terça-feira, 25 de novembro de 2025

Para esquecer o chanceler alemão, por Fernando Gabeira

O Globo

O Brasil está tranquilamente inserido no mapa dos lugares atraentes do mundo. Isso não significa que todos gostarão

Ao sair de Belém, o chanceler alemão, Friedrich Merz, disse que a comitiva do seu país ficou contente ao deixar aquele lugar. Foi um deus nos acuda; do presidente ao Senado, muitos protestos. Volto ao assunto para propor uma visão mais leve, quem sabe para ser usada numa próxima vez.

Para começar, confesso que gosto de Belém. Passo manhãs inteiras no Mercado Ver o Peso, deslumbrado com a profusão de cores e aromas dos produtos da floresta. Frequento o Museu Goeldi e sua área externa com a velha sumaúma e vitórias-régias. Gosto de comer um peixe chamado filhote, numa crosta de castanha, com risoto de jambu.

Fiz um curto documentário sobre a música, focado em Nilson Chaves, e, às vezes, me vejo cantarolando uma de suas canções: O sol da manhã rasga o céu da Amazônia /Eu olho Belém da janela do hotel.

É tão tranquila minha admiração pela cidade que jamais me passaria pela cabeça hostilizar alguém com uma opinião oposta. Não sabe o que está perdendo.

Há muita gente e muitos lugares no mundo. O chanceler cometeu uma gafe. Há alguns anos, uma revista, creio que foi a Granta, abriu espaço para uma dezena de escritores descreverem o pior lugar do mundo. Eram relatos de viagens acidentais; às vezes, uma parada forçada para escala.

Eu mesmo, ao cobrir o fim do império soviético nos países bálticos, fui bem na Estônia e na Letônia, mas encrenquei com a Lituânia. Era um momento apenas. Se voltar hoje, creio que descobrirei a beleza do país. No caso de Belém, deve ter passado o desconforto do calor.

Durante a COP30, o calor para mim era suportável. Mas vivo no Rio e enfrento sol de rachar nas viagens do Xingu ou mesmo ao Pantanal e ao Rio Pandeiros, em Januária (MG). Há quem não se importe nem com o calor nem com os mosquitos. Roosevelt fez uma longa viagem Amazônia adentro. Essa viagem inspirou uma série dirigida por Bruno Barreto.

Dois escritores europeus vieram morar no Brasil durante a Segunda Guerra. Stefan Zweig e Georges Bernanos. Escolheram climas amenos em Petrópolis (RJ) e Barbacena (MG), respectivamente. A própria poeta Elizabeth Bishop também morou em Petrópolis com a mulher, Lota de Macedo Soares.

Orson Welles esteve no Rio algum tempo. Sartre e Simone de Beauvoir, assim como Camus, fizeram viagens enriquecedoras pelo Brasil. Antoine de Saint-Exupéry visitou muito Santa Catarina e, quando tiver tempo, contarei essa história.

O Brasil está tranquilamente inserido no mapa dos lugares atraentes do mundo. Isso não significa que todos gostarão. Nos filmes B, depois de um grande assalto, os ladrões sempre sonhavam em fugir para o Brasil. Chegaram a fazer isso, depois de um assalto ao trem pagador na Inglaterra.

Conhecendo alguns desses detalhes, creio que a gente pode ter muita calma, como qualquer outro país do mundo. Se um líder sul-americano dissesse que não gostou de Nova York e estava feliz por sair daquele lugar, qual seria a repercussão? Quem soubesse do assunto apenas perguntaria:

— E daí?

Temos tudo para fazer a mesma pergunta ao chanceler alemão. Quem sabe, numa próxima, perguntaremos “E daí?” e cuidaremos de temas mais importantes?


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