios encarecerão conta de luz dos
consumidores
Por Valor Econômico
A aprovação da MP 1304, relatada pelo senador Eduardo Braga (MDB-PA), mostrou a permeabilidade do Congresso aos lobbies, ratificando subsídios para usinas a carvão até 2040
O Brasil tem um problema que seria invejável,
a sobra de energia, e, ainda mais, com participação de 85% de fontes limpas,
renováveis. Para os consumidores, essa bênção, que deveria reduzir as tarifas
progressivamente, tornou-se um tormento. A conta de luz não deixa de aumentar e
o preço da energia brasileira é um dos maiores do mundo, pelos subsídios
aprovados pelo Congresso, que, ao longo do tempo, elevaram ainda mais a oferta
de energia e os preços, em um círculo que poderia ser virtuoso, mas não é. A
aprovação em minutos da MP 1304, relatada pelo senador Eduardo Braga (MDB-PA),
mostrou não só a incúria e a permeabilidade do Congresso aos lobbies, como
sacramentou, como tem sido hábito, mais contas para o consumidor pagar. Além
disso, ratificou subsídios para usinas a carvão até 2040.
O motivo da MP foi aumentar a isenção do
consumo de energia elétrica para as camadas de baixa renda, inscritas no
Cadastro Único, cujo limite subiu para 80 MW. Mas não há beneficio a um setor
da sociedade que, passando pelo Congresso, não corra o risco de ser
“democratizado” ou estendido a segmentos que dele não necessitam. Um deles é o
do carvão, a energia mais poluidora do planeta, que teve subvenções empurradas
até 2040, ou de geração de energia a gás longe das fontes de fornecimento, que
vem saltando de um projeto a outro até atingir o objetivo de ampliar negócios
de um núcleo ínfimo de empresários com grande influência entre os
parlamentares.
Afora o benefício ao carvão, e a retirada das
vantagens para a geração a gás — vetada pelo presidente Lula em outro projeto,
mas cuja veto será avaliado pelo Congresso —, foi aprovada uma solução para o
grave problema do “curtailment”, a interrupção compulsória do fornecimento de
energia por parte da geração distribuída, usinas solares e eólicas. A falta de
planejamento produziu uma situação exótica, que é a existência de excesso de
energia quando há pouca demanda e do acúmulo de demanda quando a energia
sobrante é incapaz de atuar, a partir do fim da tarde. A oferta abundante das
fontes renováveis em horários fora do pico do consumo tem de ser interrompida
frequentemente para não produzir apagões no sistema. Vários setores bateram à
porta da Aneel, o órgão regulador do setor, cobrando ressarcimentos pela
energia não fornecida.
O Congresso encontrou saída simples para um
problema complexo — cobrar os custos dos consumidores. Estima-se que isso
sobrecarregará a CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), onde são
descarregados todos os subsídios passados, presentes e futuros, em mais R$ 7
bilhões.
Há vários aspectos extravagantes na MP, cuja
preocupação alegada, além de isentar a energia consumida pelos mais pobres, era
evitar que as tarifas para os demais consumidores fossem sobrecarregadas, como
acabaram sendo. A CDE no orçamento de 2025 foi estimada em R$ 49,2 bilhões, e
até setembro esses subsídios atingiram R$ 39,2 bilhões, em uma conta que não
para de crescer.
A fórmula encontrada para colocar um teto
nessa despesa foi congelar o montante pelo pico de 2025, corrigindo-o pela
inflação. Em nenhum momento se discutiu a redução dos subsídios, sua
conveniência, sua eficácia para os objetivos a que se propunham ou um prazo
para que gradualmente fossem extintos. Como ocorre com os demais subsídios,
tudo indica que vieram para ficar.
Os subsídios são uma das fontes dos problemas
atuais. A boa causa do estímulo às energias renováveis exigiu, corretamente,
incentivos à energia solar e eólica e à geração distribuída (GD) para que no
futuro substituíssem energias poluentes, como as termelétricas a gás e usinas a
carvão. Com o barateamento e a expansão dessas fontes, os incentivos deveriam
encolher, mas não foi o que aconteceu. Não só o montante para eles cresceu,
como continuaram com subvenções as fontes poluentes.
