quarta-feira, 26 de novembro de 2025

Prisão sem povo prejudica legado, por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

No dia em que Bolsonaro começou a cumprir sua pena, havia mais jornalistas que apoiadores em frente à PF

Prejudicado, pela tentativa de fuga e pelo livre acesso de médicos à sua cela, o paralelo com o ex-presidente Fernando Collor de Mello, que obteve prisão domiciliar, restou aquele da detenção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, caso que desfavorece as demandas da família e da defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro.

A começar pela interposição de embargos infringentes ou pela chance de uma revisão criminal, principal aposta da defesa. Os embargos já foram descartados pelo ministro Alexandre de Moraes com base numa decisão do ministro Edson Fachin, de 2018, referendada em plenário, que exige dois votos pela absolvição para a aceitação do instrumento. A da condenação de Bolsonaro só teve o do ministro Luiz Fux. Já a revisão está prevista no Código de Processo Penal quando surgem novas provas ou evidencia-se a falsidade dos autos. Nenhuma das condições foi preenchida até o momento.

Lula teve seu julgamento anulado por duas razões. A primeira, alegada pela defesa desde o início, foi a de que o hoje senador Sergio Moro (União-PR), não era o “juiz natural” do caso, visto que nenhuma das condenações do presidente (triplex do Guarujá, sítio de Atibaia e doações ao Instituto Lula) tinha relação com os desvios da Petrobras afeitos a Moro.

Depois da confirmação da decisão de Fachin em plenário, por 8x3, que anulou todos os processos, a 2ª Turma do Supremo ainda votou pela suspeição de Moro. Ambas as decisões tiveram como motor a revelação de conversas nas redes sociais em que Moro instruía os procuradores do caso sobre a investigação, da estratégia das operações à produção de provas.

O processo foi remetido para a Justiça Federal em Brasília sem que o STF se debruçasse sobre o mérito das condenações. No caso de Bolsonaro, o ex-presidente já está na última instância de julgamento. Não há recurso possível além dos embargos infringentes.

Assim como Lula, Bolsonaro ficará numa cela na Superintendência da Polícia Federal em Brasília, três metros quadrados menor do que aquela do atual presidente em Curitiba, mas com as mesmas comodidades. A pedido de Lula, a cela foi provida de uma esteira eletrônica, cujo uso o presidente mantém até hoje.

O regime da prisão não ficará a cargo do ministro Alexandre de Moraes, mas da Vara de Execuções Penais do Distrito Federal. Porém, as condições dificilmente atenderão às demandas da família. Enquanto se manteve em prisão preventiva, Bolsonaro teve direito a visitas diárias, cuja duração de meia hora foi contestada pela família.

Ao longo dos 580 dias em que ficou preso, Lula recebeu visitas praticamente diárias graças à estratégia de sua defesa de explorar o direito, previsto em lei, de acesso de seus advogados. Assim, tanto os atuais ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais), quanto petistas como Wadih Damous, atual presidente da Agência de Saúde e o deputado estadual Emídio de Souza foram acrescidos à equipe de defesa.

Dos três filhos mais velhos do ex-presidente, apenas o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) é elegível para visitá-lo. O vereador Carlos Bolsonaro não é formado em Direito e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) fugiu para os EUA antes de se tornar réu por coação no curso do processo no STF.

A ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro, poderá se encaixar na condição de “visita íntima”, mas o presidente do seu partido, Valdemar Costa Neto (PL), terá dificuldades de fazer visitas frequentes ao ex-presidente visto que é administrador de empresas. A ausência de um diploma de advogado também privará o governador Tarcísio de Freitas, engenheiro de formação, de visitar aquele de quem pretende obter apoio para uma eventual candidatura à Presidência.

A diferença mais visível da prisão dos dois presidentes, porém, é a presença de manifestantes. No caso de Lula, além do ato ecumênico em São Bernardo do Campo, que aglomerou os militantes, sua saída, em meio à multidão que cercava o Sindicato dos Metalúrgicos, foi programada para simbolizar um líder sendo arrancado dos braços do povo. A aura foi mantida na vigília em Curitiba, que seria resgatada na subida da rampa de seu terceiro mandato.

No caso de Bolsonaro, a dificuldade de agregar reação popular à prisão já era patente desde 7 de setembro, que teve o menor público desde sua saída do poder. Foi confirmada pelas poucas centenas de pessoas que Flávio Bolsonaro foi capaz de arregimentar ao longo das vigílias que promoveu, nem mesmo aquela do dia em que o ex-presidente foi levado de sua casa. No dia em que começou o cumprimento de sua pena, havia mais jornalistas em frente à superintendência da PF do que apoiadores.

A se confirmar, a ausência de povo, paradoxalmente, pode vir a ajudar o Centrão a demover a resistência da família a lançar um candidato próprio. Estaria prejudicado o argumento de que, apesar de preso, é Bolsonaro quem lidera e arregimenta o eleitor de direita no país.

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