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Oposição e governo recorrem a armas
diferentes na batalha pelo discurso eleitoral da segurança pública
O novo herói nacional, aquele da matança no QG do Comando Vermelho, era conhecido como “pastinha” antes da carreira política que o levou a governador do Rio de Janeiro. Cláudio Castro merecia a alcunha por carregar papéis para um deputado na Assembleia Legislativa. O cargo atual caiu-lhe no colo quando, em 2021, o Parlamento estadual degolou Wilson Witzel, de quem era vice-governador. No ano seguinte, Castro reelegeu-se com o apoio de dinheiro usado para comprar voto. Quem identificou o abuso de poder político e econômico na campanha foram o Ministério Público e a juíza Isabel Galotti, do Tribunal Superior Eleitoral, relatora da ação movida para cassar o governador filiado ao PL. Após o voto da magistrada em 4 de novembro, o julgamento foi interrompido e só será retomado a partir de fevereiro.
O “comprador de voto” cultiva relações
perigosas com uma figura tóxica no mundo do poder fluminense: Ricardo Magro,
dono de uma refinaria de petróleo que é um escândalo fiscal desde que se
chamava Manguinhos. “O secretário de Fazenda do Rio (Juliano Pasqual) e o procurador-geral
do Estado (Renan Miguel Saad) são indicados do Magro”, garante o líder do PT
na Câmara dos Deputados, Lindbergh Farias, eleito pelo Rio. O empresário é
ligado a um sujeito que fez de tudo para derrubar Dilma Rousseff e em seguida
caiu do cavalo, Eduardo Cunha, acusado antes da queda de ter colaborado com as
bandalheiras de Magro em Manguinhos.
A refinaria atende hoje pelo nome de Refit.
Foi fechada em setembro pela Receita Federal, em uma operação contra um esquema
de fraude tributária e de adulteração de combustíveis em cinco estados. O
governo do Rio foi ao Tribunal de Justiça e conseguiu reabri-la, com o
argumento de que a empresa possui uma dívida astronômica com o Fisco local e
precisava voltar aos negócios para fazer caixa. O ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, ficou uma fera e apoiou o recurso da Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional ao Superior Tribunal de Justiça. Deu certo: o STJ fechou a Refit no
mês passado.
Em Brasília, comenta-se que logo a Polícia
Federal entrará em campo no Rio com uma operação de contornos defendidos pelo
presidente Lula quando o assunto é crime organizado: aposta em inteligência e
asfixia financeira, um modelo capaz de atingir a alta roda – o pessoal da
Avenida Faria Lima em São Paulo que o diga. Já há autorização do juiz Alexandre
de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, para a PF investigar a lavagem de
dinheiro e infiltração das facções no Poder Público do Rio. Vai ter político
preso, profetiza um lulista. Em setembro, agentes federais algemaram um deputado
estadual acusado de lavar dinheiro do Comando Vermelho, Thiego Raimundo dos
Santos Silva, o TH Joias, do MDB. Não faltam fotos de Castro sorridente ao lado
do detento, um aliado na Assembleia.
O secretário de Segurança Pública fluminense,
Victor Santos, um delegado da PF próximo do senador Flávio Bolsonaro, disse que
a carnificina no QG da facção carioca não era o “objetivo”, e que, “se fosse
para matar, matava todo mundo”. O plano seria justamente obter informações para
“asfixiar” o CV. Convenceu alguém? A “matança”, palavra abraçada por Lula para
descrever os fatos de 28 de outubro, fez bem ao ibope de Castro, que já avisa:
vêm aí mais dez operações. “Bandido bom é bandido morto” é lema que dá voto e
agrada aos carniceiros, embora não resolva o problema da criminalidade. O Rio
está mais seguro agora? “De forma alguma. Ao contrário, você vai trazer
mudanças geopolíticas associadas aos grupos armados”, afirma o sociólogo José
Cláudio Souza Alves, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, especialista
em crime organizado.
Interromper o fluxo financeiro das facções
deixa políticos do Centrão com as barbas de molho
A “Bancada da Bala” e a oposição em geral não
estão nem aí. Surfam na onda da matança. Estão determinadas a aprovar no
Congresso uma lei para igualar facções a terroristas. O governo é
“terminantemente contra”, segundo a ministra da articulação política do Palácio
do Planalto, Gleisi Hoffmann, do PT. “Pela legislação internacional, dá guarida
para que outros países possam fazer intervenções no nosso País”, declarou
publicamente.
Castro quer a intervenção de Tio Sam. Em
maio, viajou aos Estados Unidos e reuniu-se com integrantes do departamento
antidrogas para discutir cooperação no combate ao CV. O chefe do DEA, James
Sparks, acaba de mandar uma carta ao Rio para lamentar a morte de quatro
policiais durante a operação nos complexos do Alemão e da Penha e colocar-se “à
disposição para qualquer apoio”. Na viagem, Castro entregou documentos
confidenciais e pediu que o CV fosse classificado pelos EUA como
“narcoterrorista”. Donald Trump detonou uma guerra às drogas que tem
justificado não só o policiamento naval ianque no Caribe como uma retórica
acusatória contra Colômbia e Venezuela. Eis a razão de Lula ter decidido
participar, no domingo 9, na Colômbia, de uma reunião da Celac, a comunidade de
países latino-americanos. Prestará solidariedade à Venezuela e deixará claro de
novo aos EUA, como pessoalmente a Trump na Malásia, que a América do Sul é
território de paz.