Até 15 de agosto de 2023, o total da geração
de energia eólica, solar e Geração Distribuída era de 60 GW, capacidade que deu
um salto para 88 GW em junho de 2025, com 46% de alta, para um consumo que
aumentou apenas 7% (Edvaldo Santana, Valor, 25 de junho). A GD, de fonte solar,
que combina placas solares em residências e fazendas solares comerciais,
consumiu R$ 21 bilhões em 2024 e 2025 em subsídios. Para quem solicitou
instalação até janeiro de 2023, o Congresso estendeu os benefícios até 2045.
Para quem veio depois, até 2029.
Assim, o Brasil tem até 240 GW de capacidade de geração, com utilização que não chega à metade. Mesmo a energia disponível tem um duplo preço: o decorrente do que foi fixado nos leilões, mais agora o ressarcimento por não poder ser usada plenamente, pelo risco de apagões sucessivos. Com ajuda do Congresso, a maior parte dos lobbies mantém interesses preservados, em prejuízo dos consumidores, que não têm poder de pressão algum. A Medida Provisória aprovada é péssimo exemplo, e teme-se que está longe de ser o último.
Um grito de socorro nas favelas
Por O Estado de S. Paulo
A aprovação à operação policial no Rio
expressa o desespero de cidadãos à mercê das máfias. Mas os políticos parecem
tratar esse sentimento popular apenas como ativo eleitoral
A pesquisa AtlasIntel que mostrou que a
maioria dos brasileiros (55,2%) aprova a operação policial realizada nos
Complexos da Penha e do Alemão, na zona norte do Rio, é reveladora de um país
em desespero pelo avanço aparentemente irrefreável de facções criminosas como o
Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC). A informação de
que a aprovação chegou a 87,6% entre os moradores das favelas cariocas é um
grito de socorro de cidadãos que se sentem largados à própria sorte. Está-se
falando de 2 milhões de brasileiros que há décadas vivem sob o jugo do terror
mafioso daqueles bandos ou das milícias.
Esse apoio popular incontestável à operação
policial, a mais letal já realizada no País, expressa a indignação de cidadãos
que são obrigados a viver nas áreas mais vulneráveis do Rio – mas não só lá – e
que não aguentam mais ser submetidos ao poder paralelo do crime organizado,
vítimas de extorsão, ameaças, aliciamento e assédios de toda sorte. Quando o
Estado se ausenta, o crime ocupa seu lugar – eis a perversa lógica das máfias.
Não se trata, portanto, de sede de sangue,
mas de uma súplica por resgate. O que a pesquisa revela é a esperança de que o
Estado, ainda que por meios truculentos, volte a exercer sua função precípua:
garantir segurança e dignidade a todos os cidadãos, independentemente do lugar
onde moram, da cor da pele ou da renda.
Esse clamor, porém, tem sido muito maltratado
pelas autoridades políticas, a começar pela maior delas. Uma semana após a
operação, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda não foi capaz de
oferecer à Nação uma palavra sequer que não cheire a cálculo eleitoral. Seu
governo mostra-se perdido na área de segurança, sem políticas públicas no
âmbito da competência da União que, de fato, sejam capazes de unir o País na
construção de uma saída definitiva dessa espiral do medo.
Por sua vez, governadores de oposição –
notadamente Cláudio Castro (RJ), Tarcísio de Freitas (SP), Ronaldo Caiado (GO),
Jorginho Mello (SC), Romeu Zema (MG) e Eduardo Riedel (MS) – exploram o
resultado daquela intervenção policial com o mesmo oportunismo. Reunidos no Rio
sob um pomposo nome de “consórcio da paz”, limitaram-se às platitudes e às
promessas vãs. Nenhuma proposta minimamente exequível foi apresentada, nenhum
plano de cooperação federativa digno do nome foi estruturado. A política, em
todas as esferas, parece ter se rendido à tentação de explorar o legítimo
sentimento popular como ativo eleitoral.
