Folha de S. Paulo
A Jair se garante o direito de respirar, de
não ser torturado e tratamento digno
Decisão faz detalhada cronologia das
múltiplas formas de o ex-presidente desafiar a Justiça e obstruir a aplicação
da lei
A obra anti-intelectual de Jair
Bolsonaro foi gritada, não escrita. Seus reptos contra a
educação, a saúde pública, o meio ambiente, a ciência, os direitos e liberdades
são ouvidos há décadas. Suas ações concretas, coerentes com o grito, lutaram
por esgarçar a legalidade, incitar desmatamento da Amazônia, intimidar e
sectarizar estruturas regulatórias do Estado, ameaçar professores e cientistas,
estimular todas as formas de exposição ao vírus na pandemia.
Jair Bolsonaro se fez líder eleito graças à sua filosofia da prisão e da pessoa presa. Entende pessoa presa como não humana e define responsabilidade penal com base em presunção, não em provas. Se está preso, presume-se criminoso. Sua síntese primal: "Bandido tem que apodrecer na cadeia. Se cadeia é lugar ruim, é só não fazer a besteira que não vai pra lá. Vamos acabar com essa história de ficar com pena de encarcerado. Quem está lá fez por merecer." "É problema de quem cometeu crime."
Bolsonaro está preso. Poucos dias antes do
trânsito em julgado da decisão condenatória a 27 anos de prisão por tentativa
de golpe de Estado, o ministro Alexandre de
Moraes expediu ordem de prisão preventiva. Não foi preso porque
falou "caguei para a prisão", mas por seguidas
violações de ordens judiciais cautelares.
A decisão de Moraes faz uma detalhada
cronologia das múltiplas formas de Jair Bolsonaro desafiar a Justiça e obstruir
a aplicação da lei penal. Em 17 de julho, o STF proibiu
Jair de se ausentar da comarca com uso de tornozeleira eletrônica e
recolhimento domiciliar noturno; proibiu aproximação a embaixadas e consulados,
além de contato com embaixadores; e proibiu utilizar redes sociais direta ou
indiretamente. Desobediência autorizaria a decretação da prisão.
Em 21 de julho, em desafio ao STF, Bolsonaro
faz discurso nas redes sociais. Em 3 de agosto, participa, por meio de
comunicação nas redes, dos atos de seus apoiadores, que exibiram nas ruas a
bandeira dos Estados Unidos. Em 4 de agosto, o STF decretou
prisão domiciliar e proibiu visitas, exceto de advogados e
pessoas autorizadas pelo tribunal, e o uso de celular, além de manter as
proibições anteriores.
Fato novo mais recente, a polícia identificou
convocação, por Flávio Bolsonaro, de "vigília pela saúde de Bolsonaro e
pela liberdade do Brasil". O tom evocava os acampamentos na frente dos
quartéis que preparavam a tentativa de golpe: "Você vai lutar pelo seu
país ou assistir tudo do celular aí do sofá de casa? A nossa pátria não vai
continuar nas mãos de ladrões, bandidos e ditadores".
A nova ordem de Alexandre de Moraes, com base
em documentação policial sobre fatos novos, entendeu que a vigília pode causar
"grave dano à ordem pública", "inviabilizar o cumprimento da
eventual prisão condenatória" e "criar ambiente propício para sua
fuga".
Existe uma filosofia constitucional da
prisão, contrária à filosofia bolsonarista da prisão. Contra tudo que desejou a
pessoas presas, Bolsonaro tem direito de não ser submetido a tortura nem sofrer
tratamento desumano e degradante; tem direito de respeito à integridade física
e moral; tem direito de permanecer calado e à assistência da família e de
advogado. Tem direito à assistência material e jurídica, educacional e à saúde.
Tem também direito de respirar e de tomar
vacina. Tem direito de ser tratado como outros presos no seu grau de
periculosidade pelo mais grave crime do Código Penal.

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