Carimbar de “terroristas” as facções “poderia
permitir a aplicação de sanções e bloqueios de ativos por parte dos EUA a
indivíduos, grupos e instituições brasileiras e autorizar medidas de cooperação
direta de inteligência no Brasil, inclusive de natureza militar, sem
participação das autoridades federais”. Palavras de um pedido de Lindbergh
encaminhado a Moraes, do Supremo, para Castro ser investigado por dois crimes
potenciais: atentado à soberania nacional e repasse de documentos secretos. Até
mesmo a ONU poderia aplicar sanções ao País, na visão do Ministério da Justiça.
A proposta preparada pelo ministério para
combater facções foi enviada por Lula ao Congresso após a matança no Rio. O
deputado Danilo Forte, do União Brasil do Ceará, tenta fazer com que seja
juntada a um projeto dele que equipara crime organizado a terrorismo. O texto
de Forte quase foi votado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara nos
últimos dias, mas o governo atuou nos bastidores para impedir. O presidente da
Câmara, Hugo Motta, comandou sessões plenárias em horários incomuns. Sempre que
o plenário tem sessões deliberativas, as comissões não podem votar nada. Motta
tinha sentido o tranco nas redes sociais por causa da pornográfica “PEC da
Blindagem” e agora colabora com o governo, na esperança de sair do fundo do
poço. Cabe a ele resolver se haverá ou não a junção das propostas sobre facções
e terrorismo.
Nos bastidores do Senado, o Planalto também
agiu. No caso, para que a CPI do Crime Organizado recém-instalada não ficasse
com um maestro bolsonarista. Por um apertado placar de 6 a 5, foi eleito para
presidir a comissão o senador Fabiano Contarato, do PT capixaba. O adversário
pelo posto era o gaúcho Hamilton Mourão, que foi vice de Jair Bolsonaro. O
Planalto teme que a oposição use a CPI para associar Lula e o PT ao crime
organizado. O deputado Nikolas Ferreira, do PL mineiro, escreveu nas redes
sociais que o PT era o “partido dos traficantes”, e um juiz mandou tirar do ar.
Na reta final da eleição de 2022, a extrema-direita tinha usado as redes para
ligar Lula ao PCC, e o TSE também havia ordenado a remoção desse tipo de
conteúdo.
O principal investigador da CPI, na qualidade
de relator, será Alessandro Vieira, do MDB de Sergipe. É delegado da Polícia
Civil, como Contarato. O plano de trabalho apresentado por Vieira tem convite a
ministros, governadores, acadêmicos e jornalistas para que exponham suas
visões e ideias. Vieira vai subdividir as investigações em oito frentes. Uma
delas são as milícias, formadas por, digamos, “bandidos do bem”. Outra é a da
corrupção, tema que deixa muita gente graúda da política de barbas de molho,
caso do senador Ciro Nogueira, presidente do PP e chefe da Casa Civil na gestão
Bolsonaro.
A Polícia Civil do Piauí acaba de encarcerar
um ex-assessor do senador, em um enredo estrelado pelo PCC. Victor Linhares de
Paiva recebeu 230 mil reais no fim de 2023 de um empresário piauiense dono de
postos de gasolina. O depósito deu-se por meio de um banco digital que a
polícia diz ser lavanderia da facção. Coincide com a época da venda da rede de
postos para um fundo de investimentos. Esse fundo foi atingido, em agosto, pela
Operação Carbono Oculto, realizada pela PF em São Paulo contra o PCC. A organização
criminosa paulista valia-se do banco digital, de postos piauienses e do fundo
para lavar dinheiro. “O que se viu no Piauí é um microcosmo da estrutura
financeira do PCC”, afirmou em entrevista coletiva o delegado que chefia a
inteligência da Secretaria de Segurança Pública do estado, Anchieta Nery.
A mira policial apontada para os altos
escalões do crime organizado deixa em pânico o “Centrão”, aquela massa
direitista que controla o Congresso. É a avaliação de um líder governista
diante do que ele ouve nos corredores sempre que aparecem em rodinhas de
conversa duas intenções de Lula. Uma é a opção por combater as facções com
inteligência e armas econômico-financeiras de investigação. A outra é a
tentativa de mudar a Constituição para dar mais poderes ao governo federal na
segurança pública, área de jurisdição estadual. Na visão desse líder, a turma
do “pânico” prefere botar as fichas no modelo da “matança” para criar confusão
no debate público.
A política “linha-dura” tem, de quebra, o dom
de colocar o governo nas cordas e a extrema-direita na ofensiva. Criminalidade
é um tema com o qual os progressistas lidam mal, as soluções que pregam são de
médio e longo prazo, enquanto a população está amedrontada agora e espera
respostas imediatas. Algumas pesquisas ligeiras, inclusive do governo,
mostraram recuo na popularidade de Lula após o episódio no Rio. “Toda vez que a
esquerda fica na defensiva, a extrema-direita avança. Tem sido assim no mundo
inteiro”, diz o deputado paulista Rui Falcão, ex-presidente do PT. “O programa
de governo do Lula propunha criar o Ministério da Segurança Pública. Por que
não agora?”
Publicado na edição n° 1387 de CartaCapital, em 12 de novembro de 2025.

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