No Congresso, essa visão tão míope quanto
interesseira tem dado azo a respostas igualmente superficiais. A instalação da
tal “CPI do Crime Organizado”, no Senado, soa mais como desperdício de tempo e
energia do que como esforço real de enfrentamento do problema. O populismo
penal, como sói acontecer nessas horas, volta a dar as caras. O Legislativo
serviria melhor ao País se liderasse um debate crucial: qual é a natureza do
problema que o Brasil enfrenta? Ainda é possível tratar as grandes organizações
criminosas como questão de segurança pública ou o Brasil lida com um fenômeno
de outra ordem, com características de guerra?
A aprovação popular à operação no Rio não
significa carta branca para o arbítrio estatal. É um pedido de paz, ordem e
legalidade onde há muito grassa o brutal poder paralelo dos delinquentes.
Nenhum cidadão deveria ter de escolher entre viver sob o domínio do crime ou da
truculência policial, materializada em abusos, tortura e execuções sumárias.
Tivéssemos estadistas, e não políticos oportunistas, eles estariam empenhados
em romper com essa infame dicotomia. Para isso, são necessários planejamento,
integração entre as forças do Estado, inteligência e políticas sociais que
quebrem o ciclo de abandono das áreas onde Comando Vermelho, PCC e outras
facções sentam praça. Mas isso é coisa de longo prazo, e o horizonte dos atuais
dirigentes é a eleição de 2026.
Agora, embalados pela aprovação popular, a
tentação dos governantes será enorme. Não serão poucos os que enxergarão na
repetição de um modelo falido de política de segurança uma forma de capitalizar
votos em 2026. Mas convém registrar: isso não tornará um só brasileiro mais
seguro.
Acabou o fingimento sobre a meta fiscal
Por O Estado de S. Paulo
Acordo entre governo Lula e Congresso
referenda a busca do piso da meta, evita corte bilionário de emendas e mostra
que nem Executivo nem parlamentares estão dispostos a reduzir despesas
O governo conseguiu aval do Congresso para
perseguir o piso da meta fiscal e se livrou da necessidade de cortar R$ 30,2 bilhões
em despesas neste ano. Uma emenda incluída em um projeto aprovado na
quinta-feira passada modificou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para
permitir que o Executivo se baseie no limite inferior da meta – que permite um
rombo de até 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB), ou R$ 31 bilhões –, em vez
do centro, que estabelece déficit zero.
A proposta foi aprovada em votação simbólica
e sancionada no dia seguinte, indicação clara da existência de um acordo entre
governo e parlamentares para fazer frente ao Tribunal de Contas da União (TCU).
Em setembro, a Corte de Contas havia alertado o governo de que a estratégia de
buscar o piso da meta desrespeitava as normas fiscais hoje em vigor.
O ceticismo que este jornal demonstrou
naquele mês sobre a efetividade da cobrança do TCU se mostrou acertado. O
governo não só recorreu da decisão, como aproveitou para mudar a lei para ter o
conforto legal e jurídico de fazer o que bem entendesse sem que ninguém fosse
responsabilizado. Na prática, o centro da meta fiscal, que o governo fingia
perseguir, se tornou uma lenda urbana. O piso da meta, que só deveria ser
admitido como forma de acomodar situações fiscais imprevistas e excepcionais,
virou a meta em si mesma.
O apoio da maioria do Congresso não
surpreendeu. Se a decisão do TCU tivesse de ser cumprida à risca, não haveria
maneira de poupar as emendas parlamentares da tesourada. O congelamento de
despesas teria de subir de R$ 12,1 bilhões para R$ 42,3 bilhões ao fim de
novembro. Ao menos R$ 6,8 bilhões em emendas seriam atingidos, segundo
reportagem do Estadão.
Demorou, mas a equipe econômica rasgou a
fantasia. Após a decisão do TCU, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
sustentava que o governo buscaria o centro da meta fiscal. Na semana passada,
no entanto, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, finalmente
reconheceu que atingir esse objetivo não era factível. “Não haveria despesas
discricionárias que pudessem ser contingenciadas, faltando dois meses para o
encerramento do exercício, para dar conta dessa magnitude”, afirmou.
