O Globo
Energia social no Brasil foi investida na
troca de acusações: fascistas de um lado; cúmplices de traficantes do outro
Peço desculpas por começar simplificando. Uma
política de segurança que prioriza a morte é condenável. Mas a ocupação do
território pelo crime organizado, oprimindo milhões de pessoas, é intolerável.
Como resolver esse problema?
Grande parte da energia social no Brasil foi
investida na troca de acusações: fascistas de um lado; cúmplices de traficantes
do outro. O tiroteio verbal foi tão intenso quanto o barulho ensurdecedor da
terça-feira passada no Alemão e na Penha.
O debate é necessário em todos os níveis,
mas, concentrado nas acusações mútuas, transforma o sofrimento real dos
moradores do morro em mais uma rotineira troca de farpas entre esquerda e direita.
A questão central permanece intocada. Governadores de direita criaram um consórcio às pressas, num movimento nitidamente eleitoral. Sua tese de igualar o tráfico ao terrorismo é um dado importante na geopolítica. Paraguai e Argentina classificaram os traficantes brasileiros como terroristas. É a posição de Trump, que, no momento, tem destruído barcos no Caribe e no Pacífico. Na verdade, é a política do extermínio usando o argumento do terrorismo, algo que, levado às últimas consequências, pode resultar na morte de milhares de inocentes, como aconteceu em Gaza.
A visão dos governadores de direita exclui
Norte e Nordeste, por onde passam rotas e existem organizações locais, além de
CV e PCC. Tive oportunidade de falar sobre elas em programas em Manaus, onde
domina a Família do Norte, e Fortaleza, onde prevalecem Os Defensores do
Estado.
A melhor saída é a integração com o governo
federal, cujos instrumentos são indispensáveis: PF, Receita, Polícia
Rodoviária, Forças Armadas.
É preciso vencer a resistência à integração
para chegar a uma política de segurança que, pela eficácia e transparência,
convença os dois lados da batalha ideológica.
Como resolver o problema da reconquista do
território? Inteligência, dizem alguns. Tudo bem, inteligência é essencial.
Asfixia financeira. Ok. Mas há duas questões que inteligência e asfixia
financeira não resolvem. Os traficantes têm fuzis, pistolas, drones e, em
alguns casos, metralhadoras .30. O domínio territorial com taxas sobre tudo —
motoboys, comércio, bujões de gás, gatonet — garante mais dinheiro que a própria
droga e é inesgotável.
Impossível recuperar território sem algum uso
de força, essa sim pode ser inteligente e ponderada. É uma fórmula que deixaria
de fora apenas os que querem matanças ou os que se opõem a qualquer intervenção
estatal e preferem o statu
quo.
A integração entre governos federal, estadual
e municipal teria de usar uma força esmagadoramente superior, com o objetivo de
fazer com que a resistência seja inviável, e a rendição uma saída racional.
Prender e não emboscar. Para isso, seria preciso inteligência, planejamento,
trabalho psicológico com bombardeio de panfletos e um cuidado especial com a
tática de utilizar a população como escudo.
Muita gente acredita que os traficantes não
se rendem. Não parece verdadeiro. Há vídeos de traficantes querendo se render,
relatos de mães que foram à mata chamadas pelos filhos querendo negociar a
rendição — enfim, nem todos são suicidas.
Naturalmente, uma operação desse tipo custa
caro. Mais caro ainda o investimento que os governos terão de fazer nas áreas
liberadas para que se reintegrem ao Estado de Direito. Mas o preço que as
populações dominadas pagam é muito alto, material e psicologicamente. E há
também o preço nacional pela inércia. Estaremos vulneráveis a um tipo de
populismo baseado na mais tosca repressão, como a que vigora hoje em El
Salvador.

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