terça-feira, 4 de novembro de 2025

Segurança pede mais do que torneio verbal, por Fernando Gabeira

O Globo

Energia social no Brasil foi investida na troca de acusações: fascistas de um lado; cúmplices de traficantes do outro

Peço desculpas por começar simplificando. Uma política de segurança que prioriza a morte é condenável. Mas a ocupação do território pelo crime organizado, oprimindo milhões de pessoas, é intolerável. Como resolver esse problema?

Grande parte da energia social no Brasil foi investida na troca de acusações: fascistas de um lado; cúmplices de traficantes do outro. O tiroteio verbal foi tão intenso quanto o barulho ensurdecedor da terça-feira passada no Alemão e na Penha.

O debate é necessário em todos os níveis, mas, concentrado nas acusações mútuas, transforma o sofrimento real dos moradores do morro em mais uma rotineira troca de farpas entre esquerda e direita.

A questão central permanece intocada. Governadores de direita criaram um consórcio às pressas, num movimento nitidamente eleitoral. Sua tese de igualar o tráfico ao terrorismo é um dado importante na geopolítica. Paraguai e Argentina classificaram os traficantes brasileiros como terroristas. É a posição de Trump, que, no momento, tem destruído barcos no Caribe e no Pacífico. Na verdade, é a política do extermínio usando o argumento do terrorismo, algo que, levado às últimas consequências, pode resultar na morte de milhares de inocentes, como aconteceu em Gaza.

A visão dos governadores de direita exclui Norte e Nordeste, por onde passam rotas e existem organizações locais, além de CV e PCC. Tive oportunidade de falar sobre elas em programas em Manaus, onde domina a Família do Norte, e Fortaleza, onde prevalecem Os Defensores do Estado.

A melhor saída é a integração com o governo federal, cujos instrumentos são indispensáveis: PF, Receita, Polícia Rodoviária, Forças Armadas.

É preciso vencer a resistência à integração para chegar a uma política de segurança que, pela eficácia e transparência, convença os dois lados da batalha ideológica.

Como resolver o problema da reconquista do território? Inteligência, dizem alguns. Tudo bem, inteligência é essencial. Asfixia financeira. Ok. Mas há duas questões que inteligência e asfixia financeira não resolvem. Os traficantes têm fuzis, pistolas, drones e, em alguns casos, metralhadoras .30. O domínio territorial com taxas sobre tudo — motoboys, comércio, bujões de gás, gatonet — garante mais dinheiro que a própria droga e é inesgotável.

Impossível recuperar território sem algum uso de força, essa sim pode ser inteligente e ponderada. É uma fórmula que deixaria de fora apenas os que querem matanças ou os que se opõem a qualquer intervenção estatal e preferem o statu quo.

A integração entre governos federal, estadual e municipal teria de usar uma força esmagadoramente superior, com o objetivo de fazer com que a resistência seja inviável, e a rendição uma saída racional. Prender e não emboscar. Para isso, seria preciso inteligência, planejamento, trabalho psicológico com bombardeio de panfletos e um cuidado especial com a tática de utilizar a população como escudo.

Muita gente acredita que os traficantes não se rendem. Não parece verdadeiro. Há vídeos de traficantes querendo se render, relatos de mães que foram à mata chamadas pelos filhos querendo negociar a rendição — enfim, nem todos são suicidas.

Naturalmente, uma operação desse tipo custa caro. Mais caro ainda o investimento que os governos terão de fazer nas áreas liberadas para que se reintegrem ao Estado de Direito. Mas o preço que as populações dominadas pagam é muito alto, material e psicologicamente. E há também o preço nacional pela inércia. Estaremos vulneráveis a um tipo de populismo baseado na mais tosca repressão, como a que vigora hoje em El Salvador.

 

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