Um corte de despesas de R$ 30,2 bilhões no
último bimestre do ano realmente poderia paralisar a máquina pública. Dito
isso, deve-se refletir sobre as razões pelas quais não será possível atingir o
objetivo com o qual o governo havia se comprometido neste ano. A razão está na
própria elaboração do Orçamento, que subestimou os gastos e superestimou a
arrecadação.
Não foi um erro acidental. Em maio, na
revisão bimestral de receitas e despesas, o governo já sabia que os números não
batiam, tanto que anunciou um congelamento de R$ 31,3 bilhões em despesas e a
mudança do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre empresas, risco
sacado e previdência privada.
Entre idas e vindas, o governo revogou a
parte do decreto que havia sido interpretada como uma medida de controle
cambial, o Legislativo ainda assim o derrubou e o Supremo Tribunal Federal
(STF) o restabeleceu parcialmente.
O mal-estar rendeu novas medidas. Daí nasceu
a Medida Provisória 1.303, que acabava com a isenção das Letras de Crédito
Imobiliário (LCIs) e do Agronegócio (LCAs) e aumentava a tributação sobre bets
e fintechs. O governo cedeu mais do que deveria e a proposta foi severamente
desidratada ao longo das negociações, mas ainda assim foi rejeitada na Câmara
no início de outubro.
De tudo, ficou a revisão de gastos com o
seguro-defeso, a inclusão do Pé-de-Meia no piso constitucional da Educação e o
limite a compensações tributárias, abarcados por outro projeto de lei aprovado
pela Câmara na semana passada. O governo ainda quer ampliar a tributação sobre
bets e fintechs, mas já desistiu de taxar os títulos isentos.
Em resumo, o Orçamento deste ano nunca parou
em pé e o do ano que vem deve seguir a mesma linha. O governo quer arrecadar
mais, o Congresso não abre mão de suas emendas e, a um ano da eleição, ninguém
quer cortar gastos. O Executivo investe na narrativa que opõe ricos e pobres e
o Legislativo diz não aceitar aumento de impostos, mas ambos compactuam com a
busca do piso da meta fiscal e fingem não ver que a dívida bruta não para de
subir.
Populismo de esquerda em NY
Por O Estado de S. Paulo
Vitória de socialista hoje pode empurrar o
Partido Democrata para a extrema esquerda, para deleite de Trump
Zohran Mamdani deve ser eleito hoje prefeito
de Nova York. Aos 34 anos, o ativista e deputado estadual sem experiência em
cargos executivos venceu as primárias democratas com uma campanha
hipnoticamente utópica: aluguéis congelados, ônibus grátis, supermercados
estatais, sobretaxa de fortunas e, nas horas vagas, manifestações de simpatia
por causas jihadistas. A ser confirmada, será uma vitória esmagadora da
retórica sobre a razão – e o prenúncio de um desastre.
O risco imediato é local. Mamdani promete uma
revolução socialista, mas quem será devorado por ela não será a esquerda do
SoHo. Serão os pobres. Congelar aluguéis paralisa a oferta, sufoca a manutenção
dos imóveis e eleva o preço dos apartamentos não regulados. Subsidiar tudo – de
moradia a transporte – com impostos sobre uma elite que pode simplesmente fazer
as malas para a Flórida é receita infalível para fuga de capitais e colapso
fiscal. Nova York já depende de bilhões em ajuda federal; sob Mamdani,
dependerá ainda mais. E, com menos ricos para tributar, quem pagará a conta
serão os demais.
A filiação de Mamdani aos Socialistas
Democráticos da América não é mero detalhe partidário. Trata-se de uma facção
do Partido Democrata que defende propostas como o desmantelamento do sistema
policial e prisional e a estatização de pedaços inteiros da economia – de
moradia e energia a tecnologia e finanças. Mesmo que Mamdani tenha evitado
vocalizar esse radicalismo durante a campanha, sua trajetória e sua retórica
ratificam a afinidade com esse projeto – e sua vitória legitimará, para muitos,
a ilusão de que tais ideias podem ser testadas numa cidade real.
