CartaCapital
Durante a visita oficial à Indonésia e à
Malásia, Lula amealhou ganhos políticos, diplomáticos e também econômicos
A viagem de Lula à Indonésia e à Malásia, para o encontro
da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean), foi bastante exitosa,
tanto do ponto de vista político quanto do diplomático e econômico. Poderia ter
sido perfeita não fosse a infeliz declaração do presidente de que “os
traficantes são vítimas dos usuários de drogas também”.
Do ponto de vista político, o maior feito foi o encontro com o presidente dos EUA. A reunião transcorreu de forma cordial, sem os constrangimentos que Donald Trump frequentemente impõe a mandatários de outros países. A foto dos dois líderes se cumprimentando e sorrindo alcançou recorde de visualizações e engajamentos nas redes sociais de Lula.
Tanto Lula quanto Trump demonstram simpatia,
condição importante para a fluidez das negociações futuras. É claro que o
resultado dessas tratativas dependerá do que estiver em jogo e dos interesses
que cada governo buscará defender. Ainda assim, iniciar as conversas em um
ambiente positivo, criado pelos dois mandatários, é algo auspicioso.
Como o tarifaço foi justificado como uma
retaliação política, o encontro com Trump na Malásia proporcionou a Lula ganhos
na política interna em três frentes. A primeira foi a enfática defesa da
soberania e dos interesses nacionais que o presidente fez logo após a
decretação da taxa de 50% sobre produtos importados do Brasil. Com isso, o bolsonarismo
e a direita perderam o monopólio da bandeira do patriotismo que vinham
sustentando e passaram, eles próprios, a ser tachados de traidores da pátria.
O fortuito encontro de Lula e Trump na
Assembleia da ONU, o posterior telefonema e a reunião na Ásia compõem o segundo
ato dessa história. Lula destruiu o argumento da direita de que ele seria o
empecilho para a negociação. Mostrou exatamente o contrário: quer negociar,
pois é dessa forma que os conflitos podem ser superados.
Lula também retirou do clã Bolsonaro o
monopólio da interlocução com o governo norte-americano. Agora, as coisas estão
em seu devido lugar: nas relações entre Estados, os interlocutores legítimos
são os governos, não grupos facciosos, como os bolsonaristas. O fundamento
dessa relação não é ideológico, mas pautado nos interesses nacionais.
Além disso, ao ocupar o espaço de
representante legítimo do Estado brasileiro, Lula torna-se o ponto de
convergência dos interesses empresariais relacionados ao comércio bilateral,
deslocando para as margens não apenas a família Bolsonaro, mas também atores
como o governador Tarcísio de Freitas, que em algum momento tentou, de forma
atabalhoada, insinuar-se como negociador junto ao governo Trump. Os ganhos
políticos de Lula poderão ser ainda maiores se as negociações entre as equipes
governamentais chegarem a bom termo e o tarifaço for desfeito. Será um belo
presente que os Bolsonaro e Trump terão dado a Lula a menos de um ano das
eleições.
Do ponto de vista diplomático e econômico, a
viagem também foi bem-sucedida por diversos motivos. O primeiro deles é a
credibilidade e a receptividade que Lula desfruta no mundo. Foi recebido com
efusividade pelos líderes asiáticos e agraciado com o título de doutor honoris
causa pela Universidade Nacional da Malásia.
Em todos os seus mandatos, o líder brasileiro
praticou a diplomacia presidencial aliada à diplomacia comercial. A primeira
tem sido uma prática intensa da política externa norte-americana desde a
transição do século XIX para o XX. No Brasil do século XXI, essa estratégia
teve altos e baixos: prosperou nos três mandatos de Lula, mas esteve em baixa
nos governos de Dilma Rousseff, Michel Temer e, principalmente, de Jair
Bolsonaro.
O conceito de diplomacia presidencial
refere-se ao engajamento direto do presidente na política externa,
especialmente em estratégias comerciais, atração de investimentos, consolidação
de parcerias e formação de novas alianças. No âmbito comercial, além dos
acordos bilaterais, multilaterais e de blocos, o presidente atua como
facilitador das relações entre empresários nacionais e estrangeiros. Foi
exatamente isso que Lula fez na Indonésia e na Malásia, repetindo o padrão de
suas outras viagens.
De certa forma, Lula supre uma lacuna da
diplomacia formal brasileira, mais voltada às relações institucionais e
culturais entre os países. Essa deficiência deveria ser abordada na formação
dos diplomatas, nos concursos de ingresso e no desenvolvimento de suas
carreiras. A conjuntura internacional atual, marcada por fortes tensões comerciais
e geopolíticas, evidencia a importância de uma diplomacia comercial ativa,
capaz de abrir caminhos para os produtos nacionais e fortalecer o
multilateralismo. •
Publicado na edição n° 1386 de CartaCapital,
em 05 de novembro de 2025.

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