terça-feira, 4 de novembro de 2025

Novo patamar, por Merval Pereira

O Globo

A aprovação da barbárie é um grito de alívio de comunidades submissas a essas quadrilhas que as dominam no dia a dia

A tragédia que se abateu sobre o país há muitos anos, com a dominação de vastos territórios nacionais por quadrilhas de narcotraficantes e milicianos (especialmente no Rio de Janeiro, onde mais uma vez se traduziu em dezenas de mortes na guerra urbana), não pode ser enfrentada a partir de premissas que já não retratam a realidade. Clamar por respeito aos direitos humanos nesse combate ou, por outro lado, alegar que bandido bom é bandido morto são premissas que já não são suficientes e distorcem o debate.

Claro que ninguém pode ser insensível à morte de dezenas de pessoas, mesmo que todos fossem bandidos. Mas é preciso saber que o problema não se resolve com chacinas, nem com carta branca para a polícia reagir sem controles morais. Vira tudo guerra aberta entre facções, sem que a sociedade encontre uma saída. As pesquisas de opinião, que mostram grande apoio dos moradores de comunidades às ações policiais, são demonstração explícita de que já não aguentam mais o jugo dos traficantes e milicianos sobre suas vidas.

A aprovação da barbárie é um grito de alívio de comunidades submissas a essas quadrilhas que as dominam no dia a dia, da luz ao gás, da internet ao direito de moradia, da “segurança” à circulação em seu próprio condomínio. Mas não é solução do problema, que a politicagem impede há anos de ser resolvido. O então governador do Rio, Leonel Brizola, proibiu a polícia de subir os morros e deu um tempo precioso para que elas se organizassem nos territórios.

O hoje presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, também tornou quase impossível a ação das polícias nas favelas com diversas condições prévias que tornaram inócuas as operações de surpresa da repressão policial. As Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) foram um caminho jogado fora pela corrupção do governo Sérgio Cabral.

Mesmo as eventuais boas intenções dessas e outras medidas deram tempo para o poder dos bandidos se consolidar. No primeiro governo Lula, houve a decisão de criar uma Secretaria Nacional de Segurança Pública ligada diretamente ao Palácio do Planalto, sob o comando do sociólogo Luiz Eduardo Soares. Durou só dez meses. O todo-poderoso chefe da Casa Civil, José Dirceu — que mais tarde declarou que gostaria de ser nomeado “czar das drogas” — incomodou-se com a influência política de Soares, e ele acabou caindo. Discutia-se naquela ocasião a necessidade de afastar a figura do presidente da República do combate às drogas, para que um eventual fracasso não o atingisse.

Só anos depois, no governo Michel Temer, voltou-se a dar atenção ao tema criando, em 2018, um Ministério Extraordinário da Segurança Pública, a cargo do ministro Raul Jungmann. No entanto ele só existiu por um ano. Ao assumir o governo, em janeiro de 2019, Jair Bolsonaro o extinguiu. Hoje, muitas ações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) depois, vemos que os traficantes e milicianos estão mais armados que as forças policiais, talvez até mesmo que as Forças Armadas regulares. Isso ficou demonstrado depois que os bandidos usaram até de drones para atacar os policiais, como se vê nas guerras modernas.

O respeito aos direitos humanos é dever anterior e prioritário, mas estamos numa guerra assimétrica em favor dos bandidos, em que se definiu que a polícia só será eficaz se matar a três por dois, e os bandidos têm apoios financeiros e estratégicos até do exterior, onde já se ligam a quadrilhas de países vizinhos para o tráfico internacional. O domínio territorial já é fato, havendo lugares onde o poder público não tem condição de atuar. Não há mais tempo a perder, a ação do Estado tem de ser de informação, inteligência e tecnologia, antes que o enfrentamento produza novas tragédias.

A proposta do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, de unificar os sistemas de inteligência e informação estaduais e de ação conjunta de diversos órgãos federais, estaduais e municipais é o caminho para um novo recomeço no combate ao crime organizado em nível nacional. Mas não é suficiente. É preciso maior rigor penal, mais agilidade processual para crimes do que a lei chama de “facções” e prisões realmente de segurança máxima.

 

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