O risco nacional é ainda mais grave. Para o
Partido Republicano, a eleição de Mamdani é um presente. Ela permitirá associar
os democratas ao fracasso urbano e ao radicalismo identitário. Nas eleições
legislativas nacionais de 2026, cada invectiva de Mamdani sobre bilionários,
Israel ou a polícia será usada como munição contra candidatos democratas
moderados em distritos cruciais. A marca democrata, já desgastada por fiascos
retumbantes em São Francisco, Oakland ou Portland, tende a se tornar tóxica no
país real.
Mas o risco maior é institucional. Com
Mamdani e Donald Trump, os Estados Unidos enfrentam o pesadelo da polarização
simétrica: dois populismos, de sinais contrários, que compartilham a mesma
vocação para o espetáculo, a demagogia e a ruptura com a ordem liberal. Um
promete a salvação pela redistribuição e pelo ressentimento de classe; o outro,
pela força, pelo medo e pelo ressentimento cultural. Ambos cultivam inimigos
internos, desprezam as mediações da democracia representativa e personificam a
política como confronto permanente. Ambos vivem de inflamar suas bases – e de
demonizar espantalhos.
Não há centro que sobreviva à longa guerra entre extremos. A eleição de Mamdani em Nova York é um sinal de alerta. Um país rachado entre o reacionarismo popular e a irresponsabilidade socialista não é uma democracia vibrante. É uma democracia emparedada.
É urgente conter as mortes de motociclistas
Por Correio Braziliense
Com sucessivos fins de semana de trânsito
violento, não é exagero afirmar que 2025 ficará marcado como um dos períodos
mais fatais para quem dirige sobre duas rodas no DF
Há uma perigosa barreira prestes a ser
ultrapassada no Distrito Federal. Nos oito primeiros meses do ano, 68
motociclistas perderam a vida nas pistas da cidade. É praticamente o mesmo
número de vítimas registrado durante todo o ano de 2023 (com 69 óbitos) e um
cenário muito próximo do de 2024 (com 74 mortos). Com sucessivos fins de semana
de trânsito violento, não é exagero afirmar que 2025 ficará marcado como um dos
períodos mais fatais para quem dirige sobre duas rodas.
Essa realidade se repete pelo país. Segundo o
Atlas da Violência 2025, o número de mortes em acidentes de motocicletas subiu
12,5% em um ano — de 12 mil em 2022 para 13,5 mil em 2023. Considerando os
feridos — que, também em 2023, foram 28,4 mil —, não restam dúvidas de que se
trata de mais um cenário de guerra que desafia gestores públicos e ameaça o
futuro das jovens gerações.
Dados do Sistema Único de Saúde (SUS) mostram
que a maioria das vítimas são homens, com 20 a 24 anos, que recorrem às
motocicletas para trabalhar. Sofrem acidentes enquanto atuam na informalidade,
correndo contra o tempo para se beneficiar da lógica de que a renda depende da
quantidade de entregas. Muitos dos que escapam precisam se adaptar às sequelas
permanentes — quase 70% ficam com deficit motor e 35% são submetidos a
amputações, segundo levantamento da Sociedade Brasileira de Ortopedia e
Traumatologia (SBOT) —, agravando o estado de vulnerabilidade.
Ao Correio, o doutor em segurança em trânsito
David Duarte definiu o quadro como "quase desesperador". "Para
cada morte, temos 15 motociclistas que ficam com lesões irreversíveis (...),
com o que se chama invalidez permanente, e vão ser amparados pelo INSS. É uma
guerra em que você tem mortos, mutilados e desvalidos." Entre as medidas para
evitar as tragédias, o especialista indica reduzir e controlar a velocidade em
áreas urbanas, facilitar que as pessoas tirem a carteira de habilitação e
melhorar os cursos de treinamento de motociclistas.
Educar pelo fim da hostilidade que toma conta
de ruas e estradas do país também parece medida eficaz. A legislação deixa
claro que a segurança no trânsito é responsabilidade de todos, com os
motoristas de veículos de maior porte protegendo os menores, e os motorizados,
os não motorizados. Na realidade do asfalto, porém, acidentados são deixados
para trás, condutores se agridem e até se comemora quando há
desfalecidos.
