O Globo
A aprovação da barbárie é um grito de alívio
de comunidades submissas a essas quadrilhas que as dominam no dia a dia
A tragédia que se abateu sobre o país há
muitos anos, com a dominação de vastos territórios nacionais por quadrilhas de
narcotraficantes e milicianos (especialmente no Rio de Janeiro, onde mais uma
vez se traduziu em dezenas de mortes na guerra urbana), não pode ser enfrentada
a partir de premissas que já não retratam a realidade. Clamar por respeito aos
direitos humanos nesse combate ou, por outro lado, alegar que bandido bom é
bandido morto são premissas que já não são suficientes e distorcem o debate.
Claro que ninguém pode ser insensível à morte de dezenas de pessoas, mesmo que todos fossem bandidos. Mas é preciso saber que o problema não se resolve com chacinas, nem com carta branca para a polícia reagir sem controles morais. Vira tudo guerra aberta entre facções, sem que a sociedade encontre uma saída. As pesquisas de opinião, que mostram grande apoio dos moradores de comunidades às ações policiais, são demonstração explícita de que já não aguentam mais o jugo dos traficantes e milicianos sobre suas vidas.
A aprovação da barbárie é um grito de alívio
de comunidades submissas a essas quadrilhas que as dominam no dia a dia, da luz
ao gás, da internet ao direito de moradia, da “segurança” à circulação em seu
próprio condomínio. Mas não é solução do problema, que a politicagem impede há
anos de ser resolvido. O então governador do Rio, Leonel Brizola, proibiu a
polícia de subir os morros e deu um tempo precioso para que elas se
organizassem nos territórios.
O hoje presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF), ministro Edson Fachin, também tornou quase impossível a ação das
polícias nas favelas com diversas condições prévias que tornaram inócuas as
operações de surpresa da repressão policial. As Unidades de Polícia
Pacificadora (UPPs) foram um caminho jogado fora pela corrupção do governo
Sérgio Cabral.
Mesmo as eventuais boas intenções dessas e
outras medidas deram tempo para o poder dos bandidos se consolidar. No primeiro
governo Lula, houve a decisão de criar uma Secretaria Nacional de Segurança
Pública ligada diretamente ao Palácio do Planalto, sob o comando do sociólogo
Luiz Eduardo Soares. Durou só dez meses. O todo-poderoso chefe da Casa Civil,
José Dirceu — que mais tarde declarou que gostaria de ser nomeado “czar das
drogas” — incomodou-se com a influência política de Soares, e ele acabou
caindo. Discutia-se naquela ocasião a necessidade de afastar a figura do
presidente da República do combate às drogas, para que um eventual fracasso não
o atingisse.
Só anos depois, no governo Michel Temer,
voltou-se a dar atenção ao tema criando, em 2018, um Ministério Extraordinário
da Segurança Pública, a cargo do ministro Raul Jungmann. No entanto ele só
existiu por um ano. Ao assumir o governo, em janeiro de 2019, Jair Bolsonaro o
extinguiu. Hoje, muitas ações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) depois, vemos
que os traficantes e milicianos estão mais armados que as forças policiais,
talvez até mesmo que as Forças Armadas regulares. Isso ficou demonstrado depois
que os bandidos usaram até de drones para atacar os policiais, como se vê nas
guerras modernas.
O respeito aos direitos humanos é dever
anterior e prioritário, mas estamos numa guerra assimétrica em favor dos
bandidos, em que se definiu que a polícia só será eficaz se matar a três por
dois, e os bandidos têm apoios financeiros e estratégicos até do exterior, onde
já se ligam a quadrilhas de países vizinhos para o tráfico internacional. O
domínio territorial já é fato, havendo lugares onde o poder público não tem
condição de atuar. Não há mais tempo a perder, a ação do Estado tem de ser de
informação, inteligência e tecnologia, antes que o enfrentamento produza novas
tragédias.
A proposta do ministro da Justiça, Ricardo
Lewandowski, de unificar os sistemas de inteligência e informação estaduais e
de ação conjunta de diversos órgãos federais, estaduais e municipais é o
caminho para um novo recomeço no combate ao crime organizado em nível nacional.
Mas não é suficiente. É preciso maior rigor penal, mais agilidade processual
para crimes do que a lei chama de “facções” e prisões realmente de segurança
máxima.

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