O Globo
Chineses e americanos, em algum ponto,
começarão a trabalhar para evitar que o outro chegue na ponta
Existe um jeito de compreender o movimento da
inteligência artificial (IA), seu desenvolvimento, que explica muito da maneira
como os Estados Unidos entendem a relação com a China neste governo Donald Trump.
Essa maneira de compreender IA encontra eco em alguns, no Vale do Silício. Mas
não todos. Independentemente disso, todos no Vale acreditam que a tese mais
popular em Washington os
beneficia. Então, seja por apoio sincero, seja por puro cinismo, todo mundo
embarcou.
A ideia começa pela crença de que a Inteligência Artificial Geral (IAG) está a poucos anos de distância. Para os mais pessimistas, até cinco. Alguns acham que vem antes. IAG é, na definição usada por quem pensa geopolítica, um sistema de IA capaz de desempenho superior à maioria dos humanos em análise de informação, ciberataques, desenho de armas químicas e biológicas. Também na prevenção. Inteligência capaz de fazer melhor que a maioria de nós pesquisa científica, desenvolvimento de software, desenho de logística, robôs. Inovação industrial e predição financeira. E, naturalmente, persuasão, propaganda, manipulação política.
Tem gente grande o bastante convicta de que
alguém terá essa tecnologia nas mãos em algum momento até 2030. Allan Dafoe,
que comanda a iniciativa de IA do Google, Eric
Schmidt, ex-CEO do Google, e o ex-secretário de Estado Henry Kissinger
escreveram um livro com essa previsão. Geoffrey Hinton, um dos inventores da
IA, circula o mundo em desespero alertando sobre o risco. O historiador Yuval
Noah Harari é outro que escreveu livro explicando como estamos criando um
buraco em que mergulharemos. Não quer dizer que estejam certos. Yann LeCun,
outro dos pais da IA que dirige a iniciativa dentro da Meta, faz troça da
ideia de uma IAG que possa vir pelo caminho atual. Como ele, há muitos. Esse é
um debate científico de alto nível em que não há consenso.
Porém gente importante o suficiente acredita
que a IAG vem aí, e isso tem consequências. O ponto é o seguinte: desde
dezembro de 2022, faz três anos, assistimos coletivamente à corrida na direção
da IAG pelas três empresas americanas líderes: OpenAI, com o GPT; Google, com o
Gemini; e Anthropic, com o Claude. Mas não assistimos, porque isso não ocorre
tão claramente à vista de todos, ao avanço paralelo de empresas, universidades
e do Estado chinês nessa briga. Mas estão lá. Então um lança o GPT5, dois meses
depois vem o Gemini 3, e o Claude 5 está ali na frente. Parece uma corrida em
que os cavalos estão ali um com o focinho no cangote do outro, parelhos que só.
E, quando um modelo novo sai, faz algo muito melhor que o outro. Não é mais
possível afirmar qual dos três é melhor em termos gerais. Depende para quê.
Essa proximidade, para os proponentes do
cenário da Guerra Fria total, é ilusória. Porque, se um chegar à IAG dois meses
depois do outro, fará muita diferença. Afinal, quem tem nas mãos uma IA
desenvolverá gerações futuras de IAs com velocidade exponencialmente maior.
Quem chegar primeiro conquistará uma distância intransponível sobre todos os
rivais.
Para Washington, o debate não se dá no nível
das empresas. A Casa Branca de Trump considera bom que três companhias
americanas estejam na briga, porque lhe é indiferente qual ganhe, desde que
seja uma delas. A alternativa é alguém na China chegar na frente. Aí, é todo
poder aos chineses. Muito do imenso investimento que o governo americano
promove, dos trilhões de dólares gastos nisso, está ligado à convicção de que
esse é o curso que as coisas tomarão.
Agora, isso também quer dizer o seguinte:
chineses e americanos, em algum ponto, começarão a trabalhar para evitar que o
outro chegue na ponta. Com hackers e espiões. Sabotando os modelos e as grandes
fazendas de processamento. No limite, bombardeando os grandes galpões
carregados de máquinas que treinam modelos.
Paranoia? Talvez. Muitas vezes soa assim.
Mas, para quem parte do princípio de que a IAG está próxima, o raciocínio é
coerente. Afinal, uma IAG é a tecnologia total, absoluta. A tecnologia que
desenvolverá todas as tecnologias futuras, empurrará a ciência, produzirá o
dinheiro. Ou é pura fantasia que contaminou gente importante.

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