Para além de conscientizar os condutores, as
cidades precisam se ajustar à nova configuração das frotas — um em cada três
municípios brasileiros já tem mais motos do que carros em circulação, e a
tendência é de que esse número aumente. Nesse sentido, a implantação de
sinalizações para que motociclistas trafeguem com mais segurança, a chamada
faixa azul, mostra-se efetiva em São Paulo, com redução de 47% de mortos nos
três primeiros anos de uso.
Há ainda o desafio de incluir a regulamentação dos ciclomotores — a partir de 2026, motos elétricas e outros veículos do tipo terão que circular nas pistas de rolamento e guiados por pessoas habilitadas — e o de mitigar os efeitos das mudanças climáticas — temperaturas e alagamentos extremos são ainda mais perigosos para quem trafega sem carroceria. Em discussão, o Programa Nacional de Segurança de Motociclista pode ajudar a conter as mortes sobre duas rodas considerando essas e outras medidas. Precisa, o quanto antes, sair do papel.
O apoio popular à operação no Rio e suas
razões
Por O Povo (CE)
Um conjunto de pesquisas cujos resultados têm
sido divulgados nos últimos dias apontam um apoio majoritário da população à
postura da polícia e do governo do Rio de Janeiro, uma semana atrás, quando uma
megaoperação em área dominada pelo Comando Vermelho resultou em 121 mortes. Quatro
delas, ressalte-se, de agentes da força pública.
Surpreende pouco, na verdade, que o
brasileiro em geral, mais do que apenas o cidadão carioca e fluminense,
demonstre cansaço com o quadro crítico de segurança pública. Os números
captados pelos institutos de pesquisa são incontestáveis: o Datafolha apontou
apoio de 57% dos moradores do Rio à operação nos Complexos do Alemão e da
Penha, pelo Atlas Intel o índice salta a 59,2% e no Instituto Paraná cresce
ainda mais e chega a 69,9%.
Sem contar com outras demonstrações práticas
de que a ação das forças policiais, apesar da estatística macabra, está sendo
recebida com forte apoio popular. No último domingo, por exemplo, o governador
Cláudio Castro (PL), que tem ignorado o número absurdo de mortes para apontar o
que considera "sucesso da operação", foi entusiasticamente aplaudido
ao participar, como é de sua rotina dominical, de missa na Barra da Tijuca.
Ironia das ironias, o motivo daquela celebração era o Dia de Finados.
Parece reação natural de um povo que vive
assustado diante de demonstrações permanentes de ousadia das organizações
criminosas, inclusive exercendo controle cada vez mais intenso sobre
territórios das nossas cidades. Quando o Estado sai de sua aparente letargia e
se faz impor, claro que o sentimento geral, até por impulso muitas vezes, é de
apoio e aprovação. Com entusiasmo, inclusive, como demonstra a efusiva recepção
ao governador em ato religioso, apesar da violência absurda envolvida.
Acontece que o quadro é muito mais complexo e
não comporta o caminho do simplismo como saída mais adequada. Até que se
alcance o estágio que se pode entender como aceitável, dentro de uma sociedade
civilizada, ainda há muito por fazer e, de início, parece importante que haja
transparência absoluta nas investigações para que não paire dúvidas quanto à
real necessidade de tantas mortes acontecerem numa só ação.
As autoridades, do Rio de Janeiro e do País,
não podem se deixar contagiar pelo clima destes dias e precisam manter o foco
em estratégias de médio e longo prazos, em geral menos espetaculares do que
essa da semana passada, e que priorizem a inteligência como marca principal de
atuação do Estado.
A resposta oficial violenta às vezes é inevitável e não pode ser ignorada como uma das opções a fazer uso dentro de um objetivo mais amplo que se busque. O episódio exige uma profunda reflexão e não comporta qualquer gesto que indique resignação de governantes ou governados. Há como ser diferente e devemos nos esforçar mais para que assim o